O cenário é simples: “estrada, árvore, à noite”. Os dois personagens, Estragon (Gogo) e Vladimir (Didi), batem um papo enquanto esperam um tal Godot. Ninguém diz quem é Godot.
Os dois maltrapilhos reclamam constantemente do frio, da fome e de seu estado existencial. Estragon e Vladimir discutem. Cogitam em se separar (até se suicidar). No final, continuam dependentes um do outro. Os diálogos são desconexos, superficiais e triviais — espantosamente humanos.
A monotonia é interrompida pela passagem de outra dupla, Pozzo e Lucky. Pozzo é o senhor das terras onde vivem Didi e Gogo. É mesquinho, cruel, mas inspira dó. Trata mal seu criado Lucky, o qual não desgruda de uma pesada mala que carrega. Estão atados por uma corda, com a qual Pozzo puxa Lucky como um cachorro.
No segundo ato a espera continua. A árvore está um tanto desfolhada. Gogo e Didi continuam na espera de Godot. Passam Pozzo, então cego, e Lucky, agora mudo.
Um garoto avisa que Godot não virá, talvez amanhã apareça.

Obra exemplar do teatro do absurdo, Esperando Godot não possui intrigas, conflitos, clímax, ou mesmo um fluxo temporal. A espera, os diálogos e mesmo os ocasionais passantes são irracionais. É cômico o anseio ilógico.
Esperando Godot é uma peça de teatro do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Beckett publicou-a em francês em 1948 e em 1952 teve sua estreia no Théâtre Babylone em Paris.
É uma obra aberta em vários sentidos, permitindo diversas interpretações. Uma interpretação mais leve vemos na influência da peça no conto de Moacyr Scliar do Cego e amigo Gedeão à beira da estrada, os quais ainda especulam sobre os veículos passageiros. Mas, as interpretações tendem a ser existenciais. Beckett rejeitou interpretações que viam no nome Godot um trocadilho com God (Deus). Antes, o nome sem sentido remeteria a go (vá) e stop (pare). Apesar dessas ressalvas, não há como evitar a espera messiânicas por líderes ou eventos salvadores da pátria. Inspira a mesma dó que temos aos que anseiam por uma intervenção extraterrestre ou militar nas próximas 72 horas. É similar à empatia que temos aos que esperam o Encoberto inaugurar o Quinto Império.
A espera sem fruto alerta contra a tediosa procrastinação da alegria: aquelas pessoas que condicionam a plenitude de suas vidas, a felicidade ou outra coisa para quando se cumprir algum evento.
Há de convir, no entanto, que uma dose de esperança é saudável. Afinal, o que vence uma vida sem sentidos é a esperança. É a espera por algo melhor que corroi os regimes de medo, desconfiança e desalento. Fechamos ritualmente cada ciclos sabendo que na próxima página algo virá.
A vida ainda não está determinada e resolvida. É absurda a espera, mas no indefinido reside a esperança.
Sentado sobre uma pedra, Estragon tenta tirar a bota. Faz força com as duas
mãos, gemendo. Para, exausto; descansa, ofegante; recomeça. Mais uma vez.
Entra Vladimir.
ESTRAGON (desistindo de novo) Nada a fazer.
VLADIMIR (aproximando-se a passos curtos e duros, joelhos afastados) Estou quase
acreditando. (Fica imóvel) Fugi disso a vida toda. Dizia: Vladimir, seja razoável,
você ainda não tentou de tudo. E retomava a luta. (Encolhe-se, pensando na luta.
Vira-se para Estragon) Veja só! Você, aqui, de volta.
ESTRAGON Estou?
VLADIMIR Que bom que voltou. Pensei que tivesse partido para sempre.
ESTRAGON Eu também.
VLADIMIR Temos que comemorar, mas como? (Pensa) Levante que lhe dou um
abraço. (Oferece a mão a Estragon)
ESTRAGON (irritado) Daqui a pouco, daqui a pouco.
SAIBA MAIS
Beckett, Samuel. Esperando Godot. Cosac & Naify, 2005.
“Tenho informações quentes, agora é sério. Em 72 horas… Godot vem”
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