O Modelo de Bem-Estar Social Escandinavo

Quem conhece os países nórdicos fica impressionado como é possível e como conseguiram superar vários males oriundos da desigualdade. Pelas minhas vivências (mestrado na Suécia e doutorado na Noruega), observo algumas bases para o modelo escandinavo de bem-estar social ter dado certo. Há fatores históricos, sociais, axiológicos, mas do ponto de vista de políticas públicas e economia política deve-se dar dado os devidos créditos a um grupo de articuladores, como se verá.

O Estado de bem-estar social escandinavo, ou nórdico, refere-se ao modelo social, económico e político desenvolvido na Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia. Este modelo é caracterizado por bem-estar universal, impostos elevados e fortes direitos dos trabalhadores. Os princípios fundamentais incluem igualdade, solidariedade social, intervenção estatal e um equilíbrio entre capitalismo e bem-estar social. A base da teoria e das políticas por detrás do sistema foi em grande parte estabelecida por economistas como Gunnar Myrdal, Alva Myrdal, Knut Wicksell e Rudolf Meidner.

Fundações Iniciais na era da industrialização (final do século XIX – início do século XX)

O período foi marcado pela industrialização e urbanização. O rápido crescimento industrial levou à exploração dos trabalhadores, o que desencadeou exigências por reformas sociais. Adicionalmente, o fluxo migratório em massa reduziu a mão-de-obra, dando maior alavancagem para as organizações laborais. Ocorreu a ascensão da social-democracia, com os movimentos operários e os partidos social-democratas. Um exemplo foi o Partido Social-Democrata Sueco, fundado em 1889. Mesmo a via “conservadora” dos partidos agrários e depois democratas cristãos apoiavam reformas sociais e o estado de bem-estar social.

As primeiras reformas começaram a tomar forma:

  • Dinamarca (1891): Introduziu o primeiro sistema de pensão de velhice.
  • Suécia (1913): Introduziu um regime de pensões universal.

A influência inicial de pensadores como Knut Wicksell (1851–1926) foi importante. Salientava os bens públicos e a teoria da utilidade marginal, e a sua ideia de uma “distribuição justa da riqueza” como pré-requisito para a eficiência econômica ajudou a moldar o liberalismo social sueco.

Período Entreguerras (décadas de 1920-1930): Construção da Estrutura

O impacto da Grande Depressão fortaleceu o apoio à intervenção estatal na economia. Neste período, emergiram pensadores centrais e iniciativas políticas:

  • Gunnar Myrdal (1898–1987) e Alva Myrdal (1902-1986) na Suécia defenderam políticas populacionais e de bem-estar familiar, mais conhecidos pelo seu livro conjunto Kris i befolkningsfrågan (Crise na Questão Populacional, 1934). Isto lançou as bases para medidas de política familiar, como creches e licença parental. Gunnar Myrdal defendeu o planeamento económico liderado pelo Estado, a redistribuição da riqueza e políticas de bem-estar universais.
  • As teorias de Knut Wicksell sobre tributação progressiva e bens públicos continuaram a ter influência.

Reformas importantes incluíram:

  • Suécia (1938): O Acordo de Saltsjöbaden – um compromisso entre trabalhadores e empregadores que estabeleceu as bases para o modelo sueco de relações laborais.
  • Foram também lançadas iniciativas para o seguro de desemprego e habitação pública.

Expansão pós-Segunda Guerra (décadas de 1940-1970): A Idade de Ouro

Nesse período, Gunnar Myrdal expandiu suas ideias com seu livro Beyond the Welfare State (Para Além do Estado de Bem-Estar Social, 1960), onde argumentou a favor da intervenção governamental ativa para reduzir a desigualdade. Suas ideias moldaram as políticas de bem-estar social-democratas da Suécia, incluindo cuidados de saúde universais, educação e tributação progressiva.

O Relatório Beveridge da Grã-Bretanha inspirou o desenvolvimento de modelos de bem-estar universais nos países nórdicos. Este foi o período do “Folkhemmet” (Lar do Povo) na Suécia, promovido pelo Primeiro-Ministro Per Albin Hansson, que retratou o Estado de bem-estar social como um projeto nacional.

Desenvolvimentos importantes:

  • Foram estabelecidos serviços de saúde universais na Suécia (1955), Noruega (1956) e Dinamarca (1961).
  • As políticas ativas de mercado de trabalho tornaram-se centrais, com Rudolf Meidner (1914–2005) e Gösta Rehn como arquitetos do “Modelo Rehn-Meidner” na Suécia. Este modelo focou-se na solidariedade salarial e em programas de requalificação. Meidner também desenhou a política salarial solidária da Suécia e o Plano Meidner na década de 1970 para fundos controlados pelos trabalhadores, o que fortaleceu os sindicatos e reduziu a desigualdade de rendimentos.
  • Ocorreu uma expansão significativa dos benefícios, incluindo educação gratuita, licença parental e abono de família.

Os princípios fundamentais que estes economistas ajudaram a moldar tornaram-se claros: bem-estar universal (financiado por impostos, acesso igualitário), políticas ativas de mercado de trabalho (requalificação, solidariedade salarial), sindicatos fortes e negociação coletiva (modelo de Meidner), bem como tributação progressiva e redistribuição da riqueza (ênfase de Myrdal).

Desafios econômicos e reformas (décadas de 1980-2000)

As crises petrolíferas e a globalização nas décadas de 1970 e 1980 levaram a desafios económicos. Na década de 1980, os défices orçamentais levaram a debates sobre austeridade. A crise financeira da Suécia na década de 1990 resultou em cortes temporários nos benefícios sociais, que foram posteriormente restaurados.

O período também assistiu a ajustamentos neoliberais:

  • Privatização parcial nos sistemas de pensões (Suécia, 1998) e nos serviços de saúde (Dinamarca).
  • Apesar dos ajustamentos, continuou a dar-se ênfase à igualdade. As elevadas taxas de imposto foram em grande parte mantidas, mas com reformas para aumentar a eficiência.

O moderno Estado de bem-estar social escandinavo (século XXI)

O modelo atual é caracterizado por:

  • Serviços de saúde e educação universais (gratuitos ou altamente subsidiados).
  • Licença parental generosa (por exemplo, Suécia com 480 dias de licença remunerada).
  • Sindicatos fortes (com taxas de sindicalização de 70–90%).

Ao mesmo tempo, o modelo enfrenta desafios:

  • Integração de imigrantes.
  • Envelhecimento da população que exerce pressão sobre os sistemas de pensões.
  • Debate sobre o equilíbrio entre carga tributária e sustentabilidade.

Principais diferenças entre os países nórdicos

Embora os modelos tenham muitas semelhanças, também existem diferenças nacionais:

  • Dinamarca: modelo de “flexisegurança”, que combina flexibilidade nas contratações e despedimentos com fortes redes de segurança para os desempregados.
  • Noruega: o Fundo de Pensões Global do Governo (frequentemente chamado de fundo petrolífero) contribui significativamente para o financiamento das despesas de bem-estar social.
  • Finlândia: foco na educação e busca classificações elevadas nos testes internacionais PISA.

Uma análise

O sucesso do modelo de bem-estar social escandinavo pode ser atribuído a fatores como governação forte, elevada confiança social e um equilíbrio bem-sucedido entre a eficiência do mercado e o bem-estar social. Teve influência global e inspirou debates sobre temas como o rendimento básico universal (experiência da Finlândia em 2017) e o desenvolvimento de “Estados de bem-estar verdes”.

O futuro exigirá que o modelo se adapte a novos desafios como a automatização, as mudanças demográficas e as alterações climáticas. Ao contrário das abordagens marxistas ou neoliberais, o sistema nórdico, tal como teorizado por Myrdal e Meidner, combinou o capitalismo com o bem-estar estatal, provando que um elevado grau de igualdade e crescimento económico poderiam coexistir.

Críticas ao modelo escandinavo: o caso sueco

O modelo escandinavo não é o paraíso. Há externalidades exportadas para populações mais vulneráveis, assimetrias quanto às minorias (migrantes, rom ou kalé). O gênero noir nórdico explora os lados sórdidos da sociedade. Contudo, ainda há uma imagem romantizada do modelo escandinavo.

São várias críticas ao modelo escandinavo. Umas procuram reformar e apontar suas incoerências, outras buscam a desacreditar o modelo em sim. Três autores mais ou menos alinhados a essa última postura questionam a validade do sistema. Daniel Mitchell enfatiza que a Suécia só enriqueceu sob um Estado mínimo e que o estado de bem-estar social posterior freou seu crescimento, financiado por impostos regressivos que oneram os pobres; Mauricio Rojas argumenta que o excesso de burocracia, impostos altos e rigidez econômica tornam o sistema insustentável a longo prazo, corroendo a iniciativa privada; já Michael Booth destaca os custos sociais ocultos do “paraíso escandinavo”, como conformismo cultural, alienação e dependência estatal, questionando a narrativa de perfeição frequentemente atribuída à região. Juntos, apontam para uma contradição central: o sucesso inicial dos países nórdicos veio do livre mercado, mas sua expansão estatal gerou ineficiências, perda de dinamismo e trade-offs entre igualdade e liberdade econômica — um alerta contra a idealização acrítica do modelo.

As críticas de Daniel Mitchell, Mauricio Rojas e Michael Booth, apresentam os limites do modelo nórdico, mas pecam por simplificar uma realidade complexa. Embora seja verdade que a Suécia enriqueceu sob um Estado pequeno e que o estado de bem-estar social trouxe desafios econômicos, ignorar o contexto histórico e as reformas posteriores leva a conclusões equivocadas.

O crescimento da economia acelerada entre 1930 e 1960 deveu-se, entre outras coisas, à neutralidade política durante a 2a Guerra. E o setor público já era grande, porém lembrando que no modelo escandinavo há diferença entre privado, público e estatal. Na esfera do público há fatores econômicos comuns ou allemannsretten, bem representado por direitos tradicionais a recursos naturais, participação em associações voluntárias, esquemas de rede social de proteção nas igrejas estatais e livres, cooperativismo, sindicalismo, dentre outros. Esses setores não são contabilizados como “estatais”, porém não são interesses privados. E já eram grandes durante o boom sueco nos meados do século XX. Convenientemente, críticos “esquecem” de computá-los.

A desaceleração do crescimento sueco após os anos 1970 não foi causada apenas pelo estado de bem-estar social, mas também por choques globais, como a crise do petróleo. Sem contar com erros de política econômica e do mercado. Além disso, a Suécia soube se reinventar nos anos 1990, combinando mercados abertos com um Estado social eficiente, provando que é possível equilibrar prosperidade e proteção social.

Mauricio Rojas e Michael Booth acrescentam críticas válidas sobre burocracia, conformismo cultural e a pressão tributária. Entretanto, exageram ao pintar o modelo nórdico como um fracasso iminente. A Suécia continua sendo uma das economias mais inovadoras e competitivas do mundo, com altos níveis de igualdade e bem-estar. O fato de os sueco-americanos terem renda mais alta nos EUA não invalida o sucesso do modelo sueco, pois compara grupos diferentes: um país inteiro, com toda sua diversidade, versus uma elite de imigrantes autossselecionados. Além disso, a ausência de salário mínimo e a flexibilidade trabalhista na Suécia mostram que seu Estado de bem-estar social não é “socialista” no sentido tradicional, mas sim uma mistura pragmática de livre mercado e redes de proteção publicamente amparadas.

No fim, o debate não deveria ser “Estado grande versus Estado pequeno”, mas sim como construir um sistema que incentive produtividade sem abandonar a solidariedade social. A Suécia, apesar de seus problemas, ainda oferece lições valiosas: um Estado de bem-estar social só funciona com disciplina fiscal, mercados dinâmicos e constante adaptação. Se críticos ajudam a expor os problemas do modelo, também deveriam reconhecer que o verdadeiro “milagre nórdico” não foi o estado de bem-estar social em si, mas a capacidade de reformá-lo sem cair em extremos ideológicos. O desafio para outros países, como o Brasil, é aprender com esses acertos e erros, em vez de copiar ou rejeitar cegamente o exemplo sueco.

SAIBA MAIS

Booth, Michael. The Almost Nearly Perfect People: The Truth About the Nordic Miracle. Jonathan Cape, 2014.

Esping-Andersen, Gøsta. The Three Worlds of Welfare Capitalism. 1990.

Meidner, Rudolf. Employee Investment Funds: An Approach to Collective Capital Formation. 1978.

Mitchell, Daniel. “Cinco fatos sobre a Suécia que os social-democratas não gostam de comentar.” Instituto Liberal, 27 out. 2016.

Myrdal, Alva, e Gunnar Myrdal. Kris i befolkningsfrågan (Crise na Questão Populacional). 1934.

Myrdal, Gunnar. Beyond the Welfare State (Para Além do Estado de Bem-Estar Social). Yale UP, 1960.

Rojas, Mauricio. Beyond the Welfare State: Sweden and the Quest for a Post-Industrial Welfare Model. Timbro, 2001.

Rothstein, Bo. The Social Democratic State: The Swedish Model and the Bureaucratic Problem of Social Reforms. 1996.

Wicksell, Knut. Lectures on Political Economy. 1901.

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