O Manuscrito 512 e a cidade perdida no Brasil

Um misterioso manuscrito há tempos esquecido é descoberto e provoca a curiosidade dos membros de uma sociedade letrada. Um dos eruditos parte em uma expedição tentar localizar nas remotas selvas tropicais a cidade perdida de uma civilização ignorada descrita pelo manuscrito.

Parece o enredo de uma estória de aventura em um mundo perdido. E com justiça, o manuscrito inspirou muitas obras de ficção. A realidade, porém, continua um enigma ainda fascinante.

Tanto a cidade perdida da qual o Manuscrito 512 menciona, quanto a recepção dessa ideia constituem um dos capítulos mais curiosos e frutíferos da história cultural brasileira. E o mistério alimentou desde quadrinhos, romances populares até filmes e jogos. Todo um trope literário originou-se desse manuscrito. Mas a inspiração também levou à exaustivas expedições, das quais uma celebremente se tornou ela própria um mistério.

Segue o Manuscrito 512, seu contexto e a história de sua recepção, conforme a grafia original.

manuscrito 512


Relação historica de huma oculta, e grande Povoação, antiguissima sem moradores, que se descubrio no anno de 1753.

Em a America […]
nos interiores […]
contiguo aos […]
Mestre de campo […]
e sua comitiva,

Havendo dez annos de que viajava pelos certões, a vêr se descubria as decantadas minas de Prata do grande descubridor Moribeca, que por culpa de hum Governador se não fizerão patentes, pois queria lhe uzurpar-lhe esta gloria e o teve prezo na Bahia até morrer, e fiarão por descubrir: Veio esta noticia ao Rio de Janeiro em principio do anno de 1754.

Depois de huma longa, e inoportuna perigrinação, incitados da incaciavel cobiça de ouro, e quazi perdidos em muitos annos por este vastissimo certão, descubrimos huma cordilheira de montes tão elevados, que parecia chegavão a Região etheria, e que servirão de throno ao vento as mesmas estrellas; o luzimento que de Longe se admirava, principalmente quando o Sol fazia impressão ao Cristal de que era composta e formando huma vista tão grande e agradavel, que ninguem daquelles reflexos podia afastar os olhos: entrou a chover antes de entrarmos a registrar esta christallina maravilha e viamos sobre a pedra escalvada correr as agoas precipitando-se dos altos rochedos, parecendo-nos como a neve, ferida dos raios do sol, pelas admiraveis vistas daquelle chris […] uina se reduziria […] das aguas e tranquilidade do tempo nos resolvemos a investigar aquelle admiravel prodigio da natureza, chegando nos no pé dos Montes, sem embaraço algu de Matos, ou Rios, que nos difficultasse o trânsito, porem, circulando as Montanhas, não achamos pasio franco para executar-mos a rezolução de accommeter-mos estes Alpes e Pyrineos Brasílicos, rezultando-nos deste desengano huma inexplicavel tristeza.

Abarracados nós, e com o dezignio de retrocedermos no dia seguinte, sucedeo correr hum negro, andando à lenha, a hum veado branco, que vio, e descobrir por este acazo o caminho entre duas serras, que parecião cortadas por artificio, e não pela Natureza: com o alvoroço desta novidade principiamos a subir, achando muita pedra solta, e amontoada por onde julgamos ser calçada desfeita com a continuação do tempo.

Gastamos boas tres horas na subida, porém suave pelos christaes que admiravamos, e no cume do Monte, fizemos alto, do qual estendendo a vista, vimos em hum Campo razo maiores demonstracoes para a nossa admiração.

Divisamos cousa de legoa, e meia huma Povoação grande, persuadindo-nos pelo dilatado da figura ser alguma cidade da Corte do Brazil: descemos logo ao Valle com cautela […] lferia em semelhante cazo, mandando explorar […]gar a qualidade, e […]se bem que repararam […] Fuminés, sendo este, hum dos signaes evidentes das povoações.

Estivemos dois dias esperando aos exploradores para o fim que muito desejavamos, e só ouviamos cantar gallos para ajuizar que havia alli povoadores, até que chegarão os nossos desenganados de que não havia moradores, ficando todos confuzos: Resolveo-se depois hum índio da nossa commitiva a entrar a todo risco, e com precaução, mas tornando assombrado, afirmou não achar, nem descobrir rastro de pessoa algua: este cazo nos fez confundir de sorte, que não o acreditamos pelo que viamos de domecilios, e assim se arranjarão todos os exploradores a ir seguindo os passos do índio.

Vierão, confirmando o referido depoimento de não haver povo, e assim nos determinamos todos a entrar com armas por esta povoação, em huma madrugada, sem haver quem nos sahisse ao encontro a impedir os passos, e não achamos outro caminho senão o unico que tem a grande povoação, cuja entrada he por tres arcos de grande altura, o do meio he maior, e os dois dos lados são mais pequenos: sobre o grande, e principal devizamos Letras, que se não poderão copiar pela grande altura Faz huma rua da largura dos três arcos, com cazas de sobrados de huma, e outra parte, com as fronteiras de pedra lavrada, e já denegrida.

So […]. inscripções, abertas todas […] ortas são baxas defei[…] nas, notando que pela regularidade, e semetria em que estão feitas, parece huma só propriedade de cazas, sendo em realidade muitas, e alguas com seus terraços descubertos, e sem telha, porque os tetos são de ladrilho requeimado huns, e de lajes outros. Corremos com bastante pavor alguas cazas, e em nenhuma achamos vestígios de alfaias, nem móveis, que pudéssemos pelo uso, e trato, conhecer a qualidade dos naturaes: as cazas são todas escuras no interior, e apenas tem huma escaça luz, e como são abóbodas, ressoavam os ecos dos que falavão, e as mesmas vozes atemorizavão.

Passada, e vista a rua de bom cumprimento, demos em huma Praça regular, e no meio della huma collumna de pedra preta de grandeza extraordinária, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com huma mão na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte: em cada canto da dita Praça está huma Agulha a immitação das que usavão os Romanos, e mais algumas já maltratadas, e partidas, como feridas de alguns raios. Pelo lado direito desta Praça esta hum soberbo edifício, como casa principal de algu senhor da Terra, faz hum grande sallão na entrada e ainda com medo não corremos todas as casas, sendo tantas, e as retrat[…]zerão formar algu[…] mara achamos hum[…] massa de extraordinária[…]pessoas lhe custavão a levanta lla.

Os morcegos erão tantos, que investião as caras das gentes, e fazião uma tal bulha, que admirava: sobre o pórtico principal da rua está huma figura de meio relevo talhada da mesma pedra e despida da cintura para cima, coroada de louro: reprezenta pessoa de pouca idade, sem barba, com huma banda atraveçada, e hum fraldelim pela cintura: debaixo do escudo da tal figura tem alguns characteres já gastos com o tempo, divizão se, porém os seguintes:

Man 1

Da parte esquerda da dita Praça esta outro edifício totalmente arruinado, e pelos vestígios bem mostra que foi Templo, porque ainda conserva parte de seu magnífico frontespicio, e alguas naves de pedra inteira: ocupa grande territorio, e nas suas arruinadas paredes, se vem obras de primor com alguas figuras, e retratos embutidos na pedra com cruzes de vários feitios, corvos, e outras miudezas que carecem de largo tempo para admira llas.

Segue-se a este edificio huma grande parte de Povoação toda arruinada e sepultada em grandes, e medonhas aberturas da terra, sem que em toda esta circunferencia se veja herva, arvore, ou planta produzida pela natureza, mas sim montões de pedra, humas toscas outras lavradas, pelo que entendemos ha as fronteiras de […] verção, porque ainda entre […] da de cadáveres, que […] e parte desta infeliz […] da, e desamparada, […] talves por algum terremoto.

Defronte da dita Praça corre hum caudalozo Rio, arrebatadamente largo, e espaçoso com alguas margens, que o fazem muito agradavel a vista, terá de largura onze, até doze braças, sem voltas concideraveis, limpas as margens de arvoredo, e troncos, que as inundações costumão trazer: sondamos a sua Altura, e achamos nas partes mais profundas quinze, até dezesseis braças. Daparte dalém tudo são campos muito viçosos, e com tanta variedade de flores, que parece entoar a Natureza, mais cuida-doza por estas partes, fazendo produzir os mais mimozos campos de Flora: admiramos tambem algumas lagôas todas cheias de arrôs: do qual nos aproveitamos e também dos innumeraveis ban-dos de patos que se crião na fertilidade destes campos, sem nos ser deficil cassallos sem chumbo mas sim as mãos.

Tres dias caminhamos Rio abaixo, e topamos huma catadupa de tanto estrondo pela força das agoas, e rezistencia no lugar, que julgamos não faria maior as boccas do decantado Nillo: depois deste salto espraia de sorte o Rio que parece o grande Oceano: He todo cheio de Peninsulas, cubertas de verde relva: com alguas arvores disperças, que fazem […] hum tiro com davel. Aqui achamos[…] a falta delle de noss[…] ta variedade de caça […] tros muitos animais criados sem cassadores que os corrão, e os persigão.

Daparte do oriente desta catadupa achamos varios subcavões, e medonhas covas, fazendo-se experiência de sua profundidade com muitas cordas; as quais por mais compridas que fossem, nunca podemos topar com o seu centro. Achamos também alguas pedras soltas, e na superfície da terra, cravadas de prata, como tiradas das minas, deixadas no tempo.

Entre estas furnas vimos huma coberta com huma grande lage, e com as seguintes figuras lavradas na mesma pedra, que insinuão grande mistério ao que parece […]

Man 2

Sobre o Portico do Templo vimos outras da forma seguinte dessignadas.

Man 3

Afastado da Povoação, tiro de canhão, está hum edificio, como caza de campo, de duzentos e sincoenta passos de frente; pelo qual se entra por hum grande portico, e se sobe, por huma escada de pedra de varias côres, dando-se logo em huma grande salla, e depois desta em quinze cazas pequenas todas com portas para a dita salla, e cada huma sobre si, e com sua bica de agoa […] qual agoa de ajunta […] mão no pateo externo […] columnatas em cir- […] dra quadrados por arteficio, suspensa com os seguintes caracteres: Depois destas admirações entramos pelas margens do Rio a fazer experiencia de descobrir ouro e sem trabalho achamos boa pinta na superficie da terra, prometendo nos muita grandeza, assim de ouro, como de prata: admiramo nos ser deixada esta Povoação dos que a habitavão, não tendo achado a nossa exacta diligencia por estes certões pessoa algua, que nos conte desta deploravel maravilha de quem fosse esta povoação, mostrando bem nas suas ruínas a figura, de grandeza que teria, e como seria populosa, e oppulenta nos séculos em que floreceu povoada; estando hoje habitada de andorinhas, Morcegos, Ratos e Rapozas que cebadas na muita creação de galinhas, e patos, se fazem maiores que hum cão perdigueiro. Os Ratos tem as pernas tão curtas, que saltão como pulgas, e não andão, nem correm como os de povoado.

Daqui deste lugar se apartou hum companheiro, o qual com outros mais, depois de nove dias de boa marcha avistarão a beira de huma grande enseada que faz hum Rio a huma canôa com duas pessoas brancas, e de cabellos pretos, e soltos, vestidos a Europea, e dando hum tiro como signal para sever […] para fugirem. Ter […] felpudos, e bravos, […] ga a elles se encrespão todos, e investem.

Hum nosso companheiro chamado João Antonio achou em as ruinas de huma caza hum dinheiro de ouro, figura esferica, maior que as nossas moedas de seis mil e quatrocentos: de huma parte com a imagem, ou figura de hum moço posto de joelhos, e da outra parte hum arco, huma coroa e huma setta, de cujo genero não duvidarmos se ache muito na dita povoação, ou cidade dissolada, por que se foi subversão por algu terremoto, não daria tempo o repente a por em recato o preciozo, mas he necessario hum braço muito forte, e poderozo para revolver aquele entulho calçado de tantos annos como mostra.

Estas noticias mando a v.m., deste certão da Bahia, e dos Rios Paráoaçu, Uná, assentando não darmos parte a pessoa algua, porque julgamos se despovoarão Villas, e Arraiais; mas eu a V.me. a dou das Minas que temos descuberto, lembrando do muito que lhe devo. Suposto que da nossa Companhia sahio já hum companheiro com pretexto differente, contudo peço-lhe a V.me. largue essas penúrias, e venha utilizar-se destas grandezas, usando da industrias de peitar esse indio, para se fazer perdido, e conduzir a V.me. para estes thesouros, etc […] Acharão nas entradas […] sobre lages.

Man 4


Cronologia do contexto e da recepção

1530 — Conquista do Império Inca e início da circulação da lenda do El Dorado.

1545 — Descoberta da montanha de prata de Potosi, na Bolívia.

1551—A bandeira de Sebastião Fernandes Tourinho explorou a região limítrofe entre o Espírito Santo e Bahia, onde uma lenda indígena dizia haver uma mboab (aldeia calçada ou aldeia de gente calçada). Tourinho teria encontrado algumas esmeraldas.

1574 — O governador-geral Luiz de Brito de Almeida envia a bandeira de Antonio Dias Adorno, acompanhado pelo sertanista Jorge Velho e o padre João Pereira para verificar a descoberta de Tourinho. Apesar do insucesso, essa bandeira teria encontrado as ruínas de uma aldeia calçada. A expedição seguiu até chegar às terras de Gabriel Soares de Souza na Bahia.

1551 — Sebastião Álvares e João Coelho de Souza (irmão de Gabriel) partem em busca das minas na direção da Chapada Diamantina, onde João Coelho morre.

1587 — O fazendeiro português Gabriel Soares de Souza (1540 –1591) escreveu o Tratado Descritivo do Brasil para convencer a coroa ibérica a conceder-lhe os direitos de exploração. Nessa obra (inédita até o século XIX), reporta a existência de uma serra que brilhava como cristal. Sem conseguir o convencimento real, morreria em busca da mina.

c.1590— Um dos índios da expedição de Soares de Souza conta a Belchior Dias Morêa (1557? –1622?), possível primo do falecido, sobre a tal mina. O explorador, neto do Caramuru e chamado de Muribeca (apelido que confunde com seu filho Robério), buscaria por oito anos as tais jazidas de prata.

1600 — Circula a lenda da Cidade dos Césares e sua montanha de prata, a qual seria localizada nos Andes austrais.

1601 — Belchior Dias Morêa teria encontrado jazidas de prata no interior da Bahia. Como Soares de Souza, teria viajado à Europa para convencer o governo a dar-lhe as terras das minas. A coroa espanhola, interessada em outras minas, recusou. De retorno ao Brasil, Dias Morea foi forçado pelos governadores da Bahia e de Minas Gerais a revelar a localização das minas, mas se manteve calado e foi preso por dois anos.

1655—O padre Antônio Pereira da Casa da Torre de Tatuapara instrui os irmãos João Lourenço e Manoel Calhelhas a encontrarem as minas de Belchior Dias Moreira, mas sem logro.

1675–1681 —Inicia a colonização das terras entre o rio Paraguaçu e o rio de Contas até a Serra do Sincorá e Chapada Diamantina, na Bahia.

1718—O moralista Nuno Marques Pereira (1652 –1728) termina seu O peregrino da América, relato (imaginário, talvez) de uma viagem pelos sertões da Bahia e Minas Gerais. Retrata o cotidiano sertanejo bem como o ideal de sujeição à coroa esperado pelos colonos. No entanto, não relata nada sobre uma cidade perdida nessa região.

1730 — O comissário real e governador provisório das Minas Gerais, Martinho de Mendonça de Pina e de Proença (1693 –1743) investiga as inscrições rupestres de São Tomé das Letras. O erudito Martinho de Mendonça, bibliotecário, poliglota e filólogo, membro da Real Academia de Lisboa, teria dado uma palestra sobre os megalitos portugueses (Discurso sobre a significação dos altares rudes e antiquissimos, 1733).

1738 —Início das escavações de Herculano.

1738 — Começam a circular cópias das inscrições rupestres de São Tomé das Letras. Um dos autores da reprodução, Mateus Saraiva, as identificam como caracteres romanos.

1748 — Início das escavações de Pompeia.

1752 — O capitão-do-campo, João da Silva Guimarães, morador da Vila do Carmo (Mariana), após se embrenhar pelas matas de Minas Gerais e Bahia em busca de esmeraldas e das minas de prata, reporta ter encontrado as ditas minas no Alto Sertão da Bahia. O governo colonial não desperta muito interesse pela tal descoberta, quando as amostras analisadas pela Casa da Moeda no Rio dão resultados negativos. Silva Guimarães volta ao sertão, sendo a última notícia dele de 1764. Essa expedição e um documento anônimo que a relata circulou sob o nome de um suposto bandeirante, Francisco Raposo, datada de 1753.

1773 — Descoberta das ruínas da cidade maia de Palenque, México.

1822 — Champollion comunica o deciframento dos hieróglifos egípcios.

1838 — Fundado no Rio o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) por aficcionados.

1839 — Descoberto na Livraria Pública da Corte, a atual Biblioteca Nacional, do MSS 512 pelo naturalista Manuel Ferreira Lagos (1816–1871) e entregue ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

1839 — O secretário do IHGB, cônego Januário Barbosa (1780–1846) publicou integralmente na Revista do IHGB (Vol 1. N2, 1839). Este epigrafista e entusiasta da teoria dos fenícios no Brasil escreveu um prefácio ao MSS 512 que recontou o fato de Robério Dias, o Muribeca, associando as lendárias minas e esse explorador ao manuscrito.

1839 — Em sessão de setembro do IHGB, o sócio Manuel Pontes aponta a existência no Espírito Santo de “antigas povoações e riquezas subterrâneas no deserto” e o geólogo Roque Schuch menciona que o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied teria encontrado “algumas ruínas de uma villa destruída na província do Espirito Santo.”

1840 — O IHGB recebe notícias de dois residentes da Bahia, o coronel Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva e Attaíde Moncorvo, relatando uma tradição que corria na província de uma cidade abandonada onde havia habitado índios e negros fugidos.

1840? — O fazendeiro Antonio Mariano Homem d’El-Rei escutou de um empregado caçador que tinha visto veados brancos e uma tapera sem gente em uma serra no rio das Contas.

1840 — O cônego Benigno José de Carvalho e Cunha (1789–1849) é enviado pelo IHGB em busca da cidade. O culto prelado, professor e poliglota, contava com o apoio do arcebispo da Bahia Romualdo Seixas e do governador da província.

1840? —Os símbolos do manuscrito são examinados por Rochus Schuch (1788-1844), um austríaco bibliotecário e diretor do Gabinete Mineralógico do Império Brasileiro, descartou a origem fenícia (teoria popular na época), mas especulou sua origem nórdica e relação com as inscrições rupestres da Pedra da Gávea.

1841— Primeira expedição do cônego Benigno Cunha. Considerando que o documento 512 fala de um afluente do rio Paraguaçu, parte para a Serra do Sincorá e bordas da Chapada Diamantina.

1841—  O historiador francês Pierre Victor Lerebours argumenta em seu Coup d’Oeil sur les Antiquités Skandinaves ou aperçu Général des diverses sortes de Monuments archéologiques de la Suède, du Danemark et de la Norvège que a cidade perdida era viking e que a estátua era do deus Thor. Mais tarde, o antiquário e historiador dinamarquês Carl Rafn reforçaria a teoria viking, especulando que os símbolos seriam runas.

1842-1846 — Segunda expedição do cônego Benigno José de Carvalho e Cunha. Na Chapada Diamantina escuta que os quilombolas da região tinham conhecimento e passeavam por construções e praças de um povoado abandonado. Escreve ao IHGB entusiasmado “eu me animo a afirmar a V. Ex. que a cidade está descoberta”. E pede mais recursos. Porém, já sem apoio do IHGB e das autoridades da Bahia, morre em pouco tempo, doente e desgastado pela expedição.

1844 —Início da exploração de diamantes na região da Chapada Diamantina.

1845 —A monografia Como se deve escrever a história do Brasil  do naturalista Karl Friedrich Philipp von Martius ganha um concurso do IHGB e é publicada, estabelecendo um programa e metodologia de pesquisa em função da busca por uma identidade nacional brasileira.

1858 — Descoberta de Angkor Vat no Camboja.

1865 — José de Alencar publica As minas de prata, ambientada nos sertões e tendo o Muribeca como personagem.

1865 — O diplomata francês Conde De la Hure (V. L. Barril Chabaud) produz uma síntese que liga o MSS e as inscrições “fenícias” às grandes civilizações das Américas.

1869 — Lady Isabel Burton, esposa de Sir Richard Francis Burton, traduz ao inglês e inclui em seu Explorations of the Highlands of Brazil o documento 512.

1870 — A partir dessa década, o Manuscrito 512 passa a ser consideravelmente não levado a sério por estudiosos, mas aumenta o fascínio por parte de pesquisadores alternativos.

1870 — O arqueólogo e naturalista Charles Frederick Hartt identifica as cerâmicas e indícios de sociedades complexas em Marajó e Santarém.

1870 — Publicada As minas do rei Salomão de Rider Haggard.

1871 — Descoberta para os europeus do Grande Zimbabwe.

1890 — O  historiador Capistrano de Abreu reavalia a narrativa (fantástica, por sinal) do Muribeca.

1907?1913? — O militar e médico irlandês, Daniel Robert O’Sullivan Beare (1865-1921), cônsul britânico na Bahia, diz ter visitado as ruínas de uma cidade no estado.

1910 — O escritor maçônico Albert Churchward publica o livro The Signs and Symbols of Primordial Man, no qual menciona a cidade perdida visitada por Beare.

1911— Machu Picchu é anunciada ao mundo como a cidade perdida dos incas.

1912— Publicado O mundo perdido de Arthur Conan Doyle.

c.1920 — O engenheiro francês Apollinaire Frot (fl.1920—1930?) faz excursões breves e diz ter encontrado as ruínas de uma cidade a oeste do Rio São Francisco, com colunatas e estrada pavimentada. Defende que egípcios estiveram na América do Sul, onde formaram um império da Bolívia à Bahia e se comunicavam com o velho mundo através de navegadores fenícios.

1921— Fundação da Eubiose, um movimento esotérico que em sua visão de mundo contém cidades místicas ocultas, as quais alguns expoentes creem estar no Brasil.

1925— Com apoio do governo federal brasileiro, os exploradores britânicos coronel Percy Fawcett, seu filho Jack e seu amigo Raleigh Rimmel partem para o Brasil central em busca da cidade desaparecida, a qual referiam como City of Z ou Cidade de Raposo. Desparecem.

1925—Gastão Cruls publica A Amazônia Misteriosa.

1933—O escritor inglês Evelyn Waugh visita a Guyana e Rorraima em busca da cidade perdida. Relata a busca em forma ficcional no romance A Handful of Dust, publicado no ano seguinte.

1947— Hugh McCarthy, um professor da Nova Zelândia, largou o emprego para vir ao Brasil encontrar a cidade perdida, mas desapareceu na selva.

1948 —Jerônymo Monteiro publica A cidade perdida.

1949 —Curt Nimuendajú identifica a cultura de Santarém, Tapajônica ou Tapajoara e Betty Meggers identifica as culturas Marajoara e Xinguana (Alto Xingu e Serra do Roncador) como sociedades que viviam ajuntamentos densos, verdadeiras cidades ou redes de aldeias na Amazônia pré-cabralina.

1950 — Pedro Calmon examina a historiografia da busca da cidade perdida em sua tese O segredo das minas de prata, atribuindo a autoria do MSS 512 ao bandeirante João da Silva Guimarães.

1952 — Brian Fawcett vem ao Brasil em busca do pai, do irmão e da cidade perdida. O escritor Antonio Callado o acompanha ao Xingu, onde os Calapalo contam que mataram uns estrangeiros anos antes. Teriam ainda sobrevoado a Bahia, principalmente a região da Vila de Santo Inácio, no município de Gentio do Ouro. No ano seguinte, Brian publica Exploration Fawcett, com ilustrações, notas e documentos suas e de seu pai.

1970 — Influenciado pela Eubiose, o esotérico Udo Oscar Luckner funda uma ordem mística na Serra do Roncador, região em que teria acesso a cidade mística secreta e onde Fawcett teria desaparecido.

1970-1990 — O aventureiro alemão Tatunca Nara (nascido Hans Günther Hauck) guia vários turistas interessados em encontrar pirâmides perdidas e uma suposta cidade desaparecida na Amazônia, Akakor. Quem desapareceram foram alguns de seus turistas.

1984 — Os pesquisadores Gabriele D’Annuzio Baraldi, Aurélio M. G. De Abreu e Luís G. Moreira Júnior afirmam terem descoberto um conjunto de rochas que chamam de “cidade perdida de Ingrejil” região da Serra das Almas, em Livramento de Nossa Senhora, na Chapada Diamantina.

1990? — O geólogo Luiz Caldas Tibiriçá e o jornalista Renato Luís Bandeira identificam no município de Andaraí, na Chapada Diamantina, a localização potencial da cidade perdida. Igatu, um povoado quase fantasma após o declínio da mineração, ironicamente se torna ruínas da civilização.

2000 — Johnni Langer defende em seu doutorado que o Manuscrito 512 foi recebido como verdadeiro porque foi uma época de descobertas arqueológicas no mundo europeu e o relato, tipicamente quinhentista, afastava-se das lendas do Eldorado, sem contar a ânsia para firmar a historiografia nacional.

2003 — O time composto por Michael Heckenberger, Afukaka Kuikuro, Urissapá Tabata Kuikuro, J. Christian Russell, Morgan Schmidt, Carlos Fausto e Bruna Franchetto anunciaram a identificação da cidade de Kuhikugu na região do Xingu.

SAIBA MAIS

ANÔNIMO. Relação histórica de uma occulta, e grande povoação antiqüíssima sem moradores, que se descobriu no anno de 1753. Bahia/Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, documento n. 512.1754. Nove páginas não numeradas.

CUNHA, Benigno José de Carvalho e. “Carta do Cônego Benigno acerca da cidade abandonada’. Revista do IHGB t. 6, p. 318-321, 1844. CUNHA, Benigno José de Carvalho e. “Correspondência: Offico do Sr. Cônego Benigno ao Exm. presidente da Bahia, o Sr. tenente general Andréa, sobre a cidade abandonada que há três annos procura no sertão d’essa província”. Revista do IHGB, t.7, p. 102-105, 1845

CUNHA. Benigno José de Carvalho e. “Memória sobre a situação da antiga cidade abandonada, que se diz descoberta nos sertões do Brasil por certos aventureiros em 1753”. Revista do IHGB t. 3, p. 197-204, 1841

LANGER, Johnni. A Cidade Perdida da Bahia: mito e arqueologia no Brasil Império. Rev. bras. Hist., v. 22, n. 43, p. 126-152, 2002. https://doi.org/10.1590/S0102-01882002000100008.

LANGER, Johnni. Ruínas e mito: a arqueologia no Brasil império. Tese de doutorado em História. Curitiba: UFPR, 2000.


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