A busca por uma compreensão fundamental do significado, da mente e da linguagem tem sido uma das aspirações mais persistentes da filosofia. Como nossos pensamentos se conectam ao mundo? De que forma as palavras adquirem seu poder de comunicar? E se, em vez de recorrer a conceitos abstratos ou a intuições internas, pudéssemos encontrar as respostas para essas perguntas nas próprias leis da natureza, na história evolutiva que moldou a vida? Essa é a proposta de Ruth Garrett Millikan. Sua obra revolucionária choca as noções tradicionais sobre a mente e a linguagem para refundá-las em bases biológicas e evolutivas.
Teleossemântica: o significado como função biológica
A contribuição mais célebre de Millikan é a teleossemântica. Essa teoria explica as representações mentais – como crenças, desejos e o significado linguístico – em termos de suas funções biológicas. A ideia central é simultaneamente simples, mas provocante: o significado de um estado mental ou de um signo linguístico é determinado pelo seu propósito evolutivo, por aquilo para o qual foi “selecionado” ao longo da história natural.
Consideremos o “detector de moscas” neural de um sapo. De acordo com Millikan, esse detector significa “mosca” não por alguma qualidade intrínseca e inata, mas porque sua função biológica, refinada por eras de evolução, é a de detectar moscas. Mesmo que o sapo ocasionalmente confunda uma bolinha de chumbo com uma mosca, a função própria do detector permanece ligada ao seu sucesso evolutivo em identificar moscas reais. Essa abordagem contrasta fortemente com as teorias intencionalistas ou puramente causais do significado, que frequentemente lutam para ancorar a representação em algo além de estados mentais abstratos. Millikan, em vez disso, estabelece firmemente o significado nos mecanismos concretos da seleção natural.
Funções próprias e normas naturais
Centrais para a teleossemântica são os conceitos de funções próprias e normas naturais. Uma função própria refere-se àquilo que uma característica – seja um coração, uma palavra ou um estado mental específico – foi selecionada para fazer em sua história evolutiva. Por exemplo, a função própria de um coração é bombear sangue. Essa continua sendo sua função própria mesmo que um coração em particular seja defeituoso e não consiga realizar essa tarefa perfeitamente. O conceito nos permite entender o que algo deveria fazer, com base em sua história de design, e não apenas o que ele faz em um determinado momento.
Dessas funções próprias, Millikan deriva as normas naturais. São padrões de correção ou sucesso que emergem diretamente do êxito evolutivo. Podemos dizer, por exemplo, “Essa crença é falha porque não consegue rastrear a realidade como foi selecionada para fazer”. Essas normas não são ditames morais abstratos, mas sim critérios objetivos enraizados na eficácia biológica de um sistema.
A linguagem como fenômeno biológico
Ao contrário de linguistas que poderiam ver a linguagem como uma estrutura formal abstrata (como a gramática universal de Noam Chomsky), Millikan trata a linguagem como um sistema natural e evoluído. Palavras e estruturas gramaticais não são convenções arbitrárias; elas persistem porque possuem funções estabilizadoras, coordenando com sucesso o comportamento entre os falantes.
O significado linguístico, nessa visão, está intrinsecamente ligado à reprodução histórica. Uma palavra significa o que significa hoje por causa de como tem sido usada com sucesso e consistência no passado. Isso enfatiza os aspectos comunais, históricos e funcionais da linguagem, vendo-a como uma ferramenta biológica dinâmica, e não como um sistema lógico estático.
Uma abordagem anti-cartesiana da mente
O trabalho de Millikan também apresenta uma abordagem anti-cartesiana da mente. Rejeita a noção de intencionalidade intrínseca – a ideia de que o significado reside puramente “dentro da cabeça”, como uma propriedade de estados mentais individuais. Em vez disso, argumenta que o conteúdo mental é fundamentalmente determinado por como os mecanismos cognitivos evoluíram para interagir com o mundo.
Consideremos a dança de abanar de uma abelha. Esse movimento intrincado significa “localização de néctar” porque foi isso que ele evoluiu para comunicar a outras abelhas, permitindo a busca bem-sucedida de recursos. O significado não é derivado de alguma “representação” privada e interna dentro da abelha, mas da função bem-sucedida e evoluída da dança dentro do comportamento da colmeia. Essa perspectiva externalista desloca profundamente o local do significado de um reino interno e privado para um reino externo, público e biologicamente restrito.
Uma crítica à filosofia da linguagem
A teleossemântica de Millikan se opõe diretamente a muitas teorias tradicionais do significado. Critica as teorias de Frege-Russell que frequentemente tratam o significado como entidades abstratas ou platônicas, existindo independentemente da realidade concreta. Da mesma forma, ela critica as teorias behavioristas e puramente causais por sua falha em considerar o papel crucial da história evolutiva na formação de como os signos e símbolos adquirem seu significado. Sua alternativa é clara: o significado não é um conceito etéreo, mas está firmemente ancorado em funções do mundo real que foram moldadas e refinadas pela seleção natural.
A pensadora
A filósofa norteamericana Ruth Garrett Millikan (nascida em 1933) refletiu sobre a biologia, da linguagem e da mente. Sua obra mais famosa, a teoria teleossemântica da representação mental, propõe que o significado de um estado mental ou signo linguístico deriva de sua função biológica e propósito evolutivo.
Millikan estudou no Wellesley College e obteve seu PhD na Universidade de Yale. Sua abordagem naturalista à semântica e à mente revolucionou o campo, transcendendo as fronteiras entre a filosofia analítica, a biologia evolutiva e a ciência cognitiva. Lecionou por muitos anos na Universidade de Connecticut. Lá, sua pesquisa e suas publicações solidificaram sua reputação como filósofa.
O impacto de Millikan é perceptível: a teleossemântica é hoje uma das principais teorias na filosofia da mente, influenciando a epistemologia naturalizada e a ciência cognitiva. Embora sua teoria enfrente críticas – como a alegação de que a história evolutiva pode ser muito vaga para fixar significados precisos ou as dificuldades em explicar conceitos abstratos (como a matemática) em termos biológicos – e competindo com outras teorias (como o representacionalismo de Fodor, que contesta seu anti-cartesianismo), a contribuição de Millikan é inegável.
A filósofa oferece uma alternativa darwiniana às teorias tradicionais do significado, enraizando a representação no mundo físico e biológico, ao mesmo tempo em que evita o dualismo. Seu trabalho é essencial para debates contemporâneos sobre como os estados mentais se referem a coisas, se o significado é natural ou convencional, e como a cognição animal se compara ao pensamento humano. Millikan nos força a considerar o significado não como uma entidade estática e abstrata, mas como uma conquista biológica dinâmica e evoluída.
Principais Obras
Language, Thought, and Other Biological Categories (1984) – Introduz a teleossemântica.
White Queen Psychology and Other Essays for Alice (1993) – Desenvolve suas visões sobre a intencionalidade.
On Clear and Confused Ideas (2000) – Aplica a teleossemântica à epistemologia.
Beyond Concepts (2017) – Estende sua teoria ao pensamento não linguístico.


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