Martha Nussbaum: cultivar as artes liberais

As ideias de Martha Nussbaum sobre a educação liberal desempenham um papel crucial na formação de cidadãos críticos e engajados em sociedades democráticas e multiculturais. Em sua obra Cultivating Humanity: A Classical Defense of Reform in Liberal Education, publicada em 1997, Nussbaum argumenta que todos os estudantes devem ter a oportunidade de desenvolver capacidades intelectuais fundamentais que são essenciais para o funcionamento de uma sociedade democrática.

Essas capacidades incluem a habilidade de examinar criticamente os próprios preconceitos, a capacidade de se ver no outro e a consideração de si mesmo como um cidadão do mundo. Nussbaum baseia suas propostas em uma rica tradição filosófica, referindo-se a pensadores clássicos como Sócrates e Aristóteles, enquanto também incorpora investigações empíricas sobre como os cursos são projetados nas faculdades de artes liberais contemporâneas.

Ao enfatizar a importância do pensamento crítico e da auto-reflexão, Nussbaum resgata o conceito socrático de que uma vida não examinada não vale a pena ser vivida. Para ela, essa reflexão não é apenas útil, mas uma parte indispensável de uma vida significativa para qualquer pessoa e cidadão.

Um dos aspectos mais relevantes das ideias de Nussbaum é sua crítica ao relativismo pós-moderno, que considera uma ameaça à herança clássica e aos ideais iluministas. As teorias pós-modernas, associadas a pensadores como Derrida e Foucault, tendem a rejeitar qualquer forma de objetividade sem apresentar argumentos convincentes, o que pode levar a uma falta de compromisso com a verdade. Em contraste, Nussbaum defende um retorno aos valores da filosofia clássica, que promove um entendimento mais profundo da condição humana e da cidadania.

Além disso, Nussbaum critica o que considera um chauvinismo normativo na proposta educacional conservadora representada por Allan Bloom e outros. Embora compartilhe com Bloom a valorização da filosofia clássica, ela se opõe à sua visão restritiva do currículo educacional. Para Nussbaum, o mundo literário é muito mais rico do que o representado pela esfera cultural europeia e norte-americana; portanto, o currículo deve ser ampliado para incluir outras perspectivas e tradições.

A noção de cultivar a humanidade é central na defesa da educação liberal por Nussbaum. Ela argumenta que a educação deve ser um processo que liberta a mente das amarras dos hábitos e costumes, formando indivíduos capazes de atuar com sensibilidade e consciência como cidadãos globais. Essa abordagem não apenas enriquece o aprendizado individual, mas também contribui para uma sociedade mais coesa e empática.

A importância das artes liberais reside na sua capacidade de promover uma educação que não apenas transmite conhecimento, mas também forma cidadãos conscientes e críticos. Ao enfatizar o desenvolvimento da imaginação narrativa — a capacidade empática de se colocar no lugar do outro — Nussbaum fornece ferramentas essenciais para enfrentar os desafios contemporâneos em um mundo cada vez mais interconectado.

Filosofia clássica e emoções humanas

Os primeiros trabalhos de Nussbaum concentraram-se na filosofia grega e romana antiga. Sua edição de De Motu Animalium (1978), de Aristóteles, é considerada uma contribuição importante ao estudo da filosofia aristotélica da mente e da natureza. Em obras como The Fragility of Goodness (1986) e The Therapy of Desire (1994), ela explora como a filosofia e a literatura podem iluminar aspectos fundamentais da vida humana, articulando sua visão sobre a natureza cognitiva das emoções com base na tradição estoica.

A partir dessas bases, Nussbaum desenvolveu uma análise abrangente das emoções humanas em livros como Upheavals of Thought (2001), From Disgust to Humanity (2010), Political Emotions (2013) e Anger and Forgiveness (2016). Nessas obras, ela argumenta que as emoções são cruciais para compreender a vida ética e política, defendendo que a construção de sociedades mais justas exige uma compreensão mais profunda das vulnerabilidades e aspirações humanas.

A abordagem das capacidades

Uma de suas contribuições mais notáveis é a formulação da “abordagem das capacidades”, um marco na conceitualização do bem-estar humano. Essa abordagem, desenvolvida em colaboração com o economista Amartya Sen, propõe que o desenvolvimento deve ser avaliado não apenas por indicadores econômicos, mas pela capacidade das pessoas de realizar plenamente seu potencial em áreas essenciais da vida.

Como mencionado, as três capacidades fundamentais que Nussbaum destaca são:

  • Examinar criticamente os próprios preconceitos.
  • Ver-se nos outros.
  • Considerar-se um cidadão do mundo.

A abordagem das capacidades tem ampla aplicação em políticas públicas, sendo usada para medir pobreza, exclusão social e desigualdade. Ela destaca a importância de garantir que todos os indivíduos tenham acesso a condições mínimas para uma vida digna, abordando questões como gênero, deficiência e justiça social.

O trabalho de Nussbaum abrange uma impressionante variedade de campos, incluindo filosofia feminista, direitos dos animais, estudos de cosmopolitismo e filosofia política. Em todos esses campos, ela combina análise filosófica rigorosa com preocupações práticas, demonstrando como a teoria pode informar e transformar a prática social.

Entre seus esforços mais significativos está o compromisso com os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, especialmente em contextos globais. Ela tem sido uma voz poderosa na defesa de reformas legais e políticas que promovam a autonomia das mulheres, enfrentando questões como violência de gênero, acesso à educação e saúde reprodutiva.

Reconhecimentos

Nascida em 1947, Nussbaum obteve seu PhD em Filologia Clássica pela Universidade de Harvard em 1975. Ao longo de sua carreira acadêmica, lecionou em instituições como Harvard, Brown e Oxford, e atualmente ocupa o cargo de Ernst Freund Distinguished Service Professor of Law and Ethics na Universidade de Chicago.

Por meio de mais de 20 livros e 500 artigos acadêmicos, Nussbaum une rigor argumentativo, sensibilidade às emoções humanas e atenção às interações sociais. Sempre traz ao lume as múltiplas formas de dependência e interdependência que caracterizam a condição humana. Seu trabalho transcende os limites das disciplinas acadêmicas, exercendo impacto significativo em áreas como direito, filosofia, literatura, estudos de gênero e direitos humanos. Nussbaum também se destaca como uma “filósofa pública”, comprometida em compartilhar os benefícios do conhecimento acadêmico com um público amplo e diverso, promovendo a razão e a compaixão no debate público.

Martha Nussbaum recebeu vários prêmios ao longo de sua carreira, incluindo o Prêmio Berggruen em Filosofia e Cultura (2018) e o Prêmio Kyoto em Artes e Filosofia (2016). Além disso, é doutora honoris causa por mais de 60 universidades ao redor do mundo e membro de diversas academias, como a Academia Britânica e a Academia Americana de Artes e Ciências.

Apesar das críticas que algumas de suas ideias enfrentam — especialmente por sua ênfase nas emoções em contextos políticos — Nussbaum permanece dedicada ao diálogo entre filosofia e prática social para a construção de um mundo mais justo e compassivo.

SAIBA MAIS

Nussbaum, Martha. Cultivating humanity: A classical defense of reform in liberal education. Harvard University, 1997.

Nussbaum, Martha. Not for Profit: Why Democracy Needs the Humanities. Princeton UP, 2012.

Nussbaum, Martha. ‘The Liberal Arts are Not Elitist.” The Chronicle of Higher
Education.
28 Feb. 2010. Web.
http://chronicle.com/article/The-Liberal-Arts-Are-Not/64355/

Nussbaum, Martha. “Liberal Education & Global Community.” Liberal Education. Winter 2004.
http://www.aacu.org/liberaleducation/le-wi04/le-wi04feature4.cfm

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