Quando mencionam as línguas e os povos latinos logo cita-se o italiano, o francês, o espanhol (ou castelhano, para ser neutro), o português e, sempre alguém lembra do primo distante, o romeno. Mas, outras línguas latinas existem, como o nacionalista catalão, que é a língua oficial de um país: Andorra, além de uso regional na Catalunha, Rossilhão (França) e partes da Sardenha (Itália). Um dialeto do rético, o romanche é uma das quatro línguas oficiais da Suíça. Deixando a romanidade ocidental de lado, os balcãs, apesar de eu acreditar que sempre foram uma colcha de retalhos etno-cultural, já foram um contínuo da romanidade. Hoje, restaram poucas ilhas culturais entre a Itália e Romênia que valem a pena ser lembrados.
Desde que o grande divórcio entre romanos do ocidente e os romanos do oriente (também chamados de bizantinos ou ainda romei) essa região onde a Dácia nunca foi propriamente conquistada, recebeu um influxo de todo tipo de povos. Por aquelas paragens vieram os alanos, hunos, búlgaros, godos e mais tarde eslavos, magiares, germanos e turcos, além da cultura grega e dos indígenas trácio-ilíricos (de quem os célebres albaneses parecem descender) sobreviverem.
A cultura latina se manteve forte em um lugar que poucos apostariam, ao norte do Danúbio. Em uma região onde a presença romana sequer completou um século ficaram os valacos, moldavos e bessarábios que insistiram na romanidade. Nessa área surgiu o daco-romeno ou valaco-romeno ou o romeno de hoje, oficial na Romênia, Moldávia e Vojvodina (Sérvia). Além dessa região, na antiga Ilíria e Macedônia povos romanizados mantiveram leis, costumes e línguas romanas. Todos esses esses latinos balcânicos receberam a designação geral de vlach, valáquios, vlasi, walach ou vlahi. (Caso tenha dúvida da origem latina do romeno, leia em voz alta: “cu carne de vacă nu mori de foame”.)
Não longe dali, a Panônia, território onde modernamente é a Hungria, Augusto conquistou e iniciou uma colonização romana que sobreviveu aos hunos e avars e floresceu entre os séculos VI e VIII d.C. como revela a cultura arqueológica de Keszthely (incidentalmente, um derivado latino do termo “castelo”). Infelizmente não há muita documentação dessa língua romance da Panônia, que seria contemporâneo à fase do romanço nas línguas latinas ocidentais. A assimilação com os magiares levou à extinção dessa língua e cultura. Somente alguns topônimos sobrevivem hoje ao redor do lago Balaton.
Outra língua da região que também não teve muita sorte foi o dálmata. Nas belas e límpidas costas do Adriático essa língua floresceu entre o século X e XV. Foi a língua oficial da República de Ragusa (hoje Dubrovnik, Croácia). É difícil classificar o dálmata. Talvez deva ser posto junto às línguas romance itálicas ou então agrupá-lo com as línguas latinas orientais. Mas em uma área disputada entre o expansionismo veneziano e otomano, foram eslavizados, levando um bom tempo para dar seu último suspiro. Seu último falante morreu em 1898, era Tuone Udaina (em italiano Antonio Udina), um barbeiro da ilha de Veglia (Krk na Croácia), Udaine, no momento que o linguista italiano Matteo Bartoli registrou a língua, estava surdo e sem dentes e fazia vinte anos que não falava mais o dálmata. E ainda por cima era sua segunda língua.
Todavia, ainda é possível que o dálmata tenha sobrevivido. Na península Ístria existem algumas vilas que falam uma língua peculiar. Chamada de bumbaro em Dignano (Vodjan) ou rovignese em Rovigno (Rovinj) (antes era falada em Bale sob o nome de Vallese, em Sissano de sissanese, em Fasana como fasanese, gallesanese em Gallesano). Outro linguista italiano, o notável Graziadio Ascoli, deu-lhe a apelação de istrioto. Ainda falada por cerca de 1000 pessoas como primeira língua, das quais quase todas falam croata, italiano ou esloveno, corre risco de extinguir-se em breve. Não há uma unanimidade se o istrioto é um dialeto do dálmata, uma língua latina independente ou ainda se é um dialeto de outra língua viva como istro-vêneto, italiano, friulano ou istro-romeno.
Vizinho aos istriotos há o istro-romeno, cuja similaridade com o romeno é grande, apesar da separação geográfica. Por razões políticas e ideológicas as origens dessa língua são motivos de debate. Não se sabe ao certo quando se formou ou quando os istro-romenos estabeleceram-se na região. A mais antiga menção deles remonta do século XIV.
Na região central da Bósnia, Sérvia e Croácia houve os morlach, um povo pastoralista semi-nômade, de língua vlach, que manteve uma identidade étnica distinta entre os século XI e XV. No censo de 1991 na Croácia, 22 pessoas se declararam morlachs, mas de língua eslava.
Outros grupos de vlachs próximos aos daco-romenos habitam hoje o leste da Sérvia e Vojvodina. Teve ainda uma comunidade vlach nos Cárpatos da Morávia, mas foram exterminados durante a Guerra dos Trinta Anos.
Enquanto os vlachs do norte como os daco-romenos dedicavam à agricultura de cereais e possuíam um intenso contato com germânicos, húngaros, italianos, eslavos de religião católica romana, no sul os vlachs geralmente mantiveram pastoralistas e receberam uma influência grega e sul-eslava, aderindo ao cristianismo ortodoxo.
Outras duas línguas também geograficamente separadas nos Balcãs é o aromúnio (ou macedo-romeno) e o megleno-romeno. Às vezes tratados como meros dialetos do romeno devido sua semelhança, entretanto, a história, comunicabilidade, gramática e léxico são bem distintos do daco-romeno.
Os aromúnios ( “a-romanos”) também chamados de vlach ou macedo-romenos orgulhosamente descendem de colonos e soldados romanos estabelecidos na Macedônia do século II e preservam costumes romanos esquecidos alhures, como o caloian, dança festiva da chuva. Possuíam uma economia pastoralista. Essa língua apresenta uma maior influência do grego do que das línguas eslavas, como no romeno. No século XIV constituíram um estado na Tessália, o qual chamavam de Grande Valáquia. Conquistaram um breve período de glória no século XVIII, com a capital Moscopole, até sua destruição pelos otomanos em 1788. E novamente teve uma breve independência entre 1941-1944 como Principado de Pindos (na verdade um estado fantoche dos fascistas italianos). Hoje há inúmeras vilas cuja língua primária é o aromúnio na República da Macedônia (onde goza um status semi-oficial), Grécia (onde é discriminado), Bulgária, Albânia e Romênia. Sua população é considerável, com números disputados entre 100.000 e 500.000 falantes, o que a faz ser o melhor candidato a sobrevivência entre seus irmãos.
No mesmo nicho dos aromúnios macedônios, no vale de Moglena, no centro da Macedônia Grega há seis vilas de cultura agrícola que ainda falam o megleno-romeno, distinto tanto do daco-romeno e do aromúnio. Hoje há entre 12.000 e 20.000 meglenitas, com cerca de 2.000 deles em Dobruja, Romênia.
Além dos vlachs, dálmatas, istriotos e panônios, deve ser mencionado a presença judaica nos Balcãs. Há a pequena comunidade judaica nativa da Grécia com centros em Ioannina no Épiro, Tessalônica, Corinto e Rhodes, cujo nome sugestivo de romaniotes, faz jus à lenda que eles descendem dos judeus romanos expulsos de Roma pelo imperador Cláudio ou dos que vieram diretamente da queda de Jerusalém depois de 70.DC. Seguem o talmud de Jerusalém, diferente dos outros judeus do mundo que seguem a versão babilônica. Não falam nenhuma língua latina, antes o grego como sua primeira língua, mas é peculiar seu dialeto helênico quase extinto, o yevânico. Todavia, essa comunidade parece ter raízes mais antigas, talvez da época da expansão persa e do helenismo promovido por Alexandre, o Grande. Mas os romaniotes desde o século XVI foram assimilados pela grande migração de judeus ibéricos, de rito sefardita, que criaram um grande centro em Tessalônica e cultivam a língua ladina ou djudezmo, uma língua ibérica similar ao castelhano, que expandiu para Saravejo, Belgrado, Sofia, Rhodes, Istambul e Izmir. Infelizmente, talvez meio milhão de ladinos orientais morreram ou foram deportados na Segunda Guerra Mundial.
Agora, é o momento de empregar a internet, educação e auto-estima para a oportunidade única dessa cultura milenar dos latinos orientais em subsistir ainda por um tempo, com toda sua riqueza.
Algumas amostras:
ROMENO
Tatăl nostru care eşti în ceruri,
sfiinţească-Se numele Tău.
Vie Împărăţia Ta.
Facă-se voia Ta, precum în cer, aşa şi pe pământ.
Pâinea noastră cea de toate zilele dă-ne-o nouă astăzi.
Şi ne iartă nouă păcatele noastre,
precum şii noi iertăm greşiţilor noştri.
Şi nu ne duce pe noi în ispită,
ci ne izbăveşte de cel rău.
AROMÚNIO
Tatãl Nostru
Tatã a nostru
care es’ti în t’eru,
s-aiseascã nuam a Ta,
s-vinã amiraliea a Ta,
s-facã vrerea a Ta,
as’i cumu în t’eru,
as’i s’i pisti locu.
Pânea a noastrã at’ea di tute dzâlele dã-nã o nau adzâ
s’i nã li iartã amãrtilili noastre
as’i cumu li iartãmu s’i noi unu a altui.
S’i nu nã du pri noi la cârtire,
ma nã aveagli di at’elu arãu.
Cã a Ta easte amiraliea s’i puterea
a Tatãlui s’i Hiliului s’i a Spiritului Sântu,
tora, totana s’i tu eta etelor.
Amin.
ISTRIOTO
Tuota nuester, che te sante intel sil:
sait santificuot el naun to.
Vigna el raigno to.
Sait fuot la voluntuot toa,
coisa in sil, coisa in tiara.
Duote costa dai el pun nuester cotidiun.
E remetiaj le nuestre debete,
coisa nojiltri remetiaime a i nuestri debetuar.
E naun ne menur in tentatiaun,
mui deliberiajne dal mal.
ISTRO-ROMENO
Ciace nostru carle şti ăn cer,
neca se lumele tev posvete,
neca vire cesaria te,
se fie vol’a te,
cum ăi an cer, şa şi pre pemint.
Păra nostre de saca zi de-ne-vo astez
şi ne scuze pecatele nostre
cum şi noi scuzein lu cel’i carl’i ne ofendescu.
Şi nu duce pre noi ăn napast ma ne zbave de cela revu. Amin
DÁLMATA
Tuota nuester, che te sante intel sil,
sait santificuot el naun to.
Vigna el raigno to.
Sait fuot la voluntuot toa, coisa in sil, coisa in tiara.
Duote costa dai el pun nuester cotidiun.
E remetiaj le nuestre debete,
coisa nojiltri remetiaime a i nuestri debetuar.
E naun ne menur in tentatiaun,
miu deleberiajne dal mal.