Por que amar?


Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,

amo-te simplesmente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira.

 Pablo Neruda

“Por que você me ama?”— a pergunta gelou-lhe os ossos: lá viria outra prolongada discussão de relacionamento. Rapidamente projetou alguns cenários:

(A) “Por que você é sexy”. Mas, o que fazer naqueles dias que estará com baixa-estima?
(B) “Por que você é inteligente e sem tempo ruim”. Eca! Que sentimento interesseiro 😡
(C) “Por sua grana”. Bem, esse assunto é tabu para acabar com qualquer relacionamento.
(D) “Sei lá”. Tasca-lhe um beijo. Resposta correta.

É engraçado que todas as tentativas de racionalizar o amor não são tão convincentes. Os adeptos de uma análise científica, amargosos, tentaram desconstruir o amor. A racionalização vai desde “ah, amor romântico é uma construção social que surgiu na Índia e foi para o ocidente com os trovadores…” até algo mais biológico como “é só um descontrole de endorfina com propósito de garantir a reprodução da espécie…”

Os gregos— que sabiamente o dividiam em eros, filos, storge e agape — foram pioneiros em esmiuçar a coisa. Aristóteles estava interessado na amizade da filia. Já para Platão, menos platônico, a amizade colorida era importante: o ideal seria fazer nascer a amizade do amor físico, o eros. O storge, o amor familiar, tão possessivo e patriarcal fundamentou o direito romano: nascimento, casamento, adoção, morte e sucessão. Por fim, Santo Agostinho (que não era grego, mas incorporou os conceitos), experimentou o eros até encontrar o agape (amor incondicional) em Deus.

Daí relembram os amores dos mitos (que por sinal, quase sempre azarados): Eros e Psiquê, Orfeu e Eurídice, Davi e Betseba, Tristão e Isolda, Lancelot e Guinevere, Paolo e Francesca, Píramo e Tisbe, Heloísa e Abelardo, que inspiram mas pouco ajudam a compreender esse sentimento facilmente confundível com paixão ou taquicardia. E mais, raramente retratam a Branca de Neve e o Príncipe lavando louças e trocando fraldas no “e foram felizes para sempre”.

Tentam restringir o campo para o domínio dos poetas. Fazem isso desde o Cântico de Amor para Shu-Sin dos mesopotâmicos até os sonetos de Camões. Mesmo assim, tentam sublimá-lo na poesia, ora tirando conotações sexuais de suas leituras (como fazem com os Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão, como se o amor fosse impuro), ora apelando para a carnalidade do Carmina Burana.

Tão absurdo que é, os místicos dele se ocupou, como as visões frenéticas de Santa Teresa d’Avila ou as razões que até a própria razão desconhece de Pascal. Mesmo os místicos tiveram dificuldades em verter em palavras tal sentimento. Sem palavras próprias, há quem tentou expressá-los com música, disso nasceram as belas peças de Beethoven e carinhosos chorinhos.

Os exibidos constroem Taj Mahals ou tatuam com ferro quente o nome de seu amor no braço, mas entre amor mal resolvido e amor não correspondido, o tema rendeu boas e péssimas histórias. As pieguices de Nicholas Sparks que o digam. Portanto, o poder da narrativa de reduzir o amor não produziu um discurso universalmente aceito.

Sem racionalização, até a manipulação de seus símbolos é trabalhosa. Que presente dar no dias dos namorados? Clichês comercialmente sancionados parecem seguros: jantar, flores, chocolates, ursinhos e joias.

Nesse ínterim, uma singela resposta do psicólogo Steve Pinker sobre a escolha de alguém por seu valor para a união amorosa pode elucidar um pouco a questão:

Uma resposta é, para começar, não aceite uma companhia que te queria por razões racionais. Procure alguém que esteja emocionalmente comprometido com você porque você é você. Se a emoção que move essa pessoa não é desencadeada por seu valor objetivo de união, essa emoção não vai ser alienada por alguém que vem junto com um valor de união maior que o seu. E deve haver sinais de que a emoção não é falsa, mostrando que o comportamento da pessoa está sob o controle das partes involuntárias do cérebro — os encarregados da frequência cardíaca, respiração, rubor da pele e assim por diante. Será que essa emoção soa familiar?

Por enquanto, viver simplesmente o amor, sem eira ou beira, pode parecer um refúgio anti-intelectual nas lacunas do saber; mas ao menos, é mais feliz e mais divertido assim viver.

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