Uma análise da Política Nacional de Participação Social (PNPS)

O que é?

No dia 23 de maio de 2014 a presidente Dilma emitiu o Decreto 8.243 consolidando a terminologia e diretrizes para uma política nacional de participação social. Em outras palavras, regulamenta como se deve ocorrer a participação de cidadãos em conselhos afetando a administração pública. Entretanto, corre no Congresso uma iniciativa de votar um decreto legislativo para conter o decreto presidencial, com apoio até mesmo de aliados da base governista.

Como é hoje?

A participação direta da sociedade em entidades públicas não é nova no Brasil. Herança do corporativismo à Mussolini, Vargas implementou o Conselho Nacional de Educação em 1931 e o Conselho Nacional de Saúde em 1937. Depois vieram outros com funções diversas.

Os propósitos desses conselhos variam. Muitos deles possuem caráter consultivo, mas uns definem políticas e outros criam normas. Cobrem temas como políticas para segmentos demográficos, trabalho, segurança pública, economia, previdência, saúde, educação, administração da justiça, drogas e igualdade social e étnica.

Vamos àlgumas ilustrações. O Conselho Nacional de Educação esclarece dúvidas quanto às normas vigentes da política de educação. Assim, de certa forma, o CNE tem poder de criar interpretações privilegiadas em suas resoluções. Já o Conselho Nacional de Justiça serve até mesmo como uma ouvidoria e corregedoria para fazer o judiciário trabalhar de maneira imparcial, célere e independente. A recente e memorável atuação da ministra Eliana Calmon no CNJ pôs esse conselho sob os holofotes.

Mesmo em entidades financeiras há a participação social, como ocorre no Conselho Nacional de Previdência Complementar que reúne ministros de estado, entidades fechadas de previdência complementar, patrocinadores e instituidores dos planos de benefícios, participantes e beneficiários.

O que diz o decreto?

O decreto em si não cria nenhum novo conselho, mas cria uma política para a participação social nos que serão criados.

Fundamental nessa política é o “reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia”.

Além de conselhos e comissões, os meios de participação previstos compreendem “mesa de diálogo; fórum interconselhos; audiência pública; consulta pública; e ambiente virtual de participação social”.

Essa política não prevê intervenções às entidades como o Conselho Monetário Nacional, Comitê de Política Monetária, ou nas diretorias de empresas públicas, como a Petrobrás ou Banco do Brasil. Entretanto, prevê que a administração direta e indireta devam “considerar as instâncias e os mecanismos de participação social” conforme o caso inerente ao órgão ou ente.

Quais os problemas com o decreto?

  • Governar por decreto: mais uma vez, uma mudança que causa impacto nacional não vem de baixo, mas sim do beneplácido daqueles no poder. Todavia, não há nada de inconstitucional de a presidente emitir um decreto que regula algo já existente no ordenamento jurídico.
  • Movimentos indefinidos: não estabelece critérios pelos quais movimentos teriam representatividade para participar do controle social. Em tese, até um coletivo anti-democrático ganharia legitimidade de participar da administração dessa mesma democracia.
  • Processo eletivo obscuro: o Decreto não ampliou a participação do cidadão comum não envolvido em movimentos institucionalizados. Nem menos o decreto prevê uma maior publicidade de quando ocorrem as eleições para esses conselhos ou de como devem ser esses processos eletivos.
  • Caráter populista: pouco antes das eleições, o decreto pode ser manipulado tanto pela oposição quanto pela situação. Em uma tempestade em copo d’água, dissemina-se o medo e ganha-se votos. Em um simulacro de democracia, vende-se a ilusão que “agora o povo vai realmente ocupar o poder” e ganha-se votos.

O que pode dar certo?

  • Desenvolver a democracia: o envolvimento popular aumentaria a consciência de participação no processo democrático.
  • Aumentar a Accountability: fazer que gestores se tornem mais transparentes e responsáveis pelos seus atos. Nada sobre nós sem nós.
  • Mudança de modelo organizacional: passar do esquema “casa-grande & senzala” para o stakeholder management, ou seja, acostumar os gestores a respeitarem as partes interessadas e desmantelar as relações hierárquicas entre o Estado e seus cidadãos.
  • Mudança de Valores: o homem cordial brasileiro evita conflitos considerando-os como perniciosos. Uma diretoria mais diversa seria saudável mesmo que com mais conflitos. É hora de admitir que escolhas implicam em deixar alguém descontente. É bom aprender com as crises, extraindo inovações de conflitos.

O que pode dar errado?

  • Desvirtuar a sociedade civil organizada: líderes de essas organizações passarem a influenciar decisões não para a grande sociedade, mas em causa própria.
  • Sovietização: A bem remota, mas plausível a possibilidade de surgir uma “ditadura do proletariado” ao invés de gerar uma governança transparente, democrática e comprometida com o bem comum. Vale ressaltar que a concepção de participação popular é bem diferente dos sovietes bolchevistas. Os comitês comunistas, principalmente pré-Stalin, eram uma forma de representação de classes e territórios. Os conselhos no Brasil são entes colaterais, ou seja, não administram diretamente ou têm a força política dos cargos eletivos.
  • Ineficiência: criação de empecilhos e morosidade por pessoas cujos alinhamentos políticos valham mais que capacidade técnica e contatos estratégicos.
  • Tráfico de influência: cargos em comissões e conselhos tornarem moeda política, bem como os votos de seus participantes.
  • Minar a participação popular: é paradoxal, mas possíveis entraves deixariam muita gente de fora, pois quem não está no clubinho dificilmente consegue entrar. Em consequência, pode acontecer como nas agências reguladoras. Essas foram feitas para proteger os usuários, mas na prática velam o mercado para uns felizardos membros de carteis da energia, dos transportes e das telecomunicações.
  • Simulacro de participação: controle não vem só de um faz-de-conta de participação das partes afetadas. Em terra onde se cria coisas no papel só para inglês ver, é hora de gastar o léxico anglo-saxão: rubber stamp — controle  e participação se tornarem só de fachada.
  • Melar a separação Estado e Religião: vários movimentos populares são confessionais. Não que movimentos religiosos, como as pastorais católicas não façam um bom trabalho, mas haver certos segmentos religiosos em detrimento de outros em cargos estratégicos não-eletivos ameaçaria a laicidade do Estado.

Quem tem a temer?

  • Os envolvidos com negócios obscuros com o Estado: a mamata pode ficar mais difícil aos que conseguem editais de licitação customizados, subsídios e financiamentos públicos absurdamente generosos, espertalhões que têm no Estado o único consumidor de seus produtos ou serviços inúteis, ineficientes e onerosos.
  • O estamento burocrático: esses mandões que consideram o Estado como um bem para uso próprio teriam de dividi-lo com a população.
  • Gestores incompetentes: ter mais gente (e barulhenta) para cobrar seus atos.
  • Partidos Políticos: ampliar a participação cidadã reflete também a nova forma de participação política além dos partidos políticos. Nem todo mundo se interessa pela política partidária. Todavia, o sistema atual impede à possibilidade de qualquer cidadão ser ativo no processo político. A  obrigatoriedade de filiação aos partidos para se candidatar a cargos eletivos afasta o direito de participação e representatividade de candidatos independentes.

O brasileiro está pronto para participar?

É hora de deixar paternalismos de lado.

Apesar das iniciativas de participação e controle social existentes, deve-se reconhecer que no país as decisões costumam vir de cima para baixo. A história é recorrente. Começou com os portugueses ocupando e dividindo a terra sem ligar para a população nativa, meia-dúzia terem feito a independência, uma só princesa levar crédito pela abolição da escravatura, uns milicos terem feito a república e as maiores mudanças sociais ter sido feita por um querido ditador.

Ainda hoje torcedores não apitam na direção de seus times, fiéis na cura material de suas igrejas, trabalhadores nas direções perpétuas de seus sindicatos ou do sistema S. Assim, continuam sem prestação de contas como acionistas minoritários não terem voz, estudantes e pais serem excluídos da gestão das escolas, e universitários, idem.

Onde não há controle e transparência, há oportunidade para a corrupção. O ideal seria engajar a população tanto na participação direta quanto na indireta, partidária ou não.

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