A peônia: conto do dia dos namorados

À minha noivinha e seu buquê de peônias. 

peonias

Isolada pela sua doença terminal e contagiosa, esperava seu fim acompanhada somente pela solidão. Já há alguns dias despedira de seus pais com a impressão que nunca mais os veria. Tão pouco vivera, tanto sofrera! Sentia que era o momento de admitir a derrota e deixar-se ir com dignidade.

Um rangido da janela se abrindo interrompeu seus desalentados pensamentos.

—Oi.

—O que faz aqui? Você pode se contaminar!

—Deixe disso! Talvez eu seja imune. Quando vai ter alta?

—Não sei. Tenho de esperar. Pode ser que reajo, mas já não me importo. O que tem aí?

—São peônias. Sabia que Peón, o deus dessa flor era um médico capaz de curar até mesmo os deuses?

—Como assim?

–Durante a guerra de Troia, o guerreiro mortal Diomedes feriu a Ares, o deus da guerra, com sua lança. Então Ares, ou o Marte dos romanos, refugiou-se no Olimpo, mas ninguém conseguiria curar um deus senão outro deus. E foi Péon quem o socorreu. É dele que vem o nome peônia.

—São lindas. Obrigada. Mas de qualquer forma devo durar menos que elas.

— Vou colocá-las sobre essa cômoda. Enquanto estiverem vivas, você vai melhorar.

—Sério?!

—Dou minha palavra. Promete que quando sair vai namorar comigo?

—Sei…

—Vou considerar isso como um sim. Beijos, vou antes que apareça alguém.

Dias após dias a dúzia de peônias continuou ali. Depois de algumas semanas, começaram a murchar. A condição dela piorou. Esteve às portas da morte. Secaram as peônias exceto uma.

Olhava aquela derradeira peônia rosada e branca apostando quem acabaria a vida primeiro. Com o tempo, cansou de esperar a morte. Pouco a pouco apresentou melhoras. A peônia continuava lá. Cheia de esperança, aceitou o desafio de viver.

Um dia recebeu uma boa notícia: teria alta. Sua mãe foi a primeira a vê-la. Estranhou aquele vaso com flores secas, todavia com uma delicadamente insistindo a viver.

—De onde vieram?

—Um amigo trouxe. São peônias, do deus da cura.

A mãe aproximou-se das folhas e das pétalas secas. Tirou o último botão vivo: a flor era cuidadosamente feita de seda.

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