Tão grande quanto a baleia (o trocadilho infame é inevitável), o grande romance americano é uma obra aberta para múltiplas reinterprações.

A narrativa
O narrador, Ishmael, chega a New Bedford. Ele encontra alojamento na Estalagem do Esguicho. Ishmael partilha o quarto com Queequeg, um nativo das Ilhas do Pacífico Sul com o corpo coberto por tatuagens. Queequeg transporta o seu arpão para todo o lado. Ishmael visita a Capela dos Baleeiros. O pastor, Father Mapple, profere um sermão sobre Jonas e a Baleia, exortando os ouvintes à negação do pecado e à defesa da verdade.
Ishmael e Queequeg estabelecem uma amizade. Viajam para Nantucket, em busca de trabalho num navio baleeiro. A caminho de Nantucket, um homem que ridicularizava Queequeg cai ao mar. Queequeg mergulha e salva o homem. Em Nantucket, Ishmael e Queequeg assinam contrato com o navio Pequod. O capitão do navio chama-se Ahab. Um homem de nome Elijah informa Ishmael e Queequeg que Ahab possui apenas uma perna; a outra foi perdida para uma baleia.
O Pequod zarpa no dia de Natal. A tripulação inclui Starbuck, o primeiro imediato; Stubb, o segundo imediato; Flask, o terceiro imediato; os arpoadores Queequeg, Tashtego (um indígena americano) e Daggoo (um africano); Fedallah, que se torna o arpoador pessoal de Ahab; e Pip, o grumete negro. Ahab reúne a tripulação. Ele anuncia o propósito da viagem: caçar a baleia branca conhecida como Moby Dick. Torna-se claro que Moby Dick é a baleia que arrancou a perna de Ahab.
Starbuck repreende Ahab pela sua intenção de vingança contra um animal que o atacou por instinto. Ahab responde que todos os objetos visíveis são máscaras de cartão. Atrás da máscara, reside um poder de raciocínio. A natureza da malícia e do poder de Moby Dick enfurece Ahab. Ele sente a necessidade de trespassar essa máscara. Um cálice de estanho com vinho circula entre a tripulação. Ahab faz os homens jurarem destruir Moby Dick.
O Pequod viaja pelo Atlântico Sul e pelo Oceano Índico. No percurso, a tripulação mata cachalotes e extrai o seu óleo. A tensão da perseguição a Moby Dick aumenta com a entrada do Pequod no Mar do Japão, área onde a baleia branca tem maior probabilidade de ser encontrada. O Pequod entra no Oceano Pacífico. Enfrenta um tufão. Após a tempestade, o Pequod encontra o Rachel, um navio baleeiro que avistara Moby Dick e perdera um bote com tripulantes, incluindo o filho do capitão. Ahab ignora o pedido do Rachel para auxiliar na busca pelo bote perdido.
O ritmo da caçada intensifica-se. Ahab avista Moby Dick. No primeiro dia, a baleia esmaga o bote de Ahab. Todos os baleeiros são resgatados. Moby Dick escapa. No segundo dia, os arpões de três botes atingem Moby Dick. O bote de Ahab é novamente virado. Todos os membros da tripulação são resgatados, exceto Fedallah. No terceiro dia, Ahab crava um arpão em Moby Dick. Dois botes em perigo recebem ordem para retornar ao Pequod. Moby Dick, enfurecida, investe a sua fronte contra o casco do Pequod, estilhaçando a sua proa. Ahab lança outro arpão em Moby Dick. A corda prende-se ao pescoço de Ahab e arrasta-o para as profundezas do mar. O Pequod afunda. O único sobrevivente é Ishmael, resgatado pelo Rachel.
Temas e aspectos literários
Herman Melville publicou Moby Dick em 1851. O título da primeira edição no Reino Unido foi The Whale. Nos Estados Unidos, a obra surgiu como Moby-Dick; or, The Whale. O romance explora a natureza da existência, a alienação do indivíduo e o confronto com o incompreensível.
O romance aborda a vingança e a obsessão. Explora o conflito entre o ser humano e a natureza. Questões de destino e livre arbítrio permeiam a narrativa. A religião e o existencialismo são evidentes. A obra também trata de raça e multiculturalismo. As tatuagens de Queequeg, inscritas por um profeta da sua ilha, representavam uma teoria completa do universo e um método para alcançar a verdade. Contudo, o próprio Queequeg não conseguia decifrar as marcações no seu corpo. A baleia branca representa o pavor espiritual e a sua influência na imaginação moral. Ahab utiliza esse pavor para inspirar a tripulação. A brancura da baleia sugere uma ausência, um vazio comparável à ausência de Deus ou à vastidão do universo não humano. Moby Dick também simboliza a natureza impenetrável do universo. Ahab identifica a baleia como o mal, uma consequência da perda da sua perna e da incapacidade de compreensão.
Melville combina narrativa com digressões filosóficas e informações enciclopédicas sobre a caça à baleia. Influências shakespearianas, como solilóquios e o herói trágico, são perceptíveis. O simbolismo é um elemento central: a baleia como uma força desconhecida, o mar como o caos da vida.
A recepção
A recepção inicial de Moby Dick foi, em grande medida, desfavorável. Críticos da época apontaram uma estrutura percebida como caótica, um simbolismo julgado excessivo ou um estilo irregular. Embora alguns reconhecessem a ambição da obra, o mercado editorial demonstrou pouco interesse. Consequentemente, as vendas foram modestas, totalizando aproximadamente 3.200 cópias durante a vida de Herman Melville. Os trabalhos subsequentes do autor também enfrentaram dificuldades, levando Melville a um período de obscuridade. Ele faleceu em 1891, com Moby Dick ainda distante do reconhecimento que obteria no futuro.
Contudo, o século XX marcou uma reviravolta na fortuna crítica do romance. A obra foi redescoberta por escritores modernistas, entre eles D.H. Lawrence, e por acadêmicos, que celebraram sua profundidade psicológica e sua forma experimental. Essa reavaliação impulsionou uma nova onda de interpretações. Leituras simbolistas passaram a enxergar Moby Dick como uma alegoria do mal, de Deus ou do inconsciente. Uma perspectiva existencialista concentrou-se na luta do Capitão Ahab contra a aparente ausência de significado no universo. Paralelamente, leituras de viés histórico e político identificaram no texto uma crítica à industrialização, ao imperialismo e à escravidão.
Com o passar do tempo, Moby Dick consolidou sua posição como um pilar da literatura dos Estados Unidos, exercendo influência sobre gerações de escritores, incluindo nomes como William Faulkner, Ernest Hemingway e Cormac McCarthy. O estudo acadêmico do romance também se diversificou. Abordagens psicanalíticas ofereceram interpretações da obsessão de Ahab sob as lentes freudianas ou junguianas. Estudos pós-coloniais, por sua vez, analisaram as complexas dinâmicas de raça, poder e exploração presentes no contexto da indústria baleeira retratada no livro. Mais recentemente, a ecocrítica passou a examinar a relação de exploração entre o ser humano e a natureza, um tema central na narrativa.
O impacto de Moby Dick transcendeu o meio literário, inspirando adaptações para o cinema, como a notável versão de John Huston em 1956, além de produções para o teatro, óperas, romances gráficos e inúmeras homenagens na ficção científica. A obra continua a suscitar debates contemporâneos, incluindo um reexame das suas dinâmicas raciais e de gênero, exemplificado pela figura de Queequeg. Adicionalmente, leituras com foco ambiental consideram a representação da caça à baleia no romance como um prenúncio da crise climática atual, demonstrando a contínua relevância de Moby Dick para as discussões do presente.
Moby Dick transformou-se de um fracasso de vendas para um texto fundamental da literatura. A sua complexidade permite reinterpretações contínuas através das épocas. Atualmente, a obra é reconhecida como um dos romances de maior estatura dos Estados Unidos, uma exploração da condição humana face a um universo que desafia a compreensão.

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