Ayn Rand: A Virtude do Egoísmo

Ayn Rand, nascida Alisa Zinovyevna Rosenbaum em São Petersburgo, em 1905, e mais tarde emigrada para os Estados Unidos, tornou-se uma figura proeminente e polarizadora através de seus romances, como “A Nascente” e “A Revolta de Atlas”, e de seus ensaios filosóficos. Em “A Virtude do Egoísmo”, publicado em 1964, Rand, com a colaboração de Nathaniel Brandon (que posteriormente se distanciaria criticamente do Objetivismo), apresenta uma condensação de suas opiniões políticas e éticas, defendendo fervorosamente o que ela denominou “egoísmo racional”. Sua obra, marcada por uma veemência dogmática e uma interpretação particular do libertarianismo americano, propõe uma revisão radical dos conceitos morais tradicionais, provocando tanto admiração fervorosa quanto crítica incisiva. Este ensaio explora os fundamentos da ética objetivista de Rand, suas implicações sociais e políticas, e as críticas que sua filosofia suscita.

No cerne da filosofia de Rand, conhecida como Objetivismo, está uma reavaliação audaciosa da moralidade, começando pela própria palavra “egoísmo”. Ela argumenta que, no uso popular, “egoísmo” é erroneamente sinonimizado com o mal – a imagem de um bruto que pisa sobre os outros para atingir seus fins. No entanto, seu significado exato, insiste Rand, é simplesmente “preocupação com os próprios interesses”. A questão de se essa preocupação é boa ou má caberia à ética responder. Para Rand, o altruísmo, que declara boa qualquer ação em benefício de outros e má qualquer ação em benefício próprio, é a raiz de uma “moralidade medonha” e de contradições históricas. A ética objetivista, em contraste, “orgulhosamente defende e sustenta o egoísmo racional”, sustentando que o ator deve ser sempre o beneficiário de sua ação e que o homem deve agir em seu próprio interesse racional. Este direito deriva de sua natureza como ser humano e não é uma licença para “fazer o que bem entender”.

A primeira questão para Rand não é qual código de valores o homem deve aceitar, mas se o homem precisa de valores e por quê. Citando seu herói fictício John Galt de “A Revolta de Atlas”, ela afirma que a alternativa fundamental no universo é “existência ou não existência”, pertinente apenas aos organismos vivos. É o conceito de “Vida” que torna possível o conceito de “Valor”. Um robô imortal e indestrutível não teria valores, pois nada teria a ganhar ou perder. Assim, a vida de um organismo é seu padrão de valor: o que promove sua vida é o bem, o que a ameaça é o mal. Para o ser humano, a razão é a faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos, sendo a principal ferramenta para a sobrevivência. A racionalidade, para Rand, é uma escolha volitiva – “a escolha de ser consciente ou não” é, metafisicamente, “a escolha de vida ou morte”.

A ética objetivista estabelece a “vida do homem qua homem” – ou seja, aquilo que é necessário para a sobrevivência do homem como ser racional – como o padrão de valor. Seus três valores cardeais são: Razão, Propósito e Autoestima, com suas três virtudes correspondentes: Racionalidade, Produtividade e Orgulho. A Racionalidade implica o compromisso com a plena consciência e a lógica como único juiz de valores. A Produtividade reconhece o trabalho produtivo como o processo que liberta o homem e lhe permite adaptar o ambiente a si mesmo, sendo o propósito central da vida de um homem racional. O Orgulho é o reconhecimento de que, assim como o homem deve produzir os valores físicos para sustentar sua vida, ele deve adquirir os valores de caráter que tornam sua vida digna de ser sustentada – tornando-se um ser de “alma auto-construída”. O princípio social básico é que cada ser humano é um fim em si mesmo, não devendo sacrificar-se aos outros nem sacrificar os outros a si. O amor e a amizade são vistos como valores pessoais e egoístas, respostas emocionais às virtudes de outrem, das quais se deriva um prazer pessoal.

As implicações dessa ética individualista estendem-se profundamente à esfera social e política. O princípio político fundamental do Objetivismo é que nenhum homem pode iniciar o uso de força física contra outros; a força só pode ser usada em retaliação. O único propósito moral de um governo é proteger os direitos do homem – seu direito à vida, à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade. Sem direitos de propriedade, argumenta Rand, nenhum outro direito é possível. Consequentemente, o único sistema político-econômico moralmente defensável é o capitalismo de laissez-faire puro, com uma separação total entre Estado e economia, análoga à separação entre Igreja e Estado. Qualquer forma de coletivismo, socialismo ou estado de bem-estar social é condenada. Projetos como o “Medicare” (sistema de saúde público americano para idosos) são vistos como imorais, pois implicam o sacrifício de alguns (os médicos, os contribuintes) em benefício de outros, o que Rand equipara ao roubo. A tributação, numa sociedade verdadeiramente livre, deveria ser voluntária, com métodos como loterias governamentais ou taxas sobre contratos segurados pelo governo.

Rand também aborda a noção de conflitos de interesse, postulando que “não existem conflitos de interesses entre homens racionais” numa sociedade livre, pois todos os benefícios devem ser produzidos e conquistados por mérito. Se dois homens competem pelo mesmo emprego, quem o obtém o merece por seus próprios méritos, e o outro não foi “sacrificado”. A ajuda a outros em emergências, como um naufrágio, é justificável com base na boa vontade geral e no respeito pelo valor da vida humana, desde que não envolva o auto-sacrifício. No entanto, isso não se estende a um dever de erradicar problemas crônicos como pobreza ou ignorância de outrem.

A filosofia de Rand exige uma postura moral intransigente. Ela rejeita o compromisso em questões fundamentais, afirmando que “em qualquer compromisso entre o bem e o mal, é apenas o mal que pode lucrar”. A moralidade é um código de “preto e branco”, e a noção de “cinzas morais” é vista como um prelúdio para o mal. É crucial, segundo Rand, nunca deixar de pronunciar julgamento moral, com base na realidade objetiva. O racismo é condenado como a “forma mais baixa e primitiva de coletivismo”, e o antídoto é o individualismo e o capitalismo de laissez-faire, onde apenas a habilidade produtiva individual importa. Ela também adverte contra o “Argumento da Intimidação”, uma tática que busca invalidar uma ideia apelando à dúvida moral do oponente (“Só os maus pensam assim”), e que deve ser combatida com certeza moral.

Apesar da veemência e da aparente precisão lógica, a obra de Rand não esteve isenta de críticas contundentes. Críticos, como mencionado na introdução ao resumo de suas ideias, acusam-na de “inventar coisas”, especialmente ao redefinir termos como “altruísmo” ou “egoísmo” para se adequarem à sua tese. Seu sistema, autodenominado “Objetivismo”, é frequentemente visto como profundamente subjetivo, onde o julgamento moral precede a razão, e suas ideias raramente se relacionam objetivamente com o mundo externo, muitas vezes citando suas próprias obras anteriores como autoridade. Argumenta-se que, ao criar suas próprias definições e espantalhos das posições adversárias, Rand facilita a aparente superioridade de seus argumentos, especialmente para leitores menos experientes em filosofia.

Em “A Virtude do Egoísmo”, Ayn Rand apresenta uma defesa apaixonada e radical do interesse próprio racional como o alicerce da moralidade e da liberdade individual. Sua filosofia desafia frontalmente séculos de tradição ética que enaltecem o altruísmo. Embora controversas e frequentemente criticadas por sua metodologia e conclusões, suas ideias continuam a exercer uma influência significativa, particularmente em certos círculos libertários e conservadores nos Estados Unidos, e oferecem um contraponto instigante às noções predominantes sobre ética e organização social. Compreender Rand é, em certa medida, compreender uma vertente importante do pensamento político e econômico contemporâneo.

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