O fator ignorado da ascensão econômica da classe C no Brasil.

Nas últimas décadas, o poder de compra da Classe C brasileira cresceu vertiginosamente. Novos produtos e serviços surgiram no mercado para atender a esse segmento. O comportamento econômico liberal da informalidade é um fator a ser seriamente considerado entre os motivos normalmente apontados para tal ascensão.
As razões típicas para essa mobilidade frequentemente incluem o Plano Real, o investimento governamental em programas sociais e o bom momento macroeconômico do país. Certamente, a estabilização da moeda e o controle inflacionário permitem a poupança e o investimento a médio e longo prazos. Da mesma forma, os investimentos em seguridade social e a criação de meios de ascensão, por meio de financiamentos como o PROUNI e o Minha Casa, Minha Vida, também aumentam a estabilidade socioeconômica de vários lares, além de promoverem a capacitação profissional para um mercado com carência que beira a fome de mão de obra qualificada. O aumento na exportação de commodities, a maior interação comercial entre as nações do Sul Global, aliada a uma estabilidade política que inspira confiança no investidor, contribuem para o boom brasileiro. Dessa forma, o país ganhou crédito.
Por mais que ainda tenhamos vários problemas estruturais – entenda-se problemas políticos, sociais e legais –, vejo com otimismo os coeficientes de Gini dos últimos anos, que indicam uma melhor distribuição de renda.
Os quase 70 milhões de brasileiros que vivem na Classe C estão se beneficiando. Viajam de avião em companhias low-cost para férias em resorts compradas a prestações, gastam dinheiro em produtos de luxo, pagam seguros de saúde, mas ainda enfrentam filas do SUS para tratamentos.
Vejo o setor de hospitalidade como uma amostra dessas mudanças. Restaurantes que antes eram negócios familiares, administrados por algum italiano ou gaúcho perdido, agora são profissionalizados, com chefs treinados. O mercadinho familiar perdeu espaço para supermercados de rede.
Todavia, ainda existe uma outra economia na periferia.
Ao redor das grandes cidades brasileiras, há bairros populares que anteriormente eram dormitórios ou bolsões de pobreza. Hoje, bancos abrem agências em suas avenidas, ao lado de lojas de eletrodomésticos, pastelarias e igrejas neopentecostais.
A periferia da Classe C distingue-se tanto da favela ou de outros bairros mais excluídos quanto dos bairros tradicionais da classe média e da classe alta. Tornou-se um mercado rentável: empresas encontram mão de obra semiqualificada a um menor custo e com menos tempo gasto no transporte de pessoal. A ausência de crédito criou uma economia na qual a circulação de dinheiro vivo garante um bom fluxo de caixa. As escolhas conservadoras dos produtos consumidos pela Classe C tornam o comércio previsível, sem excesso de estoques.
A informalidade, que reduz a tributação e os encargos empregatícios, prevalece em pequenos e micronegócios que, sem crédito, mas também sem dívidas, florescem nesses bairros.
Tipicamente, uma família de trabalhador assalariado com nível superior pagava uma escola particular de renome para o filho e gastava cinco anos mantendo-o no cursinho para entrar em uma universidade pública. A família de classe média batalhava para pagar as prestações do carro financiado e mantinha um bom apartamento central com aluguel elevado. Enquanto isso, a família da Classe C trabalhava informalmente, andava de carro velho, mas totalmente quitado, e morava em uma casa com os muros ainda sem reboco, mas praticamente paga. A família que enviava o filho para a escola pública viu-o ser aprovado, em seu primeiro vestibular, para uma faculdade particular. Agora, ele se formou.
Elementos de solidariedade orgânica ainda existem na Classe C da periferia e substituem o Estado, o crédito e a seguridade social.
A informalidade da economia nas periferias da Classe C abrigou um modelo liberal de laissez-faire, laissez-passer. Surge um dilema sobre como o Estado deve tratar essa economia. Regulamentar e incorporar essa economia periférica ao controle estatal talvez significasse matar a galinha dos ovos de ouro, mas também poderia ser um meio de garantir sustentabilidade e previdência. Por outro lado, o Estado poderia aceitar esse modelo e expandi-lo para outros setores.
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Desculpe os anglicismos, estava sem paciência para me filtrar.
