William Safran (nascido em 1930) é um dos principais teóricos sobre diásporas, etnicidade e nacionalismo. Suas contribuições ajudaram a moldar os estudos contemporâneos sobre pluralismo institucional, cidadania, imigração e identidade nacional. Sua definição do conceito de diáspora, ainda que contestado, permanece um referencial para compreender fenômenos transnacionais e comunidades dispersas.
Viveu o que ensinou
Safran nasceu em Dresden, Alemanha, de pais imigrantes romenos e poloneses. Durante sua juventude, viveu sob o regime nazista, enfrentando anos em guetos, campos de trabalho forçado e campos de concentração. Após a libertação, passou quatro meses em um campo de refugiados das Nações Unidas e migrou para os Estados Unidos em 1946. Lá, iniciou uma trajetória acadêmica que se entrelaça com sua experiência pessoal de deslocamento e reconstrução.
Estudou História e Relações Internacionais no City College de Nova York, serviu no exército americano e obteve seu doutorado em Direito Público e Governo pela Universidade Columbia em 1964. Aposentou-se como Professor Emérito de Ciência Política na Universidade do Colorado Boulder. Suas pesquisas e ensinamentos destacam a relação complexa entre identidade, território e pertencimento.
A interação entre experiência e pensamento
O conceito de diáspora de Safran parte de uma análise fenomenológica e empírica das comunidades dispersas, delineando características fundamentais que permitem diferenciar diásporas de outros tipos de grupos étnicos ou migrantes. Sua definição de diáspora enfatiza:
- Dispersão: As diásporas surgem a partir da dispersão de um grupo de um centro original para duas ou mais regiões periféricas.
- Memória coletiva: Mantêm uma visão ou mito compartilhado sobre a terra ancestral, incluindo sua localização, história e significados simbólicos.
- Relacionamento com a sociedade anfitriã: Enfrentam relações complexas, muitas vezes marcadas por alienação e isolamento parcial em relação ao país de acolhida.
- Ligação com a terra ancestral: Consideram a terra ancestral como o verdadeiro lar, nutrindo o desejo de retorno, real ou simbólico, caso as condições permitam.
- Sobrevivência como comunidade distinta: Adaptam-se ao contexto do país de acolhida enquanto preservam tradições culturais e religiosas.
- Transnacionalismo: Sustentam redes culturais, econômicas e políticas com o país de origem, transcendendo fronteiras nacionais.
Contribuições ao estudo das diásporas
O trabalho de Safran contribui para uma compreensão mais ampla das diásporas étnicas mundo globalizado. Ele articula a relação entre deslocamento geográfico e manutenção de identidades coletivas, um fenômeno que foi intensificado pelas tecnologias de comunicação e transporte. Até então, muito dos estudos da migração focava na travessia de fronteiras do Estado-nação, mas Steven Vertovec (1997) nota que a diáspora é caracterizada pela “desterritorialização” e pela formação de redes sociais, econômicas e políticas transnacionais que atravessam fronteiras nacionais. Safran propôs uma ferramenta analítica que evitava o territorialismo e o essencialismo nacional.
Para Safran, as diásporas são tanto repositórios de tradições culturais quanto agentes de inovação em seus contextos locais. As comunidades diaspóricas criam novas formas de identidade que mesclam herança ancestral e experiências na sociedade de acolhida.
Exemplos de Diásporas
Embora o trabalho de Safran fora enfocado na diáspora judaica, seu referencial pode ser aplicado a outros grupos, como os seguintes:
- A diáspora judaica é a mais arquetípica, com uma longa história de dispersão que remonta à Antiguidade. Ao longo dos séculos, os judeus se espalharam por diversas partes do mundo, levando consigo uma memória coletiva de seu exílio e uma conexão profunda com Israel. Esta memória é sustentada por um forte senso de identidade religiosa e cultural. Em relação às sociedades anfitriãs, os judeus passaram por períodos de integração, mas também enfrentaram momentos de exclusão, mantendo, em muitas circunstâncias, uma identidade distinta, embora com laços de solidariedade com seus países de passagens e contemporaneamente com o Estado de Israel.
- A diáspora armênia resulta uma dispersão significativa após o Genocídio Armênio de 1915-1917, evento que deixou uma cicatriz profunda na memória coletiva do povo armênio. As comunidades armênias espalhadas pelo mundo mantêm um forte vínculo com seu passado e continuam a lutar pelo reconhecimento e desenvolvimento de sua pátria ancestral. Embora bem estabelecidas em países como os Estados Unidos, França e Rússia, a relação com as sociedades anfitriãs tem sido complexa, com os armênios frequentemente navegando entre o desejo de preservar suas tradições e a necessidade de integração nas novas realidades culturais.
- A diáspora africana, em grande parte originada pela brutalidade do comércio transatlântico de escravizados e hodiernamente pelas travessias perigosas por mar e terra, resultou em uma dispersão massiva de africanos para as Américas, Ásia e Europa. Apesar da ruptura de muitos laços diretos com suas terras ancestrais, essa diáspora criou uma forte identidade pan-africana, unida pela memória compartilhada de sofrimento e resistência. A relação com as sociedades anfitriãs variou, mas muitas vezes envolveu desafios significativos de marginalização e exclusão. No entanto, as comunidades afrodescendentes têm desempenhado papéis importantes na formação cultural e política dos países em que se estabeleceram.
- A diáspora indiana se consolidou ao longo de várias ondas migratórias, particularmente durante o período colonial, com uma significativa dispersão de indianos para países como o Reino Unido, Caribe, Guianas, África Oriental e Estados Unidos. Essas comunidades têm mantido fortes laços culturais e econômicos com a Índia, sendo frequentemente caracterizadas por uma forte coesão religiosa e familiar. O sucesso econômico de muitos imigrantes indianos, especialmente nas áreas de comércio e tecnologia, tem sido um ponto de destaque, embora sempre haja um desejo profundo de preservar as tradições culturais e as conexões com a terra natal.
- A diáspora chinesa, com sua longa história de migração que remonta a séculos atrás, tem sido uma das mais notáveis no mundo. Comunidades chinesas estão espalhadas por toda a Ásia, Américas e Europa, e muitas delas continuam a manter uma forte ligação com suas raízes culturais, preservando tradições como a língua, festivais e práticas religiosas. A relação com as sociedades anfitriãs tem sido dinâmica, com os chineses frequentemente bem-sucedidos em negócios e economia, além de desempenharem papéis significativos no desenvolvimento social e político dos países onde residem.
- A diáspora irlandesa, impulsionada pela Grande Fome de 1845-1849 e por séculos de dificuldades políticas e econômicas, resultou em uma massiva migração para países como os Estados Unidos, Canadá e Austrália. A identidade irlandesa continua a ser forte entre os descendentes desses imigrantes, com uma ênfase na preservação da língua, música, literatura e outros aspectos culturais. Em relação às sociedades anfitriãs, os irlandeses se integraram bem, mas mantêm um vínculo emocional profundo com sua terra natal, alimentado por um orgulho cultural renovado.
- A diáspora grega é uma das mais antigas, com migrações acontecendo ao longo do Mediterrâneo e do Mar Negro desde a Antiguidade, sendo mais pronunciada nos tempos modernos com fluxos para os Estados Unidos, Austrália e Europa. Os gregos ao redor do mundo mantêm um forte senso de identidade cultural e religiosa, com a Igreja Ortodoxa desempenhando um papel central na preservação de sua história e valores. Embora bem integrados nas sociedades anfitriãs, muitos gregos ainda nutrem uma forte conexão com sua pátria, visitando e investindo no país regularmente.
- A diáspora gujarati tem suas raízes em movimentos migratórios ao longo dos séculos, particularmente em função do comércio e das oportunidades de trabalho. Os gujaratis se espalharam por diversas partes do mundo, incluindo a África Oriental, o Reino Unido e a América do Norte. Suas comunidades são conhecidas por uma forte rede de apoio familiar e empresarial, frequentemente associada ao sucesso econômico, especialmente no setor de comércio e finanças. Apesar de sua integração em diversas culturas, muitos gujaratis continuam a manter laços estreitos com suas regiões de origem na Índia, com um forte desejo de contribuir para o desenvolvimento de suas cidades e vilarejos ancestrais.
- A diáspora Hakka, um grupo subétnico da etnia Han, tem suas origens em migrações forçadas e oportunidades econômicas, espalhando-se principalmente pelo interior da China, Sudeste Asiático, América do Norte e outras regiões. Os Hakka preservam uma identidade única, com sua própria língua, culinária e tradições culturais distintas, que os diferenciam de outros grupos chineses. Apesar de sua dispersão, a solidariedade entre os membros dessa diáspora é forte, e muitos Hakka têm desempenhado papéis cruciais na economia e no desenvolvimento político das sociedades onde se estabeleceram, mantendo ao mesmo tempo vínculos com suas regiões de origem na China.
- A diáspora roma (cigana), com sua história de deslocamento forçado, é uma das mais antigas e complexas, com os roma vivendo em várias partes da Europa e além. A memória coletiva dos roma está profundamente enraizada na língua Romani e em suas tradições orais, e essa identidade tem sido moldada por séculos de marginalização e discriminação. A relação com as sociedades anfitriãs tem sido frequentemente marcada por exclusão e dificuldades em manter suas práticas culturais enquanto enfrentam pressões para se assimilar. A ideia de uma “terra natal” para os roma é fluida, pois muitos mantêm uma identidade mais ligada à sua experiência nômade e às comunidades em que vivem, ao invés de uma pátria fixa.
- A diáspora centroamericana resulta da intersecção de colonialismo, terremotos e furacões, ditaduras, guerras civis e movida pelas drogas. Compreende povos originários como maias e garifunas e reúne cidadãos guatemaltecos, hondurenhos, salvadorenhos e nicaraguenses. Os fluxos direcionam-se para os Estados Unidos, México, Costa Rica e Panamá. O anseio pelo retorno à terra ancestral convive com uma desilusão e desalento causados por políticas migratórias que barram os movimentos cíclicos e a permanência de forças centrífugas nas regiões de origens.
SAIBA MAIS
Safran, William. “Diasporas in modern societies: Myths of homeland and return.” Diaspora: A journal of transnational studies 1.1 (1991): 83-99. 10.1353/dsp.1991.0004
Safran, William. “Language, Ethnicity and Religion: A Complex and Persistent Linkage.” Nations and Nationalism 14, no. 1 (2008): 171-90.
Safran, William, Ajaya Sahoo, and Brij V. Lal. Transnational Migrations: The Indian Diaspora. Routledge India, 2013.
Safran, William. . Language, Ethnic Identity and the State. Edited by William Safran and J.A. Laponce. Illustrated, reprint edition. Routledge, 2014.
Vertovec, Steven. “Three Meanings of ‘Diaspora,’ Exemplified among South Asian Religions.” Diaspora: A Journal of Transnational Studies 6, no. 3 (Winter 1997): 277-99. https://doi.org/10.1353/dsp.1997.0010.


Mais um texto importante e bem escrito sobre um assunto que não se extingue
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