Marco Regulatório para Editoras Federais

As editoras universitárias atuam na vanguarda na disseminação dos frutos da pesquisa científica e da produção humanística. Publicam materiais relevantes, mas com pouco interesse para as editoras comerciais, servindo para despertar a atenção sobre inovações e atender a públicos dentro e fora das universidades. Ao contrário do livro publicado por editoras de vaidade, predatórias ou autopublicados, seus conteúdos passam por rigorosos filtros na forma de revisão por pares, revisão bibliográfica, verificação factual e seleção por um conselho editorial especializado. São também um oásis para o fomento da bibliodiversidade. Contudo, o setor enfrenta mundialmente vários desafios: baixo retorno financeiro, dilema entre Acesso Aberto e sustentabilidade editorial, limitações impostas por políticas externas ao setor e dificuldade de disseminar seus livros a um público amplo.

A situação complica quando as editoras universitárias também são integrantes da Administração Pública. O Direito Público não contempla as atividades sui generis das editoras de executar um produto editorial. Essas atividades incluem a avaliação científica, processo editorial dependendo de serviços especializados normalmente indisponíveis na instituição pública, gestão de direitos autorais e de terceiros (inclusive de dados pessoais), marketing e publicidade, vendas e promoção do livro e da leitura em diversos meios. Em razão disso, a consolidação de normas esparsas e o esclarecimento de vários institutos jurídicos e atividades editoriais são basilares para garantir a sobrevivência do livro universitário.

Trabalhando em uma editora universitária federal, esses incômodos motivaram várias respostas. A primeira: voltei aos bancos da graduação, desta vez em Direito, para pesquisar sobre o Direito Editorial (nota bene: é distinto de Direito Autoral). O resultado foi uma monografia, elogiada na época, mas esquecida em um canto do repositório institucional.

A proposta voltaria à tona. Depois de uma licença para fins particulares, que usufruí para cursar o doutorado, meu diretor na EDUFU encampou a ideia. Fiz um esboço para um marco regulatório que, minimamente, seria o ponto de partida jurídico para fortalecer a independência operacional e intelectual das editoras universitárias. Então, o diretor da EDUFU propôs a ideia outros atores, como a ABEU – Associação Brasileira de Editoras Universitárias – e circulou-a entre ambientes literários, acadêmicos e jurídicos.

Por fim, a proposta do Marco Regulatório foi encaminhada em setembro de 2023 à Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, pelo presidente da Associação Brasileira de Editoras Universitárias, Jézio Hernani Bomfim Gutierre. Adicionalmente, a proposta peticiona a liberação das vagas de profissionais da comunicação e editoração. As vagas são criadas por lei, mas a efetiva ocupação por concurso depende da aprovação do Executivo. Na última década, os cargos editoriais vagos por exoneração ou morte não foram repostos.

Um avanço do Marco Regulatório consiste em positivar uma definição legal para Direito Editorial:

Direito Editorial: o complexo de um microssistema jurídico compreendendo áreas como direitos intelectuais e autorais, contratos públicos, direito penal no que se refere à contrafação ou plágio, ética em pesquisa e comunicação social, direito administrativo, processual, comercial e fiscal, dentre outros, pertinentes à consecução das atividades editoriais no setor público.

Outros benefícios são esclarecer que o foco da editoração é o leitor, a classificação do autor como fornecedor especializado, a possibilidade de emissão de notas fiscais de vendas, remessas ou consignação, a possibilidade de reinvestir suas próprias receitas, bem como a liberdade de decisão investida em um conselho editorial independente da vontade de agentes políticos.

Há ainda desafios para o setor editorial. A precificação do livro é um deles. Imagine explicar o balanço contábil de um estoque de um milhar de livros cujo valor passa ser zero porque o título tornou-se obsoleto da noite para o dia. Além disso, uma política uniforme de preços faz frente à prática predatória de dumping feita por grandes plataformas monopolistas (a Amazon, cof, cof) que, a curto prazo, inviabiliza as livrarias, a médio, as editoras e, a longo prazo, os livros de uma qualidade acadêmica e editorial rigorosa.

A independência da pesquisa científica e a liberdade de inquirição e cátedra ganhariam com esse marco. Muitos livros técnicos, por vezes esgotados, hoje possuem limitada aplicação do conhecimento científico custeado pela sociedade em geral. Muitas soluções para nossos problemas existem, mas ninguém leu.

Os benefícios do Marco Regulatório atingiriam também o setor editorial e livreiro para além das instituições públicas. Uma interpretação uniforme das questões legais e contábeis do livro apoiaria a sustentabilidade do setor. Vemos várias livrarias grandes fecharem, mesmo com a crescente demanda pelo livro nas últimas décadas. Um setor editorial público federal forte fomentaria um saudável ecossistema de autores, profissionais, editoras, distribuidores, livreiros e promotores do livro. Em razão disso, o Marco Regulatório prevê sua aplicação onde couber fora da Administração Pública Federal. Por fim, o maior beneficiário seria o leitor.

Como em uma democracia as coisas só andam por manifestação dos interessados, em outubro de 2023, a Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU) lançou uma petição online para gerar discussão e influenciar os decisores políticos a concretizarem o Marco Editorial das Editoras Públicas.

Pedimos a quem se preocupa com o conhecimento científico e com a sensibilidade da produção humanística que apoie e assine tal petição, discuta o assunto e promova o livro acadêmico.

VEJA TAMBÉM

ALVES, Leonardo Marcondes. Direito Editorial: a editoração pública brasileira como um microssistema jurídico. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2019.

As editoras universitárias e o livro acadêmico

Proposta do Marco Regulatório para as Editoras Universitárias

Imagem, obviamente gerada por Inteligência Artificial. A editoração é um meio de garantir que as produções que afetam nossas vidas tenham um cuidadosa curadoria humana especializada. Isto garante que você não seja guiado por um algorítmo.

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