As editoras universitárias e o livro acadêmico

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As editoras universitárias surgiram para publicar manuscritos guardados em suas bibliotecas, disseminar a produção intelectual de suas instituições e produzir livros-textos para seus alunos.

A produção de livros técnicos, científicos e educacionais  nasceu quase que contemporaneamente à universidade como instituição. Antes, as escolas catedrais e monásticas utilizavam-se dos trabalhos dos monges copistas, mas com o surgimento das universidades como organizações separadas, demandou-se a produção de livros. Nasceram assim escritórios de librarius, copistas nas bibliotecas universitárias, e os stationarius, copistas particulares que alugavam ou copiavam partes de livros (pécias) para os estudantes além de vender cadernos e materiais de escrita. Respectivamente, seriam os antepassados das editoras universitárias e dos fotocopiadores e papelarias. Já em 1307 o rei Felipe, o Belo, isentou os librarii universitatis da França de pagar impostos, começando a treta entre as editoras e os recopiadores.

Com a invenção da imprensa com tipos móveis, as universidades começaram empregar o conhecimento dos filólogos renascentistas para fixar textos e reproduzir seus títulos mais procurados das bibliotecas. Em 1470 o reitor Johann Hynlin e o professor de retórica GUillaume Fichet da Universidade de Paris contrataram os tipógrafos alemães Ulrich Gering, Michel Freiburger e Martin Krants para atender suas necessidades editoriais. Instalados na margem esquerda do Sena, essa imprensa universitária publicaria no ano seguinte uma obra epistolar de Gasparin de Bergame. O sucesso e a posição privilegiada da imprensa na Sorbonne serviu como centro difusor dessa tecnologia. A mais antiga editora universitária em contínua operação é a Cambridge University Press (CUP), autorizada por Henrique VIII em 1534. Outra publicadora universitária inglesa, a Oxford University Press (OUP) começou a operar por volta de 1480, mas só no século XVII ganhou o estatuto de editora. Hoje a OUP possui receita maior que a CUP e todas as editoras universitárias norte-americanas juntas.

Nos Estados Unidos Daniel Coit Gilman, o primeiro reitor da Universidade John Hopkins, percebeu que além de ensino e pesquisa, a universidade deveria ter um canal institucional para comunicar sua produção acadêmica. Consequentemente, fundou a John Hopkins University Press em 1878. Na mesma linha de pensamento, William Rainey Harper, reitor da Universidade de Chicago criou sua editora universitária como uma das três divisões básicas da instituição em 1891. Inspiradas na University of Chicago Press, outras instituições fundaram suas próprias casas publicadoras. Nos Estados Unidos hoje a maioria das editoras com nomes vinculados às universidades operam em total autonomia, praticamente sob licenciamento dessas instituições.

No Brasil, já no século XIX a Imprensa Régia e outras tipografias produziam livros acadêmicos no Rio, São Paulo, Bahia e Pernambuco. Mas somente no final do século XX se firmariam as editoras universitárias no país. Sobre a origem e o desenvolvimento das editoras universitárias no Brasil, escreveu Amália Rocha:

No Brasil, o presidente João Batista Figueiredo, eleito em 1979, último governante militar, iniciava a abertura política, que culminou, em 1985, com a eleição de um presidente civil, Tancredo Neves, falecido antes da posse e substituído por seu vice, José Sarney. Era também o tempo da anistia aos políticos cassados. Muitas mudanças políticas e sociais permeavam o país.

Foi nesse contexto de uma nascente liberdade política, social e de expressão que muitas universidades brasileiras começaram a despertar para a necessidade de implantarem suas próprias editoras, a fim de divulgar em livros e periódicos a sua produção científica e intelectual. Antes desse período, as poucas iniciativas nesse sentido tinham surgido a partir da década de 1960, como a editora da Universidade de Brasília (1961) e a da USP (1962), que acabaram sendo posteriormente subordinadas ao poder ditatorial que vigorou no Brasil depois de 1964, tanto que de 1964 a 1970 não foi criada nenhuma editora universitária no país, “acompanhando o retraimento da inteligência brasileira”. A editora da Universidade Federal de Pernambuco é considerada a mais antiga do Brasil, muito embora o início de suas atividades em 1955 tenha sido como Imprensa Universitária da Universidade Federal do Recife, passando a ser editora em 1968.

O aumento da quantidade dessas instituições se deu na década de 1980, ao fim da qual o Brasil tinha 37 novas editoras universitárias. A principal explicação para esse interesse das universidades na atividade editorial é que houve incentivo financeiro do governo através do então Ministério de Educação e Cultura/MEC, com a criação do Programa de Estímulo à Editoração do Trabalho Intelectual nas Instituições de Ensino Superior/Proed, em 1981. Esse programa, vinculado à Secretaria de Ensino Superior/SeSu/MEC, durou até 1988. (ROCHA 2015, p.19)

Entretanto, o início das editoras universitárias foi dificultado por limitações de uma política pública mais ampla. Em consequência disso, ainda hoje a publicação acadêmica brasileira não possui uma capilaridade e acesso ao público leitor em geral. Raramente há obras dessas editoras em livrarias comerciais, com honrosa exceção os livros da Editora da Unesp. Jaime Pinsky, por anos dirigente da Editora da Unicamp e hoje editor da Contexto, aponta os motivos:

Sem linha editorial, sem compromisso com a universidade e com a comunidade, sem conselho editorial atuante para definir a política editorial e sem profissionalismo para executá-la, várias editoras acabaram caindo na tentação fácil de gastar sua verba publicando poemas de autoridades universitárias, plataformas políticas ou revistinhas provincianas. (PINSKY, 1986, p. 13-15).

Diferentemente do processo editorial de obras comerciais ou de ficção, as editoras universitárias submetem a uma avaliação específica para livros científicos, técnicos e acadêmicos. Essas obras passam por, no mínimo, uma dupla avaliação por pares. O manuscrito, com as identificações dos autores excluídas, são meticulosamente examinados e criticados por especialistas da área. Depois, a decisão por publicar ou não é feita por um conselho editorial interdisciplinar.

Em geral, as editoras universitárias existem para publicar obras de interesses acadêmicos que não teriam mercado ou apelo aos publicadores comerciais. Por exemplo, o livro Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Isaac Newton teria tudo para ser um fracasso: obscuro, mal escrito, longo; mas é um clássico e crucial para as ciências e engenharias modernas. Mas, qualquer livro didático inicial de física sumariza e expressa melhor que Newton suas ideias. Entretanto, alguém teve que assumir o ônus de publicar essa obra.

Nem por isso, as editoras universitárias devem ser insolventes. Várias editoras universitárias cresceram com sucesso. Apesar de várias limitações, no Brasil se destacam as editoras edUnesp, Editora da UFMG, Editora da UnB, Edusp e Edufu. Sendo boa parte das editoras universitárias brasileiras vinculadas às instituições públicas, são umas das raras entidades que conseguem gerar receitas para cumprir sua missão dentro das instituições de ensino. Assim mesmo, a publicação acadêmica provou ser um ramo lucrativo, pois boa parte dos grandes grupos editorais não universitários são voltados a esse ramo, como a Reed-Elsevier, Springer, Wiley-Blackwell, Taylor & Francis, Sage e Grupo GEN.

SAIBA MAIS

AAUP. The value of the university pressAAUP. The value of the university presses

ABEU – Associação Brasileiras das Editoras Universitárias. A principal entidade que congregam as editoras acadêmicas no país.

BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para reformulação da prática. 2 ed revista e ampliada. São Paulo: Edusp; Curitiba: Com Arte, 2015.

BUFREM, Leilah Santiago. (2009). Política editorial universitária por uma crítica à prática. Perspectivas em Ciência da Informação14(1), 23-36. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-99362009000100003

GUEDES, MARIA DO CARMO, & PEREIRA, MARIA ELIZA MAZZILLI. (2000). Editoras universitárias: uma contribuição à indústria ou à artesania cultural?. São Paulo em Perspectiva14(1), 78-84. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392000000100009

MARTINS FILHO, Plinio; ROLLEMBERG, Marcelo. Edusp: um projeto editorial. São Paulo: Imprensa Oficial, 2001.

PINSKY, Jaime. Rachaduras na Torre de Marfim. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE EDITORAS UNIVERSITÁRIAS, 3., 1986, Campinas. Anais… Campinas: Ed. da Unicamp, 1986. p. 83-86.

ROCHA, Maria Amália. A contribuição à educação para além da publicação de textos: perspectiva histórica do trabalho da editora da Universidade Federal de Uberlândia. 2014. 197 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2014.

SOARES, Denise Ribeiro. Editora UFMG: Avaliação de sua trajetória. Mestrado Profissional em Administração. Fundação Cultural Dr. Pedro Leopoldo, Pedro Leopoldo, 2016.

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4 comentários em “As editoras universitárias e o livro acadêmico

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  1. Correção do texto. O que vou agora comentar é de pouco conhecimento da maioria dos acadêmicos. A bem da verdade, a totalidade desconhece! Mas a primeira editora acadêmica com objetivo de imprimir os trabalhos de acadêmicos no Brasil, no século XX, foi na Academia Militar das Agulhas Negras, cuja a sua editora, Editora Acadêmica da AMAN, foi fundada em 1945 com a publicação do Decreto Nº 19.857, 23 Out 1945, onde aprova a segunda parte do Regulamento para a Escola Militar de Resende, do então presidente da República Getúlio Vargas. Inicialmente chamada de Editora Escolar, em razão do estabelecimento de ensino superior militar ser escola militar, posteriormente quando sua denominação passa ser Academia Militar, a nomenclatura também altera para Editora Acadêmica. Naquela época, grande parte das publicações eram trabalhos de professores das áreas de matemática, física e química em face das ciências duras serem as mais destacadas naquela época. Outras publicações eram voltadas para a literatura militar de oficiais recém-chegados da 2ª Guerra Mundial, cuja experiências da guerra fizeram-lhes instrutores daquela escola.

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    1. Que fantástico! Já tinha visto algo sobre a Editora Biblioteca do Exército ser uma das mais antigas editoras de conteúdo científico do Brasil, mas sobre a Editora Acadêmica da AMAN realmente não estão nos anais “canônicos” da história da editoração no país. Muitíssimo obrigado pelo comentário. Vou pesquisar mais.

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