Um cântico para Leibowitz

Quanto mais os homens chegavam ao aperfeiçoamento de um paraíso, mais impacientes ficavam com ele e consigo mesmos.

A Canticle for Leibowitz é um romance distópico e pós-apocalíptico de ficção científica de Walter M. Miller Jr. (1923 – 1996) em torno de um mosteiro no deserto, na parte oeste de onde uma vez ficavam os Estados Unidos.

O romance costura três novelas independentes para retratar o ciclo de violência e os riscos do obscurantismo.

Fiat Homo: revelando segredos antigos

É uma versão revisada de A Canticle for Leibowitz, publicada em 1955.

Situado no século 26, começa com a descoberta de um misterioso abrigo radioativo por um noviço chamado Irmão Francis Gerard. 

O noviço encontrou um Andarilho no grande mar seco radioativo de Utah. Hordas de pessoas deformadas pela radioatividade são perigosas. Com a Simplificação do conhecimento, os Simplórios aterrorizam os monges. Inicialmente, o Irmão Francis teme que o forasteiro seja um Simplório. Implicitamente, o Judeu Errante, o qual mais tarde saberemos que se chama Benjamin, marca uma pedra com caracteres hebraicos.

Irmão Francis Gerard, ao remover a pedra, encontra inscrições e manuscritos deixados por Isaac Edward Leibowitz, um homem que sobreviveu ao devastador “Dilúvio de Fogo” que destruiu a civilização do século XX.

O abrigo de 600 anos contém o dente e o esqueleto da esposa do Beato Liebowitz. Tal homem pio foi o fundador da ordem que ensinou seus monges a colecionar livros e a memorizá-los ou passá-los adiante, também conhecidos como Bookleggers. Originalmente um engenheiro nuclear, Liebowitz buscou refúgio na Igreja Católica. Mais tarde, foi traído por um amigo e martirizado.

As anotações de Leibowitz tornam-se relíquias, gerando especulações sobre sua vida. Segue-se a canonização de São Leibowitz. O jovem Irmão Francis viaja para Nova Roma para testemunhar este evento. É o início de um Renascimento.

Fiat Lux: alvorecer de um novo renascimento

É um revisão de And the Light Is Risen, publicada em 1956.

No século 32, Thon Taddeo Pfardentrott, um renomado estudioso secular, visita a Ordem Albertiana de São Leibowitz. O seu interesse pelas Memorabilia – resquícios preservados de conhecimento pré-apocalíptico – suscita debates e tensões dentro do mosteiro. À medida que os estudos seculares entram em conflito com a fé religiosa, o mundo exterior enfrenta intrigas políticas e jogos de poder.

O estudioso Thon Taddeo é um entusiasta do cientificismo. É um crente na ciência empírica como o único caminho legítimo para o conhecimento e a verdade. Os monges temem que a razão divorciada da fé acabe por resultar em novos cataclismos. Quando o conhecimento técnico avançado for novamente exercido por homens ambiciosos e sem escrúpulos, os erros do passado estão condenados a repetir-se.

O meio-irmão de Thon Taddeo é o imperador analfabeto, mas rico, Hannegan II, senhor de Texarkana. Um líder carismático, Hannegan, manipula alianças e provoca conflitos. O mundo está didivido entre pequenos estados guerreiros regionais, como Laredo, Texarkana, Denver. O cisma entre o poder da Igreja e de Hannegan culmina numa tensa batalha pelo controle e pela preservação do conhecimento.

Fiat volutas Tua: uma era de incertezas

É um revisão de The Last Canticle, publicado em 1957.

Avancemos para o ano 3781, onde a humanidade recuperou as proezas tecnológicas. Os computadores, as armas atómicas e os voos espaciais foram todos reinventados. As superpotências políticas da Confederação Atlântica e a Coalizção Asiática oscilam à beira de um conflito nuclear. A missão da Ordem Albertiana vai desde a preservação do passado até à salvaguarda de todo o conhecimento diante da repetição do dilúvio de fogo.

No meio de crescentes tensões internacionais, o Abade Dom Jethras Zerchi recebe instruções para iniciar o Quo peregrinatur grex pastor secum – um plano para perpetuar o legado da Igreja em planetas distantes.

No caso de uma guerra nuclear, os humildes e incompreendidos monges da Abadia de Leibowitz são encarregados da missão de preservar a Igreja num planeta no sistema estelar Alpha Centauri.

 À medida que o mundo caminha rumo à guerra, Zerchi deve equilibrar a esperança e o desespero, enquanto o Wanderer, um enigma recorrente, ressurge, anunciando um destino incerto para a humanidade.

Uma advertência contra um ciclo de ignorância

O romance apresenta uma sociedade que oscila entre eras de iluminação e destruição, ecoando a natureza cíclica do progresso humano. Tendo como pano de fundo pós-apocalíptico, Miller elabora uma narrativa que investiga as repercussões da ignorância e do poder, traçando paralelos com a supressão do conhecimento e da dissidência na nossa própria realidade.

Thon Taddeo admite que:

“A ignorância é rei. Muitos não lucrariam com sua abdicação. Muitos enriquecem através de sua monarquia sombria. Eles são a sua Corte e em seu nome fraudam e governam, enriquecem e perpetuam o seu poder. Eles temem até a alfabetização, pois a palavra escrita é outro canal de comunicação que pode unir os seus inimigos. Suas armas são afiadas e eles as usam com habilidade. Irão travar a batalha sobre o mundo quando os seus interesses estiverem ameaçados, e a violência que se segue durará até que a estrutura da sociedade tal como existe agora seja reduzida a escombros e surja uma nova sociedade. Sinto muito. Mas é assim que eu vejo.” (pág. 211).

O retrato de Miller do apagamento deliberado do conhecimento, simbolizado pela proibição dos livros, ecoa a supressão da individualidade e o aumento da conformidade. Num mundo onde a alfabetização é temida, os agentes do poder manipulam e perpetuam o seu controle.

Com ecos de paralelos históricos, o romance critica a tendência de suprimir o pensamento e a criatividade em prol da manutenção do poder. Traz à luz as formas insidiosas como as autoridades manipulam a informação e desencorajam o pensamento independente, culminando numa realidade distópica onde o controle se sobrepõe ao crescimento intelectual. Esta manipulação, impulsionada pelo medo da oposição unida, convida à reflexão sobre como as figuras de autoridade têm historicamente exercido o medo para manter o domínio.

Um Cântico para Leibowitz alerta sobre os perigos de desconsiderar as lições da história. Miller retrata os ciclos de ascensão e queda da civilização, sugerindo que a luta para preservar o conhecimento é uma batalha perpétua. Ao entrelaçar narrativas de diferentes épocas, o romance ressalta a importância atemporal da busca pela sabedoria e a tendência humana inerente de repetir erros do passado.

O trabalho de Miller serve como um conto de advertência para a sociedade contemporânea, levantando questões essenciais sobre as consequências da conformidade cega, os perigos da supressão e o valor do conhecimento na formação do nosso destino colectivo. As implicações da ignorância desenfreada ainda nos assombram.

O autor

Walter M. Miller Jr. escreveu mais de trinta histórias de ficção científica para revistas populares na década de 1950. Teve amplo sucesso quando, em 1959, publicou A Canticle for Leibowitz como um romance fix-up a partir das três novelas interconectadas. Como ele, ganharia o Prêmio Hugo de 1961. Depois do sucesso, isolou-se na Flórida ao estilo Salinger. Sequer seu agente literário o conheceu pessoalmente. Nunca mais publicou nada em vida.

Milher experimentou em primeira mão os horrores da guerra. Em meio à Segunda Guerra Mundial, serviu nas Forças Aéreas, participando do bombardeio da Abadia Beneditina de Monte Cassino. Sua virada para o catolicismo permeia esta obra-prima. No entanto, assombrado pelas devastações da guerra, lutou contra a depressão e o estresse pós-traumático, tirando tragicamente sua vida.

Sobrevida da Obra

A sequência, Saint Leibowitz and the Wild Horse Woman, foi concluída pelo escritor de ficção científica Terry Bisson, em 1997. 

A obra que antecede e combina Mad Max, Mortal Engines, O Nome da Rosa e Fahrenheit 451, ganhou uma versão em português pela tradução de Luisa Geisler. Teve várias edições em português. A mais recente foi publicada em 2014 pela editora Aleph e agora repaginada com uma nova edição.

VEJA TAMBÉM

Fahrenheit 451

Versão em inglês de A canticle for Leibowitz disponível no Internet Archives.

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