Tem horas que você duvida da própria realidade? Tem horas que parece que o universo que te rodeia há algo de encantado, algo assustador, algo além e próximo de ti? E você teme isso…

Silvina Ocampo: a mágica de um realismo hesitante
São com essas impressões incômodas que Silvina Ocampo (1903-1993) trabalha.
Nascida em uma afluente família bonairense, Silvina Inocencia María Ocampo y Aguirre era a caçula de seis filhas. Estudou várias línguas, ciências e artes, indo à europa para aprender artes plásticas com vanguardistas. Frequentava o palacete ancestral, Villa Ocampo, na localidade de San Isidro, na província de Buenos Aires, hoje patrimônio listado pela UNESCO.
A combinação de uma personalidade reservada e a sorte (ou má sorte) de estar rodeada por pessoas notáveis ofuscaram o brilhantismo de Silvina. Em seu círculo social e intelectual na Europa estavam Giorgio de Chirico, Fernand Léger e Italo Calvino. Em Buenos Aires, era medida em relação com sua irmã Victoria, seu marido Adolfo Bioy Casares (também rico, mas onze anos mais jovem que ela, um escândalo para a época) e seu amigo Jorge Luis Borges. O grupo, que se reunia na confeitaria Richmond na calle Florida, ganhou maior popularidade que Silvina. Mas ela firmou-se como escritora por seu próprio mérito.
Foi editora e tradutora. Escreveu poemas, contos, livros infantis e compilou antologias — sobretudo a Antología de la literatura fantástica (1940), junto com Borges e seu marido Adolfo Bioy Casares. Tanto na discussão acerca do fantástico quanto na seleção — que incluía Petrônio, Pu Songling, Poe e Kafka — esta seria a obra-manifesto do realismo mágico ou do realismo fantástico latinoamericano.
O que distingue Silvina de seu marido e do amigo Borges é o Unheimlich — o inquientante. O fantástico ocorre em situação incovenientemente muito próxima de nós. Cenários familiares em situações desconfortáveis, personagens cândidos como crianças e enredos cruéis ocorrem em uma zona limítrofe entre a normalidade e o fantástico. E o fantástico inclui violência gratuita, presciência, o duplo (Doppelgänger), espelhos, recorrência da morte em situações triviais.
Na revista e editora Sur, fundada pela sua irmã Victoria Ocampo em 1931 teve suas primeiras publicações. No geral, guando publicados, seus livros Viaje Olvidado (1937), Autobiografía de Irene (1948), La furia y otros cuentos (1959), Los que aman, odian (com Adolfo Bioy Casares) (1946), Leopoldina’s Dream (1987), Cornelia frente al espejo (1988), La promesa (2011) não renderam-lhe um amplo reconhecimento crítico.
Viraram filmes algumas obras de Ocampo: Tres historias fantásticas (1964), La casa de azúcar (1996), Anillo de humo (2001), El vestido de terciopelo (2001) e Cornelia frente al espejo (2012), Los que aman, odian (2017).
Após sua morte, escritos inéditos foram encontrados e publicados em cinco volumes. E no Brasil, somente em 2019 que recebeu uma publicação de um livro completo seu.
Uma novela, O impostor, sumariza os traços autorais de Ocampo. O jovem Armando Heredia, deixa a casa dos pais burgeses em Buenos Aires para se refugiar na casa de campo nos pampas. O protagonista é enviado para observar Heredia, mas com o pretexto de estudar os pássaros. Heredia desconfia das intenções do visitante, que é muito similar e de mesma idade. Outro aspecto compartilhado é a atração por uma mulher misteriosa que parece ter mais controle sobre as pessoas que o normal.
SAIBA MAIS
Mengolini, Clara. “Performance y clasismo en los cuentos de Silvina Ocampo.” Hispania 102.2 (2019): 191-202.
Ocampo, Silvina. A fúria e outros contos. Tradução de Livia Deorsola. Companhia das Letras, 2019.
Sousa, Mauí Castro Batista. Tradução Comentada de contos fantásticos de Silvina Ocampo: Uma seleção de narrações sobre a infância. Dissertação (Mestrado em Estudos de Tradução)-Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
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