Uma fé universal, que também são os dogmas fundamentais das Escrituras.
São eles: existe um Ser Supremo, que se deleita na Justiça e na Misericórdia, a quem todos os que serão salvos devem obedecer e cujo culto consiste na prática da justiça e da caridade para com o próximo.
Tudo o mais que entra na concepção religiosa é facilmente deduzido desses grandes princípios. Em uma forma mais extensa, os Elementos da Fé Universal podem ser apresentados assim:
1. Deus, o Ser Supremo, o justo, o misericordioso, existe e é o exemplo da vida verdadeira. Quem não conhece a Deus, ou não acredita que Deus existe, não pode obedecê-lo, nem conhecê-lo como seu juiz.
2. Deus é um. Ninguém duvida, mas essa crença é absolutamente necessária para a mais alta devoção, admiração e amor de Deus; pois devoção, reverência e amor surgem da ideia de suprema excelência em todos.
3. Deus é onipresente, e todas as coisas estão abertas diante dele. “Acreditava-se que tudo estava escondido de Deus, ou se ele não visse tudo, poderiam surgir dúvidas sobre a imparcialidade de sua justiça, que governa tudo, ou sua justiça poderia até ser negada.
4. Deus tem domínio e retidão singulares em todas as coisas. Não influenciado por nada além de si mesmo, ele age e deseja de seu próprio prazer soberano e graça peculiar; pois todos são obrigados a obedecê-lo, ele não deve obediência a ninguém.
5. A adoração a Deus consiste e a obediência a Ele e é demonstrada apenas na justiça e na caridade, em outras palavras, no amor ao próximo.
6. Todos os que obedecem e adoram a Deus dessa maneira são salvos; enquanto aqueles que vivem sob o império da sensualidade estão perdidos. Se isso não é crido firmemente pelos homens, não há razão para que eles prefiram obediência a Deus à indulgência em prazeres sensuais.
7. Por fim, Deus perdoa aqueles que se arrependem de suas transgressões. Não há homem que não tenha pecado; Deus não foi clemente e perdoou, portanto, todos podem se desesperar com a salvação; nem havia mais sentido em crer que Deus é misericordioso. Ele, no entanto, que acredita que Deus, na plenitude de sua graça e misericórdia, perdoa o homem que erra, e que é movido para um maior amor e reverência ao Supremo, ele realmente conhece a Cristo de acordo com o espírito, e Cristo está nele.
–Baruch Spinoza – Tratado Teológico-Político, XIV.

Baruch de Spinoza ou Bento de Espinosa (1632-1677) foi uma figura complexa. O filósofo holandês nasceu no seio da comunidade dos judeus da nação portuguesa — a diáspora sefardita ocidental. Mas, em 27 de julho de 1656 foi pronunciado maldito pelos anciãos por motivos até hoje desconhecidos. Simplesmente foi considerado que suas ideias eram heresias monstruosas e abomináveis.
Espinosa encontrou amparo e comunhão entre os colegiantes, um fórum e denominação religiosa de inspiração anabatista. Tolerantes, os colegiantes tinham um mínimo credal: crença em Deus e nas Escrituras. Tudo mais seriam meros detalhes. Ritos e proposições doutrinárias eram secundários. O culto era baseado na liberdade de expressão e edificação mútua.
Muito se fala do Deus de Espinoza. De Einstein a Abraham Loeb, pensadores e cientistas iluminados encontraram sacralidade no universo mediante esse conceito. Porém, a fórmula Deus sive natura confunde os incautos. Obviamente não é o Deus dos atributos da escolástica reformada. Tampouco natura significa o mundo natural em oposição ao humano, tal como o termo é hoje comumente empregado. Bem diferente do imaginado materialismo governado pelas leis da física que por vezes é atribuído ao chamado panteísmo (ou paneteísmo) spinozista, sua teologia era bem mais complexa.
Na década de 1660, os Países-Baixos era governado por uma elite comercial tolerante, cujo poder residia nas comunas e assembleias provinciais. Entretanto, o partido aristocrático orangenista ameaçava a República com uma pauta que forçava a conformidade religiosa mediante o estabelecimento de uma ortodoxia política e social.
Em 1668, Adriaan Koerbagh (1633–1669), amigo de Espinoza e correligionário colegiante, foi condenado por blasfêmia e subversão. Koerbagh morreu na prisão e, em protesto, Espinoza compôs seu Tratado Teológico-Político, publicado em 1670.
Há semelhanças e paralelos com esse credo de Espinoza com o discurso do apóstolo Paulo de Tarso no Aerópago de Atenas (Atos 17). Ambos argumenta pela existência de um Deus de alcance universal, acessível e demandado altos valores. Ambos articularam seus teísmos diante uma audiência ideal de filósofos e autoridades religiosas. Ambos apresentam Deus como um desconhecido, matriz do ser, porém agente.
Para conhecer esse Deus, Espinoza propôs duas vias. Uma era a razão, na esteira da teologia natural e no racionalismo cartesiano. Essa razão materializava na “palavra de Deus” ou a “lei divina universal”, incorrupta em todos os textos bíblicos: ame seu próximo e trate-o com justiça e caridade.
Desse modo, a verdadeira religião e verdadeira piedade podem ser exercidas sem crença em quaisquer eventos históricos, proposições, rituais, eventos sobrenaturais ou doutrinas metafísicas.
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