O século XVIII, a Europa iluminada por uma razão que acreditava poder desvendar os arcanos do mundo, enviava seus emissários, seus curiosos, a perscrutar as areias bíblicas. Acredita ser possível decifrar a geografia sagrada. Nem todos retornaram da Expedição Dinamarquesa à Arábia (1761-1767), mas marcou um início metodológico para a antropologia, arqueologia, linguística, ciências históricas, sem contar suas ramificações políticas no colonialismo e orientalismo.

A Dinamarca do século XVIII, sob o reinado de Frederico V, pai do futuro Cristiano VII, vivenciava um período de política de neutralidade que, paradoxalmente, facilitou a introdução das ideias iluministas desde 1747. Cristiano VII, monarca com momentos de lucidez em meio à esquizofrenia, mostrou-se favorável a reformas. Embora o cenário político não tenha motivado diretamente a expedição, permitiu o patrocínio real para essa empreitada científica e intelectual, alinhada ao espírito da época. A expedição reuniu um grupo de mentes notáveis, incluindo o matemático e cartógrafo Carsten Niebuhr, o naturalista sueco Pehr Forsskål e outros, cada um com expertises específicas para investigar a região sob perspectivas bíblicas, geográficas, naturais e culturais.
Idealizada pelo erudito orientalista prussiano Johann David Michaelis (1717-1791), radicado em Göttingen, a expedição dinamarquesa à Arábia personificou o Zeitgeist do Iluminismo, impulsionada por uma insaciável busca por conhecimento empírico e pela crença na razão como ferramenta para desvendar os mistérios do mundo. Michaelis, um professor bíblico com vasta erudição em diversas áreas – matemática, medicina, geografia e botânica – concebeu a Arábia como um laboratório natural para testar suas hipóteses bíblicas, buscando confrontar a especulação teológica com a realidade concreta através de um meticuloso questionário.
Carsten Niebuhr (1733-1815), com sua formação em engenharia e rigor matemático, dedicou-se à cartografia e às observações geográficas. Christian von Haven (1727-1763), filólogo e teólogo dinamarquês, demonstrou grande fervor intelectual ao estudar árabe antes da viagem. O fino-sueco Peter Forsskål (1732-1763), educado em Uppsala e discípulo de Lineu, contribuiu com a sistemática da história natural, além de suas visões sobre liberdades civis, ecoando o ambiente político da Suécia durante a Era da Liberdade. O médico Christian Carl Cramer (1732-1764) cuidaria da saúde do grupo, enquanto o artista Georg Wilhelm Bauernfeind (1728-1763) registraria visualmente as descobertas.
A Dinamarca, alinhada com essa corrente de pensamento, vislumbrava na expedição uma oportunidade de fortalecer seus tênues laços comerciais e acadêmicos com o Oriente. Simultaneamente, o vasto Império Otomano, embora detentor do controle sobre grande parte do Oriente Médio, demonstrava uma relativa abertura à passagem de viajantes europeus, desde que seus propósitos fossem percebidos como científicos ou religiosos. O patrocínio real de Frederico V da Dinamarca, aliado ao apoio intelectual da Universidade de Göttingen, conferiu à expedição o respaldo financeiro e acadêmico para sua realização, sublinhando a importância atribuída à aquisição de novo conhecimento.
As motivações que impulsionaram essa audaciosa jornada eram tão diversas quanto os talentos de seus membros. Para as ciências bíblicas, a Arábia representava um palco estratégico para confirmar os relatos geográficos e históricos incrustados nas Escrituras Sagradas. O estudo aprofundado das línguas semíticas, como o hebraico e o árabe, era visto como uma chave para uma interpretação textual mais precisa e contextualizada. No campo da geografia e da cartografia, a expedição almejava mapear rotas comerciais e territórios ainda desconhecidos ou mal documentados pelos europeus. A história natural, sob a expertise de Pehr Forsskål, tinha como objetivo catalogar as inúmeras espécies de plantas e animais da região, enriquecendo o conhecimento biológico da época. Por fim, a antropologia e a etnografia nascentes buscavam documentar os intrincados costumes, as leis peculiares e as diversas estruturas sociais das comunidades árabes, oferecendo um vislumbre da complexidade cultural do Oriente.
A expedição, que zarpou da fria Copenhague em janeiro de 1761, traçou uma rota ambiciosa que serpenteava por Constantinopla, pelo Egito, pelas terras inóspitas do Iêmen e pela distante Índia. No entanto, a promessa de descobertas científicas logo se viu confrontada com as implacáveis dificuldades do ambiente e as insidiosas ameaças de doenças tropicais. A malária e a disenteria ceifaram a vida de quase todos os membros da expedição. m menos de três anos, cinco dos seis membros faleceram, com Carsten Niebuhr como o solitário sobrevivente que adotou os costumes árabes. Retornaria à Dinamarca em 1767.
Apesar do trágico destino de seus membros, o benefício científico e cultural da expedição foi de um impacto notável. Nas ciências bíblicas e na nascente arqueologia, os cuidadosos registros de Niebuhr trouxeram à luz inscrições cuneiformes de valor inestimável, que posteriormente se mostrariam cruciais para o deciframento dessa antiga escrita. Seus relatos vívidos sobre as ruínas de Petra e Palmira despertaram a imaginação europeia e inspiraram futuras escavações arqueológicas nessas cidades perdidas. Na história natural, o legado de Forsskål perdurou através de suas detalhadas descrições de centenas de novas espécies de plantas e animais, publicadas postumamente na influente obra Flora Aegyptiaco-Arabica. Na esfera da antropologia, os registros da expedição descreveram as vidas das tribos beduínas e as complexas estruturas sociais árabes. A cartografia e a geografia também foram significativamente avançadas pelas precisas cartas do Mar Vermelho e da Península Arábica produzidas por Niebuhr. Além disso, a expedição abriu caminho para futuras explorações científicas, como a expedição de Napoleão ao Egito em 1798, e influenciou o orientalismo europeu do século XIX, moldando a percepção do Ocidente sobre o Oriente.
O legado da Expedição Dinamarquesa à Arábia permanece como a primeira expedição científica moderna ao Oriente Médio. Sua contribuição ao desenvolvimento da arqueologia bíblica e dos estudos orientais como disciplinas acadêmicas ainda a faz ser citada. Além disso, influenciou inegavelmente o orientalismo acadêmico e, de maneira mais controversa, o colonialismo científico do século XIX, ao fornecer conhecimento que poderia ser utilizado para fins políticos e econômicos. A obra de Carsten Niebuhr, Description of Arabia (1772), tornou-se uma referência indispensável para viajantes e estudiosos durante décadas.
Como em outras instâncias do excepcionalismo nórdico, o destino escandinavo repetiu-se: seu pioneirismo científico, comercial, colonial entrou para os rodapés da história, abrindo caminho para outras nações usufruírem os louros do contato Europa-Oriente Médio.
SAIBA MAIS
Said: Orientalismo
Baack, Lawrence J. Undying Curiosity: Carsten Niebuhr and the Royal Danish Expedition to Arabia (1761-1767). Franz Steiner Verlag, 2014.
Forsskål, Pehr. Flora Aegyptiaco-Arabica. 1775.
Guichard, Roger H., Jr. Niebuhr in Egypt: European Science in a Biblical World. Lutterworth Press, 2 May 2014.
Hansen, Thorkild. Arabia Felix: The Danish Expedition of 1761-1767. 1964.
Michaelis, Johann David. Fragen an eine Gesellschaft Gelehrter Männer. 1762.
Niebuhr, Carsten. Description of Arabia. 1772.
