Em Granada, onde as sombras do Islã e da Cruz se entrelaçam como raízes sob a terra, ocorreu, no final do século XVI, um evento que poucos ousaram compreender e que menos ainda ousaram esquecer sob as pedras antigas do Sacromonte — uma duplicação imperfeita do Sinai
Ali, sob a sombra da Contrarreforma que se abatia sobre a Península como um novo dilúvio, foram desenterrados artefatos singulares: discos de chumbo, gravados com signos híbridos — latinos, árabes e uma misteriosa escritura que, para olhos despreparados, poderia ser confundida com qualquer idioma perdido das hostes celestiais.
Esses objetos, logo chamados de Livros de Chumbo do Sacromonte, apresentavam um cristianismo mestiço, onde a recordação dos mártires se entrelaçava com eflúvios da fé islâmica, como se um escriba celestial, ciente da fúria inquisitorial, tivesse tentado forjar uma paz impossível entre a cruz e o crescente.
Não há época mais fértil para o nascimento de apócrifos do que aquela em que a ortodoxia se arma de censores, e foi precisamente num tal ambiente — entre 1595 e 1599 — que os Livros emergiram, primeiro na Torre Turpiana, depois nas entranhas do Sacromonte, onde a geografia parecia conspirar com a história para ocultar segredos ambíguos.
O povo cristão — ou, ao menos, aqueles que viam na redescoberta um reforço conveniente para a presença da fé sobre as ruínas do Islã — acolheu os discos com fervor. Mas, como sempre ocorre nos melhores romances da história (ou nos piores embustes), a ambiguidade dos textos, a exuberância das formas e o perfume estranho de uma teologia sincrética rapidamente acenderam alarmes.
As páginas de chumbo eram uma tapeçaria de imagens: nelas dançavam anjos que falavam árabe, santos que juravam pelo Deus Único, e mártires que pareciam mais preocupados em reconciliar o Livro e o Evangelho do que em combater a heresia. Era uma teologia da conciliação, e, portanto, uma heresia dupla — contra a pureza da fé e contra a clareza da política.
Quando o eco dos Livros chegou a Roma, o maquinário da análise doutrinal se pôs em marcha. Padres e inquisidores debateram, escreveram, condenaram e hesitaram, como se o próprio ato de discernir a falsidade daquelas placas implicasse um risco de confirmar sua mensagem secreta.
Finalmente, sob o pontificado de Inocêncio XI, prevaleceu a visão mais sombria: os Livros de Chumbo foram declarados falsificações — mas falsificações de uma engenhosidade tal que revelavam, por sua própria existência, a agonia espiritual dos conversos mouriscos, que, entre a espada e o batismo, tentavam ainda preservar fragmentos de sua antiga dignidade.
Hoje, os Livros de Chumbo repousam entre o relicário e o anátema, testemunhas de uma época em que a verdade da fé podia ser construída — ou desconstruída — a golpes de buril e fórmulas secretas.
E foi dessa forma que Granada carrega nas dobras de suas colinas a lembrança de uma fraude tão devota que quase se tornou sagrada, um eco metálico do eterno jogo entre ortodoxia e heresia, entre a memória que salva e o esquecimento que condena.
