Janeiro, as festas de fim-de-ano passaram. Agora nada como encher o isopor com cerveja, colocar as espreguiçadeiras no bagageiro, fazer a patroa e os cinco remelentos subir no carro e enfrentar o trânsito de doze horas rumo ao litoral.
Todo ano é a mesma coisa. Parece um ritual. E é.
Desde a década de 1970 há um ramo da antropologia dedicada a compreender o fenômeno do turismo. O antropólogo britânico-americano Nelson H. H. Graburn (1936 – ) dedicou-se a examinar o turismo e teve várias conclusões interessantes. Uma delas: há distinção entre viagem e turismo. Viagem pressupõe dever, necessidade. Enquanto o turismo é o momento sagrado, fora do ordinário.
Enquanto em muitas sociedades pré-industriais não há distinção entre trabalho e lazer, a civilização ocidental divide o tempo do prazer e do dever. É neste tempo não ordinário quando a diversão é permitida como férias e finais-de-semanas, que ocorre o turismo.
Viagem a turismo é distinto de uma mera viagem pelo significado descompromissado, lúdico e leve.
Os propósitos do turismo são bem variados: negócios, convenções, ecoturismo, compras, spa e turismo de saúde, peregrinação religiosa, sexo, educação ou voluntariado. Os destinos variam também, há locais hiper-reais como o carnaval e Disneyland que representam realidades caricatas, locais autênticos como aldeias étnicas com seus produtos kitsch (imitação barata para satisfazer o mercado), locais naturais onde se pressupõe menor impacto humano no local. O curioso é que o turista conhece pouco a realidade local, visitando as áreas designadas para os turistas, permanecendo em hotéis e interagindo com outros turistas, ainda que se irrite com a presença de outros como ele, e profissionais do turismo.
Graburn, usando a teoria de ritos de passagem de Victor Turner, considera o turismo carregado de rituais. Algumas aplicações desta teoria são:
- Ritual coordena o grupo: um turista sabe desempenhar seu papel bem, tirando fotos, comprando souvenir, pedindo informações, esperando compreensão por ser de fora.
- Ritual comunica: o turismo permite interação de populações distantes.
- Ritual altera o status: ocorre as inversões de papel, como veremos a seguir. Um haji adquire um alto status ao retornar a sua comunidade depois de visitar Meca. As fotos de Dubai que sua tia chata ostensiva gosta de mostrar servem para demonstrar quem tem grana.
- Ritual ensina e reforça: as trocas culturais, novas línguas aprendidas e novos pratos provados são oportunidades criadas no turismo.
- Ritual adapta: turismo faz abrir as possibilidades para tolerância. Novas situações e contatos com pessoas diferentes diminuem alteridade.
Dois filmes de 2010 retratam esses estágios. Em Comer, Rezar, Amar a protagonista Liz Gilbert (retratada por Julia Roberts) viaja o mundo atrás de amor, aprender uma nova língua, encontrar-se consigo espiritualmente, passar por experiências gastronômicas, realizando todos os aspectos do ritual. Já em O Turista, com Angelina Jolie e Johnny Depp, há o elemento de busca de emoções intensas em um local de realidade construída, Veneza, cheia de simbolismo: poder, sensualidade, perseguição e o excitamento do não ordinário.
É interessante observar que em eventos turísticos como cruzeiro ou carnaval há inversão de papéis, como o antropólogo Roberto Da Matta demonstra. Rico parece pobre, pobre parece rico. As fronteiras sociais desaparecem durante o evento não ordinário. E é escusável os atos ocorridos no turismo. “O que acontece em Vegas, fica em Vegas”.
Chamado de “indústria limpa”, todavia há o lado negativo do turismo. Não por menos Dennison Nash considera-o como o imperialismo moderno. Há uma diferença radical entre quem visita e o “nativo”, regulado principalmente pelas relações financeiras. A população local pode ficar entediada com a perturbação dos turistas (pergunte a um parisiense nato se gosta de turistas). Turistas podem trazer doenças, alterar as estruturas sócio-econômicas locais além de poluir.
Por fim, a reflexão antropológica do turismo ajuda a garantir o benefício para a população recipiente, aumentar a satisfação de seus clientes, proteger recursos locais, achar potenciais turísticos e melhorar as operações e organizações correlatas.
SAIBA MAIS
Graburn, Nelson H. H. “Tourism: The Sacred Journey” in Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism. Valene L. Smith, ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. 1977. Pp. 33-47.
Da Matta, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. 6a ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Nash, Dennison. “Tourism As a Form of Imperialism.” in Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism. Valene L. Smith, ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. 1977. Pp. 33-47.
Curiosidade interessante! Nessas férias fui pra Brasília achando que ia viajar (fazer o Vestibular), mas vi que o que realmente fiz foi turismo. Hehehe!
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Bacana este texto…
Adorei estudar antropologia! !
Sou graduando em Turismo em Penedo-AL
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Sucesso em seus estudos.
Piadinha: sabe a diferença entre turismólogo e antropólogos? Ambos viajam, mas turismólogos deixam gorjeta.
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