Relações Parassociais: vínculos unilaterais na cultura midiática

Sabe aquele influenciador que parece falar diretamente com você? A pessoa olha nos seus olhos enquanto realiza uma rotina cotidiana que parece você nela. As ideias reverberam. Ela não é alguém desconhecido, mas uma amiga que conhece você de tal modo que entende suas aspirações, valores e indignações. O estilo de vida e o status são algo que, secretamente, tem uma invejinha. Falando em inveja, os recalcados dirão que você idolatra a personagem. No entanto, a personalidade com milhares, quiçá, milhões de seguidores sequer sabe que você existe. Essa é uma relação parassocial.

No estudo das interações humanas mediadas pela tecnologia, um fenômeno recorrente é a relação parassocial. O termo, formulado por Horton e Wohl em 1956, refere-se ao vínculo unilateral estabelecido pelo usuário de mídia com uma figura pública, personagem ficcional ou influenciador. Pode ser um modelo de Instagram, um jogador de futebol, uma palestrante cativante, um político carismático, um líder religioso inspirador ou simplesmente alguém cuja vida parece ser mais interessante que a sua.

A assimetria define esse vínculo: o participante reconhece a figura, mas não é reconhecido por ela. Trata-se de uma relação que não se sustenta na reciprocidade, embora produza efeitos psicológicos semelhantes aos de interações face a face.

Relação parassocial: alguém que te entende. By Gemini.

Perspectivas da psicologia social acerca dos relacionamentos parassociais

A psicologia social e a teoria da mídia ofereceram quadros para compreender esse vínculo. A teoria do apego descreve o papel compensatório que essas figuras podem assumir para indivíduos com necessidades afetivas pouco atendidas. A hipótese da subsituição social propõe que esses vínculos funcionam como suplentes das relações reais, reduzindo a sensação de isolamento. A teoria da autodeterminação sugere que as figuras midiáticas podem preencher necessidades de pertencimento, competência ou autonomia. A hipótese evolutiva de incompatibilidade indica que um cérebro moldado para grupos pequenos interpreta a exposição repetida e íntima a imagens humanas como presença social concreta.

Diversos fatores influenciam a formação de relações parassociais. Do lado do usuário, níveis elevados de solidão, ansiedade social ou estilos de apego inseguros tornam o vínculo mais provável. Idade também exerce influência, sobretudo em fases formativas. Do lado da figura midiática, previsibilidade, exposição frequente e apresentação de intimidade facilitam o processo. Ambientes digitais interativos — transmissões ao vivo, comentários, mensagens diretas — reduzem a percepção da distância e geram a impressão de reciprocidade. Narrativas ficcionais imersivas ampliam o envolvimento com personagens, gerando relações persistentes mesmo fora do consumo da história.

Os efeitos documentados variam. Há usos funcionais, como alívio emocional, redução momentânea da solidão ou inspiração identitária. Há também aspectos disfuncionais, como substituição das interações sociais, comparações negativas e crenças distorcidas sobre a natureza da relação. Em casos extremos, observam-se comportamentos obsessivos, luto intenso após escândalos ou mortes, e reações semelhantes ao rompimento amoroso quando a figura se distancia ou altera seu conteúdo.

A midiatização dos relacionamentos parassociais

A amplificação digital intensificou esses vínculos. A lógica das redes sociais produz uma aparência de acesso direto. A curadoria algorítmica recircula continuamente figuras já conhecidas, reforçando a familiaridade. A economia da influência profissionalizou a produção da intimidade pública, convertendo o vínculo parassocial em estratégia de fidelização e consumo.

O fenômeno pode ser examinado segundo modelos conceituais mais amplos. A análise de Jean Baudrillard sobre simulacros e hiper-realidade descreve o ambiente no qual tais vínculos surgem. A figura midiática funciona como simulacro: uma representação que não corresponde a uma essência anterior, mas a uma construção destinada ao consumo. A relação ocorre dentro de uma hiper-realidade na qual a imagem ganha densidade afetiva maior que a pessoa real. O usuário interage com o mapa, não com o território.

Como na simulação e simulacros basta parecer do que ser, cognitivamente a pessoa se satisfaz com um relacionamento parassocial. Há, obviamente, aqueles que extrapolam. É o caso do livro e filme de Misery: Louca Obsessão, de Stephen King. Na narrativa, uma fã voraz sequestra e mantém em cativeiro seu autor favorito para escrever para sua satisfação. Como no mapa que precede o território, as relações parassociais alimentam muito os desvaneios possessivos de assediadores (stalkers).

A psicologia evolutiva contribui com o conceito de mecanismos hiperativos de detecção de agência. Diante de sinais humanos — voz, rosto, contato visual simulado — o sistema cognitivo reage como se estivesse em interação social real, mesmo sabendo que não há reciprocidade. O processo de antropomorfização complementa essa tendência: para preencher lacunas de informação, o usuário atribui intenções, motivações e estados mentais à figura, criando um modelo explicativo coerente. Assim, o vínculo resulta da projeção de um “outro” dotado de agência, mesmo quando tal agência não é acessível ao observador.

Esse modelo interno pode produzir efeitos comportamentais análogos ao chamado efeito Pigmaleão. O usuário internaliza expectativas atribuídas à figura mediática e ajusta seu comportamento para corresponder a elas. O vínculo unilateral, portanto, exerce influência real sobre condutas, escolhas e hábitos. A relação imaginada adquire força normativa e retroalimenta o apego.

Temos agora mais um ator, desta vez inusitado por sua não corporalidade. As AIs e assistentes domésticas (hei, Alexa!) ganharam lugar nesse relacionamento parassocial.

Enfim, seriam as relações parassociais algo ruim ou não?

As pesquisas atuais discutem se relações parassociais são desvios patológicos ou variações normativas de participação na cultura midiática. Há indagações sobre causalidade: se a solidão antecede o vínculo ou se o vínculo acentua o isolamento. Estudos longitudinais ainda são limitados. Também há investigações culturais que examinam como diferentes sociedades interpretam e legitimam esses vínculos. Em paralelo, crescem aplicações terapêuticas potenciais, como o uso de agentes digitais e companhias artificiais no cuidado em saúde mental.

A mensuração em estudos sobre vínculos parasociais depende do uso de escalas padronizadas que operacionalizam dimensões distintas da relação entre público e figura midiática. Entre as mais utilizadas estão as Escalas PSI (Parasocial Interaction), que avaliam a sensação de interação durante o consumo de mídia. Essas Escalas PSR medem a persistência do vínculo para além do momento da exposição. Já a Escala de Adoração a Celebridades, que quantifica níveis de envolvimento que podem variar do interesse cotidiano à absorção intensa. Essas ferramentas permitem comparar estudos, testar hipóteses com consistência e identificar padrões de engajamento segundo diferentes níveis de intensidade.

Quanto aos fatores ligados à persona, além da previsibilidade, da frequência e da sensação de intimidade, a literatura destaca a similaridade percebida entre audiência e figura pública como um mecanismo decisivo de formação do vínculo. A percepção de características compartilhadas — sejam valores, experiências de vida, origem social ou traços de personalidade — aumenta a probabilidade de identificação e de investimento emocional. Essa similaridade opera como um atalho cognitivo que legitima o vínculo e reforça a impressão de familiaridade, tornando a relação parasocial mais estável ao longo do tempo.

Nos resultados positivos associados a vínculos parasociais, estudos recentes apontam que, além da inspiração identitária e do alívio emocional, esses vínculos podem motivar comportamentos prosociais. A percepção de conexão e a internalização de valores transmitidos pela figura midiática podem estimular atos caritativos, engajamento comunitário e participação em causas sociais. Em certos casos, a relação parasocial atua como um catalisador de ativismo, orientando a audiência a adotar práticas solidárias modeladas pela persona admirada.

O que levar das relações parassociais

A literatura converge no entendimento de que relações parassociais não são simples manifestações de “fandom”, mas experiências psicológicas reais. Inserem-se em um ambiente de simulações sofisticadas e respondem a disposições cognitivas profundas. Seus efeitos dependem das vulnerabilidades de cada indivíduo, da natureza das figuras midiáticas e do equilíbrio entre interações mediadas e presenciais. O fenômeno resulta da convergência entre uma cognição social moldada em ambientes ancestrais e um ecossistema comunicacional estruturado por representações, algoritmos e economias da atenção.

SAIBA MAIS

Baudrillard, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio D’Água, 1991.

Cohen, Jonathan. “Parasocial Relationships and Attachment Style: A Study of Viewers’ Relationships with Favorite Television Characters.” Journal of Broadcasting & Electronic Media 47, no. 4 (2003): 504–23.

Eyal, Keren, and Jonathan Cohen. “The Relationship between Parasocial Interaction and Loneliness: A Review of the Literature.” In The Routledge Handbook of Media Use and Well-Being: International Perspectives on Theory and Research on Positive Media Effects, edited by Leonard Reinecke and Mary Beth Oliver, 154–67. London: Routledge, 2017.

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Hoffner, Cynthia, and R. T. Buchanan. “Young Adults’ Relationship with Media Figures: The Role of Attachment and Social Media Use.” Media Psychology 22, no. 3 (2019): 447–70.

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Hu, Yunmo, et al. “The Role of Parasocial Relationships in Shaping Consumer Engagement on Social Media.” Journal of Interactive Marketing 55 (2021): 27–42.

Liebers, Nina, and Jörg Matthes. “The Pygmalion Effect in Parasocial Relationships: How Expectations Influence the Feeling of Closeness to a Media Figure.” Communication Research 48, no. 3 (2021): 328–50.

Maltby, John, et al. “A Graded Classification of Celebrity Worship.” Personality and Individual Differences 26, no. 4 (2003): 763–75.

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Sokolova, Ksenia, and Guy P. R. Hetsroni. “The Effect of Social Influence on Online Prosocial Behavior: The Mediating Role of Parasocial Relationship.” Computers in Human Behavior 88 (2018): 120–29.

Stever, Gayle S. “The Attachment Theory Basis for Parasocial Relationships.” Journal of Media Psychology 22, no. 1 (2010): 39–47.

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