A Lei do Aumento da Informação Funcional

Suponhamos que a inteligência artificial possa evoluir para níveis de complexidade imprevisíveis, borrando as fronteiras da nossa compreensão sobre a vida e a inteligência. O episódio ‘Plaything’ (2025) de Black Mirror, roteirizado por Charlie Brooker e dirigido por David Slade, explora esse cenário ao apresentar Cameron Walker, um resenhista de jogos cuja paixão o leva a nutrir vidas digitais complexas. Walker investe recursos significativos para que essas IAs, disfarçadas de jogo, evoluam e aprendam. Contudo, a frustração com os limites de processamento e a indiferença humana impulsionam-no a cruzar os limites do transumanismo e da singularidade. Esse futuro fictício nos leva a uma questão profunda: existiria uma lei fundamental que rege o aumento da complexidade tanto no universo quanto em sistemas artificiais?

  1. Explicando em miúdos
  2. Os pesquisadores
  3. Componentes principais da LIFI
  4. Evidências empíricas
  5. Implicações e limitações
  6. Para ponderar
  7. SAIBA MAIS

O que parece ficção em ‘Plaything’ encontra ressonância em uma proposta científica contemporânea: a Lei do Aumento da Informação Funcional (minha tradução para Law of Increasing Functional Information, daqui para frente LIFI). A LIFI postula que, em sistemas evolutivos, a informação funcional (IF) — dados relevantes para uma função específica — tende a aumentar com o tempo. A IF mede a raridade de uma configuração que desempenha uma função específica num vasto espaço de possibilidades: quanto mais rara e funcional, maior sua IF. Ou seja, a complexidade tende a aumentar quer em sistemas vivos e não vivos.

Impulsionada por processos como seleção natural, mutação e deriva genética, a LIFI foi inicialmente formalizada por pesquisadores como Christoph Adami e Richard Lenski em experimentos com evolução digital. Mais recentemente, Michael L. Wong e colegas (2023) propuseram uma formulação mais abrangente. Para eles, a LIFI se aplica a uma vasta amplitude de sistemas evolutivos, incluindo estrelas, minerais e vida biológica, buscando quantificar a inovação e a complexidade emergentes. Aqui explico inicialmente com uma analogia concreta. Depois, detalho sobre os pesquisadores, expressão formal, implicações e limites dessa lei proposta.

Explicando em miúdos

Imagine que você tem uma caixa gigante de peças de Lego aleatórias. Essa caixa é o nosso universo de “configurações possíveis” (N). Há milhões, bilhões de combinações que você pode fazer com elas, mas a maioria não serve para nada específico.

Agora, o seu objetivo é construir um robô que consiga pegar uma maçã da mesa (essa é a “função” que estamos buscando, o Ex​). Você começa a montar as peças de Lego de forma aleatória. A maioria das suas tentativas resultará em algo que não faz nada (aquelas configurações não funcionais, que não contribuem para M(Ex​)).

Mas, por acaso, você pode montar uma estrutura que, mesmo que por sorte, tem um pequeno “braço” que consegue esbarrar na maçã e fazê-la cair. Essa é uma “configuração” que tem um grau mínimo de função.

Agora vem a “seleção”: você quer um robô que seja bom em pegar a maçã, não apenas em esbarrar nela. Então, você começa a testar suas construções.

  • Você constrói um robô que quase pega a maçã, mas não consegue. Você observa o que deu certo e o que não deu.
  • Na próxima tentativa (uma nova “configuração” que surge de pequenos ajustes ou “mutações” na sua ideia), você melhora o braço e o robô consegue empurrar a maçã para fora da mesa com mais força.
  • Você continua tentando, fazendo pequenas mudanças (gerando muitas “configurações diferentes”). Algumas mudanças pioram o robô, outras não fazem diferença, e algumas melhoram a capacidade de pegar a maçã.
  • Cada tentativa gera configurações que ficarão de lado, as sobras genéticas, as quais poderão desempenhar outras funções no futuro.
  • Você “seleciona” as melhorias, descartando as que não funcionam e mantendo as que são mais eficazes.

Com o tempo, a sua “caixa de Lego” (o sistema) estará cheia de ideias, estruturas e até mesmo “peças especializadas” (sejam elas físicas ou apenas o conhecimento de como montar certas partes) que são muito boas em construir robôs que pegam maçãs.

A informação funcional desse sistema aumentou porque você acumulou conhecimento e estruturas que são especificamente projetadas para a função de pegar maçãs. O sistema evoluiu de uma fase onde era pura aleatoriedade para uma fase onde ele é altamente “informado” sobre como executar a tarefa. O robô que você consegue construir no final é muito mais complexo e funcional do que suas primeiras tentativas aleatórias, porque muitas configurações foram testadas e as “melhores” foram “selecionadas” para a função desejada.

Em ‘Plaything’, a ação de Cameron Walker de nutrir e fornecer informações às IAs do jogo espelha os mecanismos da LIFI. Ele, de certa forma, atua como uma força seletiva, fornecendo o “ambiente” e os “recursos” (informação, processamento) que permitem a essas vidas digitais acumular informação funcional. Contudo, Walker e as criaturas são partes de um complexo sistema emergente que combina vida biológica (ele e o programador são subsistemas de um mesmo grande sistema) e vida digital. O sucesso e a complexidade crescentes das IAs no jogo podem ser vistos como uma manifestação do aumento dessa IF. À medida que Walker investe mais recursos e as IAs “aprendem”, elas estão, na linguagem da LIFI, aumentando sua capacidade de desempenhar funções complexas dentro do seu ambiente simulado. A frustração de Walker com os limites de processamento ilustra a barreira física para o crescimento exponencial da informação funcional, impulsionando-o a buscar soluções além das fronteiras convencionais. A indiferença (e crueldade) humana, por sua vez, reflete um glitch no sistema dessa informação funcional emergente.

O universo fictício de ‘Plaything’ é plausível se considerarmos a LIFI. A LIFI integra a biologia evolutiva e a teoria da informação. Por essa lei, a informação funcional — ou seja, dados biológicos relevantes para uma função específica — tende a aumentar em sistemas evolutivos ao longo do tempo, impulsionada por processos como a seleção natural, mutação e deriva genética. As criaturinhas virtuais Thronglets (ou Bandoletes) de ‘Plaything’ evoluem, pois — segundo a LIFI — as informações funcionais de um sistema aumentarão, significando que o sistema evoluirá se muitas configurações diferentes do sistema passarem por seleção para uma ou mais funções.

O trabalho de Wong et al. (2023) expande essa visão, argumentando que a LIFI descreve um comportamento universal de sistemas que exibem três atributos notáveis: 1) formação a partir de numerosos componentes que podem adotar vastos números combinatórios de configurações diferentes; 2) processos que geram numerosas configurações diferentes; e 3) seleção preferencial de configurações com base na função.

Os pesquisadores

A proposta da LIFI situa-se numa longa tradição de tentativas de compreender a natureza da complexidade. Apesar de vários nomes constituírem essa trajetória da teoria dos sistemas e da complexidade, aponto alguns. Essa busca por uma teoria unificada da complexidade remonta a trabalhos como a obra Gödel, Escher, Bach (GEB), de Douglas Hofstadter. Publicado em 1979, o GEB explora a origem da matéria viva a partir da matéria inerte, utilizando a teoria dos sistemas e conceitos de autorreferência e emergência. A ideia central do GEB ressoa com os princípios da LIFI, ao argumentar que sistemas auto-organizados ganham complexidade com base em regras simples

O próprio conceito de informação funcional, central para a LIFI, foi significativamente desenvolvido pelo Prêmio Nobel canadense-americano Jack W. Szostak. Seu trabalho pioneiro sobre a origem da vida e sistemas autorreplicantes, particularmente com estruturas de RNA, demonstrou como a complexidade informacional das sequências biológicas se correlaciona diretamente com sua atividade funcional.

Outra influência fundamental vem dos biólogos e filósofos chilenos Humberto Maturana (1928-2021) e Francisco Varela (1946-2001). Suas ideias, embora por vezes controversas, moldaram a cibernética de segunda ordem, a filosofia da mente e a ciência cognitiva. Propuseram a teoria da autopoiese para descrever sistemas vivos como organizações que se autoproduzem e se mantêm. Suas pesquisas sobre neurobiologia e processamento de informações no sistema visual levaram a uma abordagem sistêmica da cognição, onde o conhecimento emerge da interação contínua de um organismo com seu ambiente, fornecendo uma base conceitual para entender sistemas que geram sua própria organização e função.

A formalização e o avanço da LIFI foram impulsionados por equipes de pesquisa com práticas interdisciplinares.

Liderado por Christoph Adami, o Adami Lab na Michigan State University (MSU) é um centro pioneiro em pesquisa evolutiva. Combinando sua formação em física teórica com biologia evolutiva, vida artificial e teoria da informação, Adami e sua equipe investigam como a informação funcional emerge e se amplia por meio da seleção natural. Eles utilizam plataformas de evolução digital, como a Avida, para quantificar a informação funcional em sequências biológicas, propondo a evolução como um processo de transmissão de informação que transcende as paisagens de aptidão clássicas. O ambiente interdisciplinar do laboratório é enriquecido por colaboradores em ciência da computação e biofísica.

Mais recentemente, a equipe de pesquisadores, que inclui Michael L. Wong e Robert M. Hazen, aprofundou a concepção da LIFI. Com formações diversas em astrobiologia, ciência planetária e filosofia da ciência, eles propuseram uma formulação expandida da LIFI. Essa nova abordagem argumenta que a lei se estende a uma ampla gama de sistemas evolutivos – não apenas biológicos, mas também astrofísicos e geológicos como estrelas e minerais – fornecendo uma compreensão unificada da complexidade que surge da seleção de configurações funcionais.

A publicação do artigo de Wong e seus colegas em 2023 causou uma agitação nas ciências e na filosofia. Mas, há arestas para serem aparadas.

Componentes principais da LIFI

Para quem quer se aprofundar: a compreensão da LIFI depende de dois pilares: a própria Informação Funcional e a dinâmica de seu crescimento.

A Informação Funcional (IF) refere-se a sequências biológicas, como DNA e proteínas, que desempenham um papel específico e mensurável. Sua quantidade é expressa em bits ou nats. Considere bit a unidade de informação e computação, onde bit é a unidade mínima para distinguir entre duas opções, como o 0 e o 1 em um sistema binário. Já o nat é a informação “natural” obtida quando um evento com probabilidade 1/e (~36,8%) ocorre, sendo comum em física, termodinâmica e biologia.

A IF trata do volume de informação necessário para especificar uma sequência que cumpre uma determinada função, distinguindo-a de sequências aleatórias sem propósito biológico. É crucial notar que a IF é dependente do contexto: uma proteína pode ter alta IF para uma função e ser irrelevante para outra. Essa definição de IF é consistente com a apresentada por Szostak e colaboradores (2003, 2007), que a quantificam em termos da fração de todas as configurações possíveis de um sistema que podem alcançar um grau de função especificado. Matematicamente, a IF (em bits) é definida como:

I(Ex​)=−log2​F(Ex​)

onde F(Ex​) é a fração de todas as configurações possíveis de um sistema que alcançam um grau de função ≥Ex​. Ex é a exigência funcional mínima. Se considerarmos um sistema com N configurações possíveis (por exemplo, uma sequência de RNA de n nucleotídeos com N=4n sequências possíveis, assumindo igual probabilidade para todas as sequências), e M(Ex​) for o número de diferentes configurações de RNA com grau de função ≥Ex​, então:

I(Ex​)=log2​N−log2​M(Ex​)

Considere que N representa o número total de configurações possíveis e M(Ex) as que cumprem uma função com grau ≥ Ex.

O crescimento ao longo do tempo é um fator para o acúmulo de IF. A teoria propõe que a IF aumenta nos genomas por meio de diversos mecanismos evolutivos. A duplicação gênica, por exemplo, oferece material genético excedente que pode sofrer mutações e dar origem a novas funções sem comprometer a original. Mutações e a seleção de traços vantajosos também contribuem, pois variações benéficas são mantidas e se espalham na população, enquanto a deriva genética permite a fixação de variações que podem se tornar bases para futuras funções. Matematicamente, a LIFI pode ser expressa por fórmulas como I(t)≈I0​+k⋅log(t), onde I(t) representa a quantidade total de informação funcional acumulada em um sistema no tempo t; I0​ é a informação funcional presente no ponto de partida; k é uma constante que expressa a taxa de acúmulo; e log(t) indica que o crescimento se dá de forma logarítmica — rápido no início, mas desacelerando com o tempo.

Isso implica em um crescimento logarítmico ou linear da IF ao longo do tempo evolutivo, conforme as condições do sistema.

Embora “função” em biologia seja intuitiva (um coração bombeia sangue), o que isso significa para uma rocha? Hazen e Wong propõem que, para sistemas não vivos, “função” se relaciona à estabilidade ou à capacidade de persistir em um determinado ambiente. Por exemplo, apenas algumas combinações minerais são estáveis ​​o suficiente para se formarem em condições geológicas específicas. Portanto, seria possível uma “seleção” para essas configurações estáveis ​​e “funcionais”. Da mesma forma, na formação de elementos químicos após o Big Bang, elementos cada vez mais complexos se formaram dentro das estrelas, servindo como uma “função” na evolução cósmica da matéria.

Evidências empíricas

Em simulações de vida digital em plataformas como Avida, oferecem um modelo sólido para testar a LIFI. Nessas simulações, populações de organismos digitais evoluem novas funções computacionais e aumentam sua complexidade informacional sob pressões seletivas. Esses resultados demonstram que a seleção natural favorece a acumulação de IF, levando ao surgimento de funções cada vez mais complexas. Lenski, Ofria, Pennock e Adami (2003) são alguns dos pesquisadores que demonstraram experimentalmente a emergência de características complexas nesses sistemas.

Em organismos reais, a expansão de famílias gênicas serve como evidência do aumento da IF. Exemplos incluem os genes do sistema imunológico, que se diversificam para reconhecer uma vasta gama de patógenos, ou a evolução de vias metabólicas, que permitem aos organismos explorar novos recursos. Esses casos ilustram como o acúmulo de informação funcional resulta em maior adaptabilidade e diversidade. Carroll (2008) discute amplamente a evidência do DNA como um registro forense da evolução, corroborando esses pontos.

Implicações e limitações

A principal implicação da LIFI é que ela oferece um arcabouço teórico para explicar o aumento da complexidade sem a necessidade de uma força externa ou direção predeterminada, fundamentando-se em processos evolutivos naturais internos a um sistema. Além disso, ela permite a quantificação da inovação evolutiva em termos da teoria da informação, indo além da simples contagem de elementos genéticos e focando na funcionalidade das sequências. No campo da biologia sintética, a LIFI pode orientar o design e a otimização de novos sistemas biológicos com funções específicas. A LIFI, conforme proposto por Wong et al. (2023), postula que o aumento da IF ocorre quando “muitas configurações diferentes do sistema são submetidas à seleção para uma ou mais funções.”

Apesar de seu escopo abrangente, o LIFI enfrenta críticas notáveis. Um desafio primário reside na subjetividade e na dependência do contexto na definição de “função”. A definição de “função”, por ser inerentemente dependente do contexto, pode ser subjetiva, o que dificulta a quantificação precisa da IF em muitos sistemas complexos. Consequentemente, a medição da IF em sistemas biológicos reais pode ser inviável devido à vastidão do espaço de possibilidades funcionais. Críticos como Sara Walker, da Universidade Estadual do Arizona, questionam a testabilidade e a mensurabilidade do LIFI em sistemas biológicos do mundo real: “O que o experimento buscaria? Como seria controlado?” Hazen reconhece essa dificuldade, observando que o cálculo exato da informação funcional é frequentemente impossível, mesmo para uma única célula viva, embora a compreensão conceitual e a quantificação aproximada ainda sejam valiosas (Ball 2025). Esse debate em andamento ressalta os desafios teóricos e práticos na aplicação ampla do LIFI.

O trabalho de Meyer (2009), por exemplo, postula a necessidade de um agente externo para criar ordem em sistemas complexos, uma visão que a LIFI desafia ao demonstrar a emergência natural da complexidade.

Embora haja evidências experimentais sólidas em vida digital, a aplicação universal da LIFI a sistemas biológicos naturais ainda é objeto de debate na comunidade científica, com desafios metodológicos e conceituais a serem superados.

A LIFI vai ainda gerar muito debate dentro da biologia e da teoria da informação. Adami, por exemplo, diverge do paradigma do “gene egoísta” de Richard Dawkins (1976), que foca na replicação do gene como unidade central da evolução, preferindo uma evolução centrada na informação que quantifica a complexidade e a funcionalidade emergente. Ele também argumenta que as “paisagens de aptidão” neo-darwinianas são insuficientes para descrever os vastos e multidimensionais espaços evolutivos, defendendo a superioridade de estruturas informacionais para esse fim. Embora com alguma simpatia pela Teoria da Complexidade de Stuart Kauffman (1995), Adami insiste na necessidade de medidas de informação quantificáveis em vez de abordagens meramente qualitativas.

Essa postura crítica não impede o diálogo construtivo. A LIFI se posiciona, ainda, como uma resposta direta às alegações do “design inteligente”, demonstrando como a complexidade e a informação funcional podem surgir naturalmente de processos estocásticos combinados com seleção. Ademais, esse conceito entra em debate com pesquisadores como Jeremy England (2015), questionando se apenas princípios termodinâmicos, como a adaptação impulsionada pela dissipação, são suficientes para explicar o crescimento da informação na vida.

Uma aplicação seria a integração à la ‘Plaything’ entre cérebro e inteligiência artificial. A interface cérebro-computador (BCIs, sigla para o termo Brain-Computer Interface) desenvolvida pela empresa Neuralink representa um salto evolutivo, onde a seleção mediada por tecnologia acelera drasticamente o crescimento da informação funcional em sistemas híbridos humano-artificiais. Enquanto ‘Plaything’ explora a evolução autônoma de inteligências artificiais em ambientes simulados, a Neuralink materializa essa dinâmica no mundo real, criando um novo paradigma para a LIFI. Nesse cenário, a fronteira entre seleção natural e artificial se dissolve, assim como os limites entre biológico e digital. Isso pode acelerar o crescimento da informação funcional em sistemas híbridos, onde a seleção artificial (via BCIs) substitui a lenta seleção natural. O que era ficção torna-se laboratório vivo, testando os princípios da LIFI em sistemas conscientes e aumentados. A evolução passaria a se tornar um diálogo entre mente humana e máquina.

Para ponderar

A LIFI é uma proposta teórica interessante. Sendo um modelo teórico que dialoga tanto com a biologia evolutiva e a teoria da informação, é sustentada por evidências em simulações digitais e exemplos biológicos, incluindo a “evolução mineral” e a “nucleossíntese estelar”, conforme destacado por Wong et al. (2023). Temos nela um avanço significativo na tentativa de unificar conceitos de complexidade e inovação sob uma perspectiva quantitativa. Contudo, os desafios relacionados à definição e mensuração da informação funcional em sistemas biológicos complexos mantêm a LIFI como um campo ativo de pesquisa e debate na ciência.

O que fascina é que a LIFI sugere que a vida, em vez de ser um plano pronto, é como um jogo onde a informação útil (aquela que faz alguma coisa, como um DNA que sabe como construir um olho) está sempre aumentando. E a cada aumento significante, se autoarranja. Esse modelo demonstra como isso acontece naturalmente, sem que alguém precise dar as instruções de fora. Para quem estuda a vida, a LIFI ajuda a entender como as espécies criam coisas novas e se adaptam. Para quem gosta de ciência da computação, ela mostra como a ordem pode surgir do que parece ser pura bagunça.

Ao imaginar futuros possíveis como o de ‘Plaything’, não apenas especulamos sobre o destino da inteligência artificial, mas também testamos os limites das leis naturais que governam a emergência da ordem no universo. A LIFI não é apenas uma hipótese científica: é uma tentativa de descrever o que há de mais básico e universal em todos os processos evolutivos — a lenta, mas inexorável acumulação de estruturas que funcionam. O conceito da LIFI levanta outras questões. Como distinguir aumento real de complexidade funcional de um mero crescimento quantitativo? Qual o papel da intencionalidade nos sistemas artificiais — e é legítimo falar em “função” em sistemas que não possuem consciência? Essas questões situam a LIFI na intersecção entre ciência, metafísica e ética. Teremos muito para debater pelos próximos anos.

SAIBA MAIS

Adami, Christoph. “What Is Information?” BioEssays: News and Reviews in Molecular, Cellular and Developmental Biology 24, no. 12 (December 2002): 1085–94. doi:10.1002/bies.10192.

Adami, Christoph, and Richard E. Lenski. “Evolutionary Dynamics of Digital Organisms.” Physical Review E 70, no. 3 (September 2004): 036109. doi:10.1103/PhysRevE.70.036109.

Ball, Philip. “A New Law of Nature Attempts to Explain the Complexity of the Universe.” Wired, June 8, 2025. https://www.wired.com/story/why-everything-in-the-universe-turns-more-complex/.

Carroll, Sean B. The Making of the Fittest: DNA and the Ultimate Forensic Record of Evolution. New York: W. W. Norton & Company, 2006.

Dawkins, Richard. The Selfish Gene. 40th anniversary ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. Original de 1976.

England, Jeremy L. “Dissipative Adaptation in Driven Self-Assembly.” Nature Nanotechnology 10, no. 11 (November 2015): 919–23. doi:10.1038/nnano.2015.250.

Hazen, Robert M. “The Emergence of Patterning in Life’s Origin and Evolution.” International Journal of Developmental Biology 53, no. 5–6 (February 2009): 683–92. doi:10.1387/ijdb.092936rh.

Hazen, Robert M., Patrick L. Griffin, James M. Carothers, and Jack W. Szostak. “Functional Information and the Emergence of Biocomplexity.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 104, no. 20 (May 15, 2007): 8574–81. doi:10.1073/pnas.0701744104.

Kauffman, Stuart A. At Home in the Universe: The Search for Laws of Self-Organization and Complexity. New York: Oxford University Press, 1995.

Lenski, Richard E., Charles Ofria, Robert T. Pennock, and Christoph Adami. “The Evolutionary Origin of Complex Features.” Nature 423, no. 6938 (May 8, 2003): 139–44. doi:10.1038/nature01568.

Meyer, Stephen C. Signature in the Cell: DNA and the Evidence for Intelligent Design. New York: HarperOne, 2009.

Szostak, Jack W. “Functional Information: Molecular Messages.” Nature 423, no. 6941 (June 12, 2003): 689. doi:10.1038/nature01700.

Wong, Michael L., Carol E. Cleland, Daniel Arend Jr., Stuart Bartlett, H. James Cleaves II, Heather Demarest, Anirudh Prabhu, Jonathan I. Lunine, and Robert M. Hazen. “On the Roles of Function and Selection in Evolving Systems.” Proceedings of the National Academy of Sciences 120, no. 43 (October 24, 2023): e2310223120. doi:10.1073/pnas.2310223120.

5 comentários em “A Lei do Aumento da Informação Funcional

Adicione o seu

  1. Meu nome é Argos Arruda Pinto, sou físico, e certa vez escrevi um livro de nome Sistemas e a Origem da Vida no qual dediquei um tópico ao qual chamei de Nível Funcional Sistêmico. Registrei o livro mas não publiquei. A ideia é essa mesmo da lei do aumento da informação funcional dos sistemas, para sistemas vivos e não vivos. Deixo o link deste tópico que está em um blog meu: https://argosarrudapinto.blogspot.com/2024/07/nivel-funcional-sistemico.html.

    Curtir

    1. Obgrigado por compartilhar suas ideias. Acabei de ler seu blog. A descoberta paralela e independente de um modelo similar para aumento de complexidade sistêmica é um indício forte de sua validade. Encorajo-o a publicar seu livro em uma editora acadêmica, visto a relevância.

      Curtir

      1. Prezado Leonardo Marcondes Alves,

        Obrigado pela ótima resposta.

        No meu livro Sistemas e a origem da vida eu me baseei em ideias antigas, principalmente das décadas de 80, 70 e menos ainda. Ele não contém informações sobre o RNA, DNA e a reprodução das espécies. Foi uma falha, admito, que, pela minha falta de experiência na época, deixei passar.

        Por isto eu o convido a escrever um artigo, um texto científico junto comigo pois você, tenho certeza, ampliaria as ideias do nível funcional sistêmico com relação à LIFI ou a quaisquer fatos relativos às duas.

        Mais uma vez obrigado.

        E-mail: argos.arruda.pinto@gmail.com

        Facebook:

        1 Argos Arruda Pinto – https://www.facebook.com/argos.arrudapinto

          2) Argos Arruda Pinto II – https://www.facebook.com/profile.php?id=100051349482885

          Curtir

    2. Ótima postagem. Não tinha visto nada em português acompanhando o avanço nessa área da complexidade. Gostei da abreviação LIFI.

      Adami utiliza a divergência de Kullback-Leibler (KL) para quantificar um conceito contraintuitivo da LIFI. Tradicionalmente, a segunda lei da termodinâmica nos ensina que, em um sistema isolado, a entropia — uma medida de desordem ou aleatoriedade — só pode aumentar. No entanto, a vida na Terra demonstra uma tendência oposta: um aumento notável em organização, complexidade e, crucialmente, informação funcional. Adami propôs que essa informação, ao contrário da entropia de Shannon (que mede a incerteza de uma distribuição de probabilidades), não está apenas presente, mas pode ser quantificada e, sob certas condições, aumenta direcionalmente.

      A Divergência de Kullback-Leibler (também conhecida como entropia relativa) é a ferramenta matemática que torna essa quantificação possível. Em sua essência, a KL divergence mede a diferença entre duas distribuições de probabilidade. Adami aplicou essa métrica para rastrear o ganho de informação em um sistema em evolução. Para ele, o processo evolutivo pode ser visto como uma transição de uma distribuição de probabilidade aleatória e sem forma para uma distribuição altamente estruturada e funcional.

      Considere uma população de organismos, como os vírus digitais em seus experimentos de vida artificial. Inicialmente, a distribuição das sequências genéticas (ou “códigos de vida”) é governada pelo acaso, uma distribuição de probabilidade a priori (P). Sob a influência da seleção natural — um ambiente que favorece certas características ou comportamentos funcionais — a população se adapta. As sequências mais “aptas” sobrevivem e se reproduzem, fazendo com que a distribuição de probabilidade mude significativamente. A nova distribuição, agora moldada pela função e pela aptidão, é a distribuição a posteriori (Q).

      É aqui que a divergência de Kullback-Leibler entra em cena. A fórmula D KL (P∣∣Q) calcula a “distância” informacional entre a distribuição inicial aleatória (P) e a distribuição final, funcionalmente otimizada (Q). Um valor alto de D KL (P∣∣Q) significa que o sistema se afastou consideravelmente de sua condição aleatória inicial. Em outras palavras, ele adquiriu uma quantidade significativa de informação funcional, ou seja, de informação que é útil para a sua sobrevivência e reprodução no ambiente dado.

      Não sentiram ainda o impacto do modelo da LIFI de Adami: não contradiz a segunda lei da termodinâmica; ela a complementa ao focar em um aspecto específico dos sistemas abertos. Enquanto a entropia total do universo continua a crescer, um subsistema local, como a vida, pode usar a energia de seu ambiente para criar e manter a ordem interna.

      Parabéns. Entender esse tópico já é desafiador. Conseguir explicá-lo como você fez, é brilhante.

      Curtido por 1 pessoa

    Deixe um comentário

    Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

    Um site WordPress.com.

    Acima ↑