O documentário Salesman (1969), dos irmãos Maysles, desafia expectativas e transforma nossa percepção de cinema e narrativa. Um marco silencioso no cânone do documentário americano, o filme captura os rituais diários e as decepções de quatro vendedores de Bíblias, explorando uma face do Estados Unidos esquecida dos anos 1960—um mundo distante da revolução contracultural, do flower power e dos mitos ofuscantes da prosperidade do pós-guerra. É os Estados Unidos – a “América” – dos homens de classe média em luta, vestindo um terno, batendo de porta em porta na esperança de fechar uma venda, onde cada rejeição pesa mais do que a anterior.

No centro do filme está Paul “The Badger” Brennan, um católico irlandês-americano de meia-idade de Jamaica Plain, em Boston. Brennan é a personificação de Willy Loman, o protagonista de A Morte de um Caixeiro-Viajante, de Arthur Miller: desgastado, autoconfiante apenas na aparência e agarrado a frágeis restos de esperança. Seus números de vendas estão em queda livre, assim como sua autoconfiança. Enquanto seus colegas — apelidados de the Rabbit, the Gipper e the Bull — seguem em frente com diferentes níveis de sucesso, Brennan tropeça. Suas histórias sombriamente humorísticas, mas dolorosamente autodepreciativas, sobre negociações fracassadas e clientes impossíveis acabam alienando até mesmo seus colegas. À medida que suas projeções de inadequação se tornam esmagadoras, ele se transforma no homem que os outros evitam—um lembrete do futuro precário que todos esperam não enfrentar.
Albert e David Maysles trazem ao filme um nível extraordinário de intimidade, em grande parte porque conheciam bem esse mundo. Antes de se tornarem documentaristas lendários, haviam trabalhado como vendedores de porta em porta, oferecendo escovas, enciclopédias e cosméticos. Essa experiência lhes deu uma perspectiva interna sobre a pseudo-intimidade, o charme forçado e o desespero silencioso que definiam a profissão. Armados com câmeras de 16mm, os Maysles se tornaram parte do discurso de vendas, entrando nas casas das pessoas sob o pretexto de documentar uma “história de interesse humano.”
O que torna Salesman revolucionário é sua recusa em editorializar. Não há narração, texto explicativo ou trilha sonora adicional—apenas os sons do ambiente capturado: o murmúrio das reuniões de vendas, o zumbido dos rádios de carro tocando Yesterday, dos Beatles, ou If I Were a Rich Man, de O Violinista no Telhado. Essa abordagem de cinéma vérité força o espectador a interpretar os eventos por conta própria, tornando a experiência ao mesmo tempo imersiva e inquietante.
O resultado é um filme que critica, com um poder silencioso, as obsessões mesquinhas do capitalismo: sua fetichização de status, sua exploração dos vulneráveis e o verniz de boa vontade que mascara seu coração transacional. Isso é mais evidente no próprio produto: Bíblias caras vendidas por um católico a famílias de baixa renda no cinturão da Bíblia protestante do Sul dos Estados Unidos. São artefatos comercializados com promessas de salvação espiritual em vez de melhorias materiais. Essas Bíblias são mais que livros; são símbolos da mercantilização da fé, relíquias destinadas a encarnar a piedade enquanto sobrecarregam seus compradores com dívidas.
Brennan e seus colegas estão presos a esse sistema, suas vidas dependendo da capacidade de explorar a fé e as aspirações dos outros. Eles não vendem apenas livros, mas esperança—uma esperança que parece cada vez mais vazia, até mesmo para eles. A desilusão crescente de Brennan é palpável, com seu otimismo outrora persistente se dissolvendo em resignação.
Selecionado para o Registro Nacional de Filmes em 1992 e preservado pelo Arquivo de Filmes da Academia em 2018, Salesman permanece um marco no cinema documental. Seu estilo cru e não adornado é ainda mais notável em uma era dominada por documentários narrativos e fortemente produzidos. O filme é tanto uma cápsula do tempo da América dos anos 1960 quanto uma meditação atemporal sobre ambição, fracasso e o desespero silencioso do sonho americano.
Assim como A Morte de um Caixeiro-Viajante, de Miller, ou Sucesso a Qualquer Preço, de David Mamet, Salesman desmascara o brilho da profissão de vendas para revelar seu núcleo brutal. Mas, ao contrário dessas obras de ficção, a obra-prima dos irmãos Maysles não tem atores, roteiro ou resolução satisfatória. O que tem é um retrato assombroso de um homem—e de uma profissão—à beira da obsolescência.
Em Salesman, cada batida na porta é um lembrete da resiliência—e da futilidade—da esperança. É uma história sobre as promessas que fazemos aos outros e, mais tragicamente, a nós mesmos. O fato de Salesman ainda ressoar mais de cinco décadas depois é um testemunho não apenas de sua arte, mas das questões duradouras que levanta sobre fé, comércio e o que significa, de fato, viver.

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