O mundo chocou-se com as imagens da recente publicidade da mortandade em massa do povo yanomami. Embora a reparação das perdas das vidas seja impossível, a resistência histórica dos yanomami dá um aceno de esperança.
Os yanomami são um povo de caçadores e horticultores de organização social tribal no norte da Amazônia. O isolamento genético, cultural e linguístico manteve-se por um milênio. Contudo, tiveram contato mais intenso com as sociedades de estado da Venezuela e Brasil a partir dos anos 1970, com avanços de colonizadores e de mineração em seus territórios.

Organização social
Entre 26 a 30 mil yanomami vivem em cerca de 200 aldeias circulares, onde moram por volta de 40 pessoas cada. Normalmente povos caçadores e coletores com agricultura subsidiária são altamente móveis e com parentesco um tanto simples. Não é o caso dos yanomami. Apesar de ter uma liderança relativamente informal e baseada no prestígio, as relações entre as famílias são complicadas e a segmentação social indica a posição do indivíduo dentro da família, aldeias e redes de contato.
Regras específicas e complexas de casamento entre primos cruzados e o dever do noivo prestar serviço à família da noiva geram obrigações e alianças. O tabu de o caçador, figura altamente respeitada, consumir sua própria presa leva à uma reciprocidade com outros caçadores.
Ainda que haja uma preferência pela endogamia em cada aldeia e família, essas alianças também refletem em um complexo de obrigações recíprocras e de trocas. Algumas aldeias acabam especializando na produção de um só produto, por exemplo, redes, para trocar com outras. Porém, essa especialização não gera uma indústria local.
A mentalidade Yanomami
A cosmologia yanomami é fundamentada na relação entre urihi, o ente vivo terra-floresta e o mundo dos não humanos. Um demiurgo, Omama, criou o mundo e o povo yanomai a partir da cópula com a filha do monstro aquático Tëpërësiki, senhor das plantas cultivadas. O demiurgo criou as normas sociais e os espíritos auxiliares ‘xapiripë. Um irmão ciumento de Omama, o malévolo Yoasi, impôs a morte e dos males do mundo.
Após o contato com os ‘brancos’, o temor pelas doenças invisíveis ampliou a dimensão da esfera do mal. Consequentemente, o povo yanomami evita contato com objetos dos grupos invasores, queimando-os ou destruíndo-os quando possível.
A atitude reativa dos yanomami contra a invasão de seus territórios, propagação de doenças e imposição de credos resulta em um estado de alerta. Em uma etnografia controversa, o antropólogo Napoleon Chagnon (1983) retratou os yanomami como um povo instrisicamente belicoso. No entanto, estudos posteriores demonstraram que não são menos ou mais violentos que outros povos, mas que a agressividade resulta das tensões impostas pelo avanço do colonialismo.
Os mortos são honrados com alta estima. Os corpos são cremados e parte das cinzas é incorporada nas sopas fúnebres. É inconcebível para um yanomami deixar um ente querido apodrecer na terra. Daí o terror de ter seus doentes deslocados para as cidades, amostras de sangue não serem retornadas, ou o acesso ao corpo negado.
Na ‘antropologia nativa’ dos yanomami, o ser humano é orientado pelo utupë (imagem). Por essa razão, o mundo não visível dos espíritos e dos sonhos são importantes, pois os sentimentos, os pensamentos e a volição ocorre nesse domínio (Limulja, 2022).
Contato e conflitos com as sociedades de estado
A montanhosa região da fronteira das bacias do rio Orinoco e Amazonas serviu para manter os yanomami isolados desde que ocuparam a área, provavelmente por volta do ano 1000 d.C. No século XVII houve as primeiras notícias dos europeus acerca desse povo. No século XIX cresceram e criando aldeias regiões vizinhas.
Missionários católicos e protestantes no final dos anos 1940 inciaram relações de contato permanente. No entanto, trouxeram também doenças para as quais os yanomami não possuiam defesas.
Nos anos 1970 os estados venezuelano e brasileiro deciram fincar a soberania nessa área, sem considerar os interesses da população local. A descoberta de ouro e outros minérios acarretou uma corrida de garimpeiros, cujo auge foi em 1987 quando teve mais invasores que habitantes locais. Uma onda de mortes por doenças, violência e prostituição forçada pesou sobre os yanomami.
Florestas destruídas (imagine o impacto para um povo cuja cosmologia concebe a floresta como sacra), poluição por mercúrio, degradação familiar, cooptação de indivíduos para a cultura “cristã” dos “brancos” pareciam selar o destino dos yanomami. Sem lideranças centralizadas e uma fronteira imposta sobre suas terras, a coisa parecia piorar.
O cenário era desolador, mas no anos 1990 emergiu uma estrutra de autonomia e amparo. Suas terras foram demarcadas, um território de quase 200 mil km2, tanto no Brasil quanto na Venezuela. Órgãos públicos e algumas entidades missionárias compromedidas com o bem-estar dos yanomami passaram a assistí-los, principalmente em questões de saúde. Organizações próprias e externas de pressão política e defesa de seus interesses e direitos também ganharam forças. Lideranças multiculturais e poliglotas, como Davi Kopenawa, levou o mundo conhecer as demandas de seu povo. A população cresceu. Talvez chegou a 35 mil yanomami antes da pandemia (c.19 mil no Brasil e 16 mil na Venezuela).
O cenário que parecia esperançoso começou a ruir. Políticas populistas e anti-indígenas nos dois lados da fronteiras foram detrimentais aos yanomami, com o avanço de garimpeiros, fazendeiros, proselitistas religiosos e outros invasores enquanto organizações voluntárias ou públicas de apoio enfrentaram impedimentos. (ROMERO 2008; Valente, 2021; Folha 2022).
Amparo pelo sistema de Direitos Humanos e Penal internacional
Depois de repetidas invasões, ainda em 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou a Resolução 35/2020, determinando medidas cautelares de proteção dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana. Os direitos desses povos correm risco de danos irreparáveis. (OAS, 2020).
Com a COVID e avanço de invasores ligados ao garimpo ilegal, a situação piorou. Apesar das denúncias e pedidos de socorro, pessoas na cadeia do garimpo e políticos coandunaram com os possíveis crimes de genocídio, omissão de socorro e de crime ambiental. Denúncias foram repetidas e apresentadas ao Tribunal Internacional Criminal de Haia. Contudo, com a abertura de processos na esfera brasileira — se for processado em tempo razoável, de forma justa — o sistema penal internacional considera que a justiça foi servida.
SAIBA MAIS
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH) publicou a Resolução 35/2020.
CHANGNON, Napoleon A. Yanomamö: The Fierce People. 3rd ed. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1983.
Yanomami: apuração de genocídio mira garimpeiro e político. Folha de São Paulo, 2022
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo, Companhia das Letras, 2015.
LIMULJA, Hanna. O desejo dos outros: uma etnografia dos sonhos yanomami. Ubu Editora, 2022.
ROMERO, Simon Romero, “Rain Forest Tribe’s Charge of Neglect Is Shrouded by Religion and Politics,” New
York Times, October 7, 2008.
TADDEI, Renzo. 2021. “Davi Kopenawa”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: https://ea.fflch.usp.br/autor/davi-kopenawa
VALENTE, Rubens. Garimpo ilegal aumentou 30% na terra Yanomami só em 2020.
Obrigado por est
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Obrigado pelo post. Informações valiosas para mim e para meus alunos.
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De nada. Espero ter ajudado.
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Com certeza. Vou levar para estudos de meus alunos do Ensino Médio.
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