Publicado em 24 de novembro de 1859, On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida), do naturalista britânico Charles Darwin (1809–1882), é indiscutivelmente um dos livros científicos mais importantes e influentes já escritos. Nele, Darwin apresentou uma teoria abrangente e meticulosamente argumentada para a evolução da vida, propondo a seleção natural como seu principal mecanismo e defendendo a ideia da descendência comum de todos os seres vivos a partir de ancestrais compartilhados. A obra revolucionou além da biologia, com um giro de implicações filosóficas e culturais.

Caminhos para a descoberta
Notavelmente, a teoria da evolução foi concebida de forma independente e quase simultânea por Charles Darwin e Alfred Russel Wallace. Suas trajetórias, embora distintas, compartilham extensas viagens, observações agudas da natureza e influências intelectuais semelhantes. Isso resulta em um dos mais célebres casos de descoberta paralela na história da ciência.
A jornada de Darwin rumo à teoria da evolução teve um marco inicial na sua participação como naturalista a bordo da expedição do HMS Beagle (1831-1836). Durante essa viagem ao redor do mundo, Darwin coletou espécimes e realizou observações que induziriam à teoria da evolução.
Nas Ilhas Galápagos, notou as variações sutis, porém significativas, entre espécies de tentilhões e pássaros-trocadores (mockingbirds) em diferentes ilhas. Tais variações indicavam adaptação a ambientes locais.
Na América do Sul, observou fósseis de animais extintos gigantescos (como preguiças e tatus) que se assemelhavam notavelmente às espécies menores que ainda viviam na região. A comparação entre o registro fóssil e as espécies vivas levam uma conexão ancestral facilmente discernível.
Suas observações geológicas, alinhadas às ideias de Charles Lyell, o convenceram de que a Terra era muito mais antiga do que se pensava e que passava por mudanças lentas e graduais ao longo de vastos períodos.
Após retornar à Inglaterra, Darwin foi influenciado pela leitura do Ensaio sobre o Princípio da População (1798) de Thomas Malthus. O demógrafo descrevia a luta pela sobrevivência resultante do crescimento populacional descontrolado diante de recursos limitados. Essa ideia forneceu a Darwin o mecanismo que faltava: em uma população com variações naturais, aqueles indivíduos com características mais vantajosas para sobreviver e se reproduzir em um determinado ambiente teriam mais descendentes, levando a mudanças graduais nas espécies ao longo do tempo – a seleção natural.
Apesar de ter esboçado sua teoria já em 1844 em um ensaio não publicado, Darwin hesitou em divulgar suas ideias revolucionárias, temendo a reação social e religiosa. Ele passou as duas décadas seguintes acumulando meticulosamente evidências, realizando experimentos (como a criação seletiva de pombos para estudar a seleção artificial) e refinando seus argumentos.
Wallace, um naturalista com menos recursos que Darwin, também empreendeu longas expedições de coleta. Esteve primeiro na Bacia Amazônica (1848-1852) e depois no Arquipélago Malaio (Sudeste Asiático, 1854-1862). Durante essas viagens, ele coletou milhares de espécimes e fez observações fundamentais sobre a distribuição geográfica das espécies.
Sua observação mais famosa foi a nítida divisão faunística entre as ilhas asiáticas e australianas no arquipélago malaio-indonésio. A hoje conhecida como a “Linha de Wallace” indica longos períodos de isolamento geográfico e evolução separada. É fascinante que animais parecem evitar cruzar essa linha.\
Wallace também estudou extensivamente fenômenos como mimetismo e adaptação em borboletas e outros animais, percebendo como as espécies se ajustavam finamente aos seus ambientes.
Assim como Darwin, Wallace foi impactado pelas ideias de Malthus sobre a pressão populacional e a luta pela existência, observando diretamente essa competição na natureza tropical. Em fevereiro de 1858, enquanto se recuperava de um acesso de febre em Ternate (atual Indonésia), Wallace teve uma epifania. Ele rapidamente redigiu um ensaio intitulado “Sobre a tendência das variedades de se afastarem indefinidamente do tipo o riginal” (On the Tendency of Varieties to Depart Indefinitely from the Original Type), que delineava essencialmente a mesma teoria da seleção natural que Darwin vinha desenvolvendo secretamente. Wallace enviou o manuscrito a Darwin, a quem admirava e com quem já se correspondia, sem saber da profundidade do trabalho prévio de Darwin sobre o mesmo tema.
A chegada do ensaio de Wallace em junho de 1858 foi um choque para Darwin. Percebendo a incrível semelhança com suas próprias ideias não publicadas e temendo perder a prioridade sobre uma teoria que desenvolvia há mais de vinte anos, Darwin consultou seus amigos influentes, o geólogo Charles Lyell e o botânico Joseph Hooker.
Para garantir justiça a ambos os naturalistas, Lyell e Hooker organizaram uma apresentação conjunta de seus trabalhos na Sociedade Linneana de Londres em 1º de julho de 1858. Foram lidos um extrato do ensaio de Darwin de 1844 e o artigo completo de Wallace de 1858. Esse evento histórico assegurou que ambos recebessem crédito pela descoberta da teoria, embora reconhecesse a primazia de Darwin no desenvolvimento mais longo e detalhado da ideia.
Alfred Russel Wallace demonstrou grande generosidade e humildade, reconhecendo a maior contribuição de Darwin e sua prioridade. Ele se tornou um dos mais ardentes defensores da teoria da evolução por seleção natural.
Estimulado pela apresentação conjunta e pela necessidade de apresentar seu vasto corpo de evidências, Darwin apressou-se em publicar sua obra-prima, Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural (On the Origin of Species), em 1859. O livro causou um impacto imenso e forneceu a argumentação detalhada e as evidências empíricas que convenceram grande parte da comunidade científica da validade da evolução.
Embora Wallace tenha permanecido um defensor do “Darwinismo”, ele posteriormente divergiu de Darwin em alguns pontos, notadamente ao argumentar que a evolução da mente humana e das faculdades superiores não poderia ser explicada apenas pela seleção natural, invocando a possibilidade de influências espirituais.
Tese Central: evolução por seleção natural e descendência comum
O livro articula duas ideias centrais interconectadas: evolução por seleção natural e descendência comum.
Evolução por seleção natural
As espécies não são imutáveis, mas mudam gradualmente ao longo do tempo. Esse processo de especiação ocorre porque existe variação herdável dentro das populações; mais organismos nascem do que podem sobreviver e se reproduzir (luta pela existência); e aqueles indivíduos com variações que lhes conferem alguma vantagem em seu ambiente específico têm maior probabilidade de sobreviver e deixar descendentes, transmitindo essas características vantajosas. Ao longo de gerações, isso leva à adaptação das populações ao seu ambiente e, eventualmente, à formação de novas espécies.
Descendência comum
Toda a diversidade da vida na Terra descende de um ou poucos ancestrais comuns, através de um processo contínuo de ramificação e modificação ao longo de vastos períodos geológicos. Isso contrasta diretamente com a visão predominante na época da criação especial e independente de cada espécie.
Resumo por Capítulos
Darwin estruturou A Origem como “um longo argumento”, desenvolvendo suas ideias passo a passo:
- Cap. 1: Variação Sob Domesticação: começa com o exemplo familiar da seleção artificial praticada por criadores de animais (como pombos) e plantas, demonstrando que existe ampla variação herdável e que os humanos podem selecionar e acentuar características desejadas ao longo de gerações.
- Cap. 2: Variação na Natureza: estende o argumento da variação para populações selvagens, mostrando que a variabilidade é onipresente e questionando a distinção rígida entre espécies e variedades bem marcadas.
- Cap. 3: Luta pela Existência: introduz a influência do pensamento de Thomas Malthus, argumentando que as populações tendem a crescer exponencialmente, enquanto os recursos são limitados. Isso leva a uma competição inevitável por sobrevivência e reprodução – uma “luta” que pode ser contra outros organismos ou contra as condições ambientais.
- Cap. 4: Seleção Natural: apresenta o cerne de sua teoria, definindo a seleção natural como a “preservação das variações favoráveis e a rejeição das variações prejudiciais”. Ele a compara à seleção artificial, mas operando na natureza de forma não direcionada e muito mais lenta. Menciona brevemente a seleção sexual como um componente.
- Cap. 5: Leis da Variação: discute as causas e padrões da variação, admitindo a ignorância sobre os mecanismos subjacentes (a genética mendeliana ainda era desconhecida). Aborda efeitos do ambiente, uso e desuso, e correlação de crescimento.
- Cap. 6: Dificuldades da Teoria: antecipa e aborda potenciais objeções à sua teoria, como a aparente ausência de fósseis transicionais, a origem de órgãos de “perfeição extrema” (como o olho), e a esterilidade de híbridos entre espécies. Oferece refutações baseadas na imperfeição do registro fóssil e na evolução gradual da complexidade.
- Cap. 7: Instinto: argumenta que comportamentos instintivos complexos (como a construção de colmeias pelas abelhas) também podem evoluir gradualmente por seleção natural, desafiando a ideia de que tais instintos exigiriam criação especial.
- Cap. 8: Hibridismo: analisa a esterilidade ou fertilidade reduzida de híbridos entre espécies, argumentando que isso não é uma barreira intransponível criada especialmente, mas sim uma consequência gradual da divergência reprodutiva.
- Cap. 9: Sobre a Imperfeição do Registro Geológico: explica porque o registro fóssil é inerentemente incompleto (devido a processos geológicos e de fossilização), justificando a escassez de formas transicionais, mas prevendo que mais seriam encontradas (como o Archaeopteryx, descoberto logo depois, em 1861).
- Cap. 10: Sobre a Sucessão Geológica dos Seres Orgânicos: mostra como o padrão de aparecimento e desaparecimento de espécies no registro fóssil (incluindo extinções) é consistente com um processo de descendência com modificação a partir de ancestrais comuns.
- Cap. 11 e 12: Distribuição Geográfica (Biogeografia): apresenta evidências da evolução baseadas na distribuição geográfica dos organismos. Espécies relacionadas tendem a ser encontradas em regiões próximas, e as faunas e floras de ilhas oceânicas (como os tentilhões de Galápagos) se assemelham às do continente mais próximo, mas com modificações locais.
- Cap. 13: Afinidades Mútuas dos Seres Orgânicos: argumenta que a classificação hierárquica natural dos organismos (como no sistema de Linnaeus) e as homologias (estruturas com a mesma origem evolutiva, como os ossos dos membros dos vertebrados) são melhor explicadas pela descendência comum de um ancestral compartilhado.
- Cap. 14: Recapitulação e Conclusão: reafirma os principais argumentos e linhas de evidência, concluindo com a famosa e eloquente passagem sobre a beleza e complexidade da vida (“banco emaranhado”) evoluindo a partir de leis simples atuando sobre a matéria.
Em edições posteriores, especialmente a 6ª de 1872, Darwin acrescentou um “Esboço Histórico” reconhecendo predecessores e respostas a críticas, incorporando, por exemplo, a frase “sobrevivência do mais apto” de Herbert Spencer).
Síntese de seus argumentos
Como Mecanismo da Seleção Natural, o livro baseia-se em três observações e uma inferência:
- Variação individual herdável;
- Luta pela existência (competição por recursos limitados);
- Sobrevivência e reprodução diferenciais (indivíduos com traços vantajosos deixam mais descendentes). Resultado: descendência com modificação (adaptação e mudança evolutiva).
Para as evidências para o suporte da teoria da evolução, Darwin reuniu evidências de campos diversos: biogeografia (distribuição de espécies), paleontologia (registro fóssil), seleção artificial (criação doméstica), anatomia comparada (homologias) e embriologia.
Reconheceu honestamente as limitações das evidências disponíveis (como o registro fóssil incompleto) e antecipou objeções científicas e filosóficas.
Impacto e controvérsia
A publicação de A Origem das Espécies desencadeou uma revolução científica e cultural. Embora Darwin já tivesse chegado às suas conclusões alguns anos antes, seu livro forneceu um mecanismo naturalista plausível para a evolução, unificando a biologia sob um único paradigma explicativo. Isso causou uma verdadeira revolução científica.
A obra desafiou interpretações historicizantes da criação bíblica e visões antropocêntricas sobre o lugar especial da humanidade na natureza. Assim, gerou intensos debates, como o famoso debate entre Thomas Huxley e o Bispo Wilberforce.
Antes de Darwin, o pensamento científico sobre a vida na Terra era dominado por visões que, embora sistemáticas, careciam de um mecanismo unificador para a mudança biológica. A classificação Lineana, por exemplo, organizava as espécies em uma hierarquia, mas pressupunha sua imutabilidade e criação independente. Georges Cuvier, um anatomista e paleontólogo, propôs o catastrofismo para explicar a extinção de espécies reveladas pelo registro fóssil. Defendia que catástrofes geológicas periódicas aniquilavam a vida em certas regiões, que depois eram repovoadas por migrações ou novas criações. No entanto, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck já havia proposto uma teoria evolutiva em 1809. O lamarquismo propunha que as espécies mudavam ao longo do tempo através da herança de características adquiridas – a ideia de que organismos podem passar aos seus descendentes traços desenvolvidos durante suas vidas (como um pescoço de girafa que se alonga pelo esforço e essa característica é herdada). Embora as ideias de Lamarck fossem um avanço por postular a evolução, faltava-lhes um mecanismo convincente e estavam enraizadas em uma teleologia interna.
Embora Darwin desconhecesse a genética, sua teoria da seleção natural foi posteriormente integrada com a genética mendeliana no século XX, formando a Síntese Evolutiva Moderna.
A Origem das Espécies permanece como um texto fundamental. Seus princípios são essenciais para a ecologia, fisiologia, medicina (e.g., evolução da resistência a antibióticos), agricultura e paleontologia. Suas ideias permearam a cultura ocidental, influenciando a filosofia, a ética e as ciências sociais, embora também tenham sido distorcidas e mal aplicadas (como no “Darwinismo Social”).
A Origem das Espécies é uma obra-prima de argumentação científica, apresentando uma teoria robusta e evidências convincentes para a evolução da vida por seleção natural e descendência comum. Sua publicação mudou para sempre nossa compreensão do mundo natural e nosso lugar nele. A beleza dessa visão é capturada na sua conclusão: “De um início tão simples, formas infinitas, as mais belas e maravilhosas, evoluíram e continuam a evoluir.”
SAIBA MAIS
DARWIN, Charles. (1859). On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (A Origem das Espécies).
DARWIN, Charles. (1844). [Ensaio não publicado, extrato apresentado na Sociedade Linneana em 1858].
WALLACE, Alfred Russel. (1858). On the Tendency of Varieties to Depart Indefinitely From the Original Type.
MALTHUS, Thomas Robert. (1798). An Essay on the Principle of Population.
LYELL, Charles. (1830-1833). Principles of Geology.

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