Émile Benveniste, embora talvez menos conhecido que Ferdinand de Saussure, foi um dos grandes pioneiros da linguística cuja obra expandiu profundamente a herança saussuriana. Benveniste avançou em questões sobre a subjetividade, o discurso e a intrínseca relação entre linguagem e cultura, consolidando seu lugar como um dos maiores pensadores da linguagem do século XX.

Nascido em Aleppo, na Síria, em 1902, Benveniste construiu uma carreira acadêmica na Sorbonne, em Paris, sob a tutela de Antoine Meillet, uma figura de proa na linguística indo-europeia. Inicialmente dedicado à gramática comparada, Benveniste logo voltou sua atenção para questões mais amplas sobre a linguagem como uma força dinâmica na constituição do sujeito e da sociedade. Ocupou cargos na École Pratique des Hautes Études e no Collège de France, tornando-se participante no desenvolvimento do estruturalismo francês.
Entre suas obras principais, destacam-se “Problemas de Linguística Geral” (1966, 1971) e “Vocabulário das Instituições Indo-Europeias” (1969), que exploram temas como dêixis, enunciação, categorias de pessoa e a história das ideias. Esses trabalhos inovadores destacam a linguagem como um sistema vivo, intrinsecamente ligado à experiência humana e às interações sociais.
Benveniste aprofundou a dicotomia saussuriana entre langue e parole, enfatizando a última como o espaço onde a criatividade e a subjetividade se manifestam. Para ele, a linguagem vai muito além de um sistema abstrato de regras: é um processo dinâmico e interativo em que o falante, ao enunciar, atribui sentido ao mundo e a si mesmo.
Parole e Criatividade: A Linguagem em Ação
A parole, para Benveniste, não se resume à mera aplicação de regras preexistentes da langue. Pelo contrário, é um ato singular e criativo, uma explosão de individualidade dentro da estrutura da linguagem. Cada vez que falamos ou escrevemos, refletimos nossas intenções, nosso contexto específico e nossa visão única do mundo. É por isso que, mesmo usando as mesmas palavras, podemos gerar significados tão diversos. Os falantes não são autômatos que seguem um manual; eles adaptam, subvertem e reinventam a língua a cada interação, impulsionando sua evolução com novas expressões, significados e estruturas.
Pense na riqueza da linguagem cotidiana: gírias que surgem em grupos específicos, expressões idiomáticas que desafiam a lógica formal, metáforas que abrem novas perspectivas. Esses fenômenos, nascidos da parole, demonstram a capacidade humana de moldar a língua às nossas necessidades e desejos, e acabam, muitas vezes, enriquecendo o léxico comum. Essa interação constante entre inovação individual e reconhecimento coletivo é o que evidencia a natureza viva e dinâmica da linguagem.
A Dimensão Social da Parole: O Diálogo como Essência
A parole é essencialmente dialógica, sempre direcionada a um outro, seja ele um interlocutor real ou o próprio falante em seu discurso interno. Essa característica relacional implica que o significado não é uma via de mão única, mas sim co-construído na interação. A linguagem é um espaço de encontro, de troca, onde os sentidos são negociados e compartilhados.
Benveniste demonstrou como diversos elementos linguísticos, como os pronomes pessoais, os tempos verbais e os marcadores de tempo e lugar (a chamada dêixis), ancoram a enunciação na experiência concreta do sujeito e na situação comunicativa. Os pronomes “eu” e “você”, por exemplo, só fazem sentido em um contexto específico de fala, assim como o “aqui” e o “agora”. Eles são como coordenadas que situam o falante e o ouvinte em um espaço e tempo compartilhados, evidenciando a intrínseca relação entre linguagem, subjetividade e interação.
Linguagem e Cultura: Um Abraço Inseparável
Benveniste também nos mostrou que a linguagem não é um espelho passivo que reflete a cultura, mas sim um agente ativo em sua construção. O vocabulário, a gramática e as estruturas discursivas de uma língua carregam em si as marcas da história, dos valores e das crenças de um povo. A língua francesa, por exemplo, com sua sintaxe precisa e seu léxico rico em nuances sociais, reflete a história de uma sociedade que valoriza a clareza e a distinção. Já o português brasileiro, com sua musicalidade e sua capacidade de incorporar influências diversas, ecoa a miscigenação e a fluidez de uma cultura em constante transformação.
Em seus estudos sobre as instituições indo-europeias, Benveniste analisou como termos como “rei”, “lei” e “contrato” codificam valores sociais fundamentais, perpetuando estruturas de poder e relações sociais. Ele nos mostrou como a linguagem molda nossa maneira de pensar e agir no mundo, influenciando nossa percepção da realidade e nossas interações com os outros.
No entanto, Benveniste rejeitou a visão determinista da hipótese Sapir-Whorf, que postula que a língua que falamos determina completamente nossos pensamentos. Para ele, embora a linguagem exerça uma influência inegável sobre nossa maneira de pensar, a capacidade humana de abstração nos permite transcender as limitações linguísticas e criar novos significados, expandindo os horizontes do pensamento e da expressão.
O Legado de Benveniste: Um Novo Olhar sobre a Linguagem
A obra de Émile Benveniste reverberou por diversos campos do conhecimento, como a linguística, a filosofia, a antropologia e a teoria literária. Seu conceito de enunciação abriu caminho para a análise do discurso, que investiga como a linguagem é usada em contextos específicos de comunicação, revelando as relações de poder e as estratégias de persuasão presentes nas interações sociais. Suas reflexões sobre a relação entre linguagem, identidade e cultura continuam a inspirar pesquisas e debates, consolidando seu lugar como um dos maiores pensadores da linguagem do século XX. Seu legado nos convida a explorar a linguagem em toda a sua complexidade, reconhecendo sua força criativa, seu poder social e sua capacidade de moldar nossa experiência humana.
SAIBA MAIS
BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I e II. Campinas: Pontes, 2006.
BENVENISTE, Émile. Vocabulário das Instituições Indo-Europeias. Campinas: Unicamp, 2010.

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