No Brasil, o inglês ocupa historicamente a posição de língua estrangeira de prestígio e utilidade global, não a de língua imigrante estrutural, como o alemão, o italiano ou o japonês. Ainda assim, em contextos específicos e delimitados, o inglês chegou a funcionar como língua comunitária, seja em enclaves empresariais, colônias agrícolas ou grupos religiosos altamente coesos. A análise desses casos revela que a sobrevivência — ou extinção — do inglês como língua minoritária depende menos do número absoluto de falantes e mais de fatores como isolamento social, coesão comunitária, endogamia e controle institucional da transmissão linguística.

Inglês urbano e assimilação precoce
Desde o século XIX, a presença inglesa no Brasil foi marcada por migração econômica e técnica, não por colonização demográfica. Engenheiros, diretores de companhias ferroviárias, banqueiros, donos de fábricas e consultores formaram enclaves profissionais em cidades como Rio de Janeiro, Recife e São Paulo. Essas redes mantinham língua, escolas e clubes em inglês, mas rara vez projetavam reprodução comunitária ampla — eram, em sua maioria, migrações ligadas a contratos ou investimentos.
Três fatores facilitaram a manutenção temporária do inglês nesses contextos. Uma delas foram a manutenção de instituições próprias (igrejas anglicanas, clubes, escolas bilíngues). Havia também a segregação social parcial (residências em vilas ou bairros fechados). Por fim, a relação profissional contínua com empresas britânicas. Entretanto, dois fatores explicam a subsequente perda do inglês como língua comunitária. Houve casamentos interculturais e maior sociabilidade com locais. Ademais, a integração econômica exigindo fluência em português para cargos administrativos regionais e sucessão de gerações nascidas/educadas no Brasil. Por isso, entre meados do século XIX e meados do XX, a transição para o português ocorreu em poucas gerações
Enclaves empresariais e desaparecimento completo
Casos como a mina de Morro Velho, em Nova Lima, e Fordlândia, no Pará, representam exemplos extremos de enclaves corporativos anglófonos. Neles, o inglês funcionava como língua administrativa e social entre expatriados, sustentado por segregação espacial e hierárquica. Entretanto, esses espaços não constituíam comunidades abertas nem tinham mecanismos de integração local. Com a nacionalização das empresas ou o fracasso dos projetos, os falantes partiram, e o inglês desapareceu por completo como língua viva.
O caso de Nova Lima, em Minas Gerais, constitui um dos exemplos mais duradouros e bem documentados dessa presença britânica. A partir de 1834, com a consolidação da St. John d’el Rey Mining Company, de capital inglês, a região de Morro Velho tornou-se um enclave técnico-industrial sob administração britânica. Durante o século XIX e início do XX, engenheiros, diretores e especialistas britânicos viveram em vilas planejadas, com hospitais, igrejas e escolas próprias. O inglês funcionava como língua administrativa e social entre os expatriados, enquanto o português predominava entre os trabalhadores locais. Apesar da longa duração da companhia, não houve um projeto de colonização linguística intergeracional. Com a nacionalização gradual das operações, a dispersão das famílias britânicas e a integração plena à sociedade mineira, o inglês desapareceu como língua viva. Há o famoso queca, um bolo oriundo dessa época. O notório aventureiro Richard Burton visitou a região em seu auge. O legado permaneceu nos edifícios, na igreja anglicana local, no urbanismo e na memória local, mas não na continuidade linguística.
Na Amazônia, Fordlândia representou uma tentativa mais radical de transplantar não apenas uma língua, mas um modo de vida inteiro. Fundada a partir de 1927 por iniciativa de Henry Ford, no sudoeste do Pará, a cidade foi concebida como uma utopia industrial voltada à produção de borracha. Casas de estilo suburbano norte-americano, hospitais, escolas, cinema e regras morais rígidas compunham o experimento. O inglês era a língua dominante nos espaços administrativos e familiares dos técnicos norte-americanos, enquanto trabalhadores brasileiros circulavam à margem desse universo. O fracasso agrícola do projeto, os conflitos culturais e a inadequação ecológica levaram ao esvaziamento progressivo da cidade, sobretudo após a década de 1940. Assim como em Nova Lima, o inglês não se transmitiu de forma sustentável, e Fordlândia permaneceu como ruína material e símbolo de um projeto modernizador descolado da realidade local.
Colonização agrícola e fracasso linguístico
Mais frágil ainda foi a experiência da Colônia Açungui (Assungui), em Cerro Azul, no Paraná, fundada entre as décadas de 1860 e 1870. Idealizada como colônia agrícola para imigrantes anglófonos, incluindo ingleses, irlandeses e confederados, a iniciativa baseou-se em promessas exageradas de terras férteis e infraestrutura inexistente. O isolamento geográfico, a precariedade das condições de vida e a ausência de apoio efetivo levaram ao rápido colapso do assentamento. Muitos colonos abandonaram a região em poucos anos, integrando-se a cidades próximas ou migrando novamente. Do ponto de vista linguístico, Açungui não deixou herança duradoura: o inglês não chegou a se consolidar como língua comunitária, permanecendo apenas como traço episódico em documentos e memórias regionais.
Os Confederados: um caso de bilinguismo prolongado
Em contraste, a migração dos confederados após a Guerra Civil dos Estados Unidos teve maior impacto demográfico e cultural. Entre 1865 e 1870, milhares de sulistas norte-americanos instalaram-se sobretudo no interior paulista, em localidades como Santa Bárbara d’Oeste, Americana e Piracicaba, buscando manter o estilo de vida sulista (escravocrata, diga-se de passagem) norteamericano. Essas comunidades trouxeram consigo práticas religiosas protestantes, sistemas agrícolas, associações comunitárias e o inglês como língua doméstica e litúrgica.
Durante várias décadas, o isolamento relativo e a endogamia permitiram a transmissão intergeracional do idioma. Contudo, ao longo do século XX, a escolarização em português, a urbanização e os casamentos mistos aceleraram a substituição linguística. Hoje, o inglês confederado sobrevive apenas como língua de herança residual, enquanto a memória do grupo se preserva por meio de festas, cemitérios e narrativas identitárias.
Trabalhadores caribenhos e apagamento linguístico
A imigração de trabalhadores barbadenses e caribenhos para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré no início do século XX introduziu no Brasil variedades do inglês caribenho e do crioulo ingl~es. No entanto, tratava-se de um contingente majoritariamente masculino, submetido a condições extremas de trabalho e mortalidade. A ausência de famílias, escolas e instituições comunitárias tornou impossível a transmissão linguística. O inglês desapareceu em uma geração, mas a herança caribenha permanece de forma demográfica, culinária e ritual, como no “Natal dos Barbados” em Porto Velho.
Menonitas canadenses: manutenção deliberada e contemporânea
Um caso distinto é o das comunidades menonitas de origem canadense instaladas no centro-oeste brasileiro, especificamente em Rio Verde, em Goiás, a partir da segunda metade do século XX. Diferentemente dos enclaves empresariais ou das colônias agrícolas fracassadas, essas comunidades organizaram-se com forte base religiosa e educacional. O inglês desempenha papel central no culto, no ensino formal e na produção textual religiosa, coexistindo com língua própria, como o plautdietsch, e com o português, utilizado nas relações externas. A manutenção do inglês nesses grupos não é resultado de isolamento passivo, mas de uma estratégia consciente de preservação cultural e linguística, sustentada por escolas próprias, normas comunitárias e um projeto de reprodução social de longo prazo.
Gilberto Freyre e os ingleses no Brasil
A leitura de Gilberto Freyre sobre a presença inglesa no Brasil ajuda a compreender por que o inglês nunca se enraizou amplamente como língua minoritária. Para Freyre, os ingleses não foram colonizadores demográficos, mas agentes de modernização econômica e cultural, atuando como enclaves de racionalidade, higiene e disciplina num país de matriz luso-tropical. Sua influência foi seletiva e elitizada, absorvida no plano dos hábitos, do consumo e das instituições, não da língua cotidiana. O inglês, nesse quadro, funcionou como língua do capital e da técnica, não da vida doméstica ou da miscigenação — condição fundamental para a sobrevivência linguística no Brasil.
SAIBA MAIS
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