O Petróleo é nosso! E não do Estado

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Os homens não fizeram a Terra…somente o valor das benfeitorias, e não a terra em si, é propriedade individual… cada proprietário deve à comunidade um pagamento pela terra que detém. Thomas Paine. Justiça Agrária.

Em 1948, o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo — grupo que reunia nacionalistas, comunistas, estudantes e militares — lançou, por meio de comícios e manifestações públicas, a Campanha do Petróleo. Essa mobilização tinha como objetivo reter os direitos de prospecção, extração, refino e distribuição desse recurso em um monopólio público. A campanha não era nova, tendo origem na cruzada quixotesca de Monteiro Lobato — que lhe rendeu maus bocados com Vargas —, promovida para buscar petróleo em território brasileiro, algo que alguns setores da sociedade queriam impedir.

O resultado foi a criação da semiestatal Petrobras, que por muito tempo deteve o monopólio de jure e ainda retém, na prática, o monopólio dessa riqueza natural. A Petrobras cresceu e se tornou um dos maiores empreendimentos brasileiros, líder em prospecção em águas profundas e audaciosa ao atingir e captar o petróleo da camada pré-sal no leito de nossos mares.

Agora que o bolo cresceu, não seria a hora de dividi-lo?

Após o ilustre ensaio de Thomas Paine citado na epígrafe, o conceito de georgismo ou geoeconomia foi desenvolvido pelo economista Henry George (1839–1897). O georgismo defende que cada indivíduo tem direito sobre sua criação (questão que precisa ser rediscutida hoje, diante dos novos meios de divulgação digital); porém, os recursos naturais pertencem a todos. Contra isso, ninguém pode argumentar: ninguém plantou o petróleo sob nossos pés, nem o ar ao nosso redor.

Os governos do Alasca e de Alberta aplicam esse princípio de Paine e George ao petróleo, por meio de programas de dividendo cidadão.

Nada mais simples: os lucros da produção petrolífera não se acumulam nas mãos de poucos enquanto a sociedade recebe apenas impostos ou taxas de concessão, além dos impactos sociais e ambientais irreversíveis. Em vez disso, os lucros são distribuídos diretamente para a população na forma de dividendo cidadão — cheques enviados no final do ano fiscal para cada residente do estado.

No Alasca, o lucro do petróleo é depositado no Fundo Permanente do Alasca (APF), que o distribui. Graças a essa renda extrativista, o Alasca é um dos raros estados onde não há imposto de renda estadual nem imposto sobre vendas, diferentemente de outros territórios dos Estados Unidos. Volta e meia, políticos do Alasca propõem usar o dinheiro do APF para cobrir despesas do estado, mas a Constituição estadual proíbe essa possibilidade, declarando os recursos naturais como bens do povo. No ano fiscal de 2008, cada cidadão do Alasca recebeu um cheque de US$ 3.269,00.

Outro exemplo dessa prática ocorre na província canadense de Alberta, onde cada cidadão recebe, em média, Can$ 860 anuais oriundos do dividendo cidadão do petróleo.

Diante do debate sobre o destino das novas jazidas petrolíferas nos mares do Brasil, agora é o momento de implantar um programa de dividendo cidadão. Todo cidadão brasileiro, sem distinção, receberia, ao final do ano fiscal, um cheque de igual valor. Para menores de idade, esse dinheiro seria depositado em um fundo de poupança, podendo ser sacado ao atingirem a maioridade. Isso representaria o exercício da soberania individual, permitindo que cada um decidisse o que fazer com sua parte.

A distribuição dos royalties do petróleo para todo o Brasil seria vantajosa tanto pelo controle do destino do lucro quanto por garantir que o benefício alcance gerações futuras. Afinal, o petróleo não se formou durante nossa vida, e as reservas não durarão para sempre. Parte da renda deveria ser reservada para garantir esse direito no futuro, por meio de fundos de investimento.

O naturalista romano Plínio, o Velho, dizia que a descoberta de riquezas naturais, como ouro ou prata, era uma desgraça para as nações. Esses recursos frequentemente geraram disputas que resultaram em guerras, injustiças forjadas pela avareza humana e destruição ambiental. Plínio estava certo. A história mostra vários “faroestes sem lei”: a corrida do ouro de 1849, Serra Pelada, os diamantes de sangue da África e as guerras do Golfo. Essa é a tragédia dos comuns, como na obra A Nova Califórnia, de Lima Barreto, em que uma sociedade se destrói por ganância irracional.

Mas não é apenas a descoberta de riquezas que gera conflitos e impactos universais. O acúmulo excessivo de dinheiro nos cofres públicos também conduz à corrupção. Foi o que ocorreu nos Estados Unidos após a Guerra Civil, quando o excesso de recursos acumulados pelo imposto de renda emergencial gerou disputas entre veteranos, estados do Sul e grupos ligados à reconstrução, culminando no governo Grant, lembrado como um dos mais corruptos da história americana.

Acredito que os indivíduos administram melhor seus bens do que o Estado.

Seria hipocrisia afirmar que “o petróleo é nosso”, mas mantê-lo sob controle estatal. Da mesma forma, seria paternalista alegar que o Estado deve administrar essa riqueza e negar ao povo a capacidade de geri-la. Se elegemos diretamente nossos administradores, somos também responsáveis o bastante para receber essa renda.

O fundo soberano da Noruega administra os rendimentos da exploração do gás e do petróleo desde os anos 1970. Com isso, evitou a “doença holandesa”, criou uma poupança nacional, diversificou investimentos globais e financiou causas humanitárias. Em um país que valoriza a distinção entre o privado, o público e o estatal, esse modelo demonstrou ser eficaz.

As consequências ecológicas da indústria de combustível fóssil poderiam ser mitigadas por essa prática. Uma porcentagem dos dividendos da Petrobras deveria ser aplicada em energia renovável e iniciativas de sustentabilidade, garantindo que futuras gerações também usufruam desse bem comum.

Socializar os ganhos é fazer justiça a uma população acostumada a socializar as perdas.

Saiba mais

ALASCA. Constituição do estado do Alasca. Artigo VIII

BRASIL. Emenda 387 ao Projeto de Lei nº 5.938 de 2009 (Emenda Ibsen)

HARTZOK, Alanna. Citizen Dividends And Oil Resource Rents A Focus on Alaska, Norway and Nigeriahttp://www.earthrights.net/docs/oilrent.html

LOBATO, Monteiro. O escândalo do petróleo e Georgismo e Comunismo. São Paulo: Editora Globo, 1948.

PAINE, Thomas. Agrarian Justice. 1795.

PLÍNIO, O VELHO. História Natural. Livro XXXIII.


Como citar esse texto no formato ABNT:

Citação com autor incluído no texto: Alves (2009)

Citação com autor não incluído no texto: (ALVES, 2009)

Referência:

ALVES, Leonardo Marcondes. O Petróleo é nosso! E não do Estado. Ensaios e Notas, 2009. Disponível em: https://wp.me/pHDzN-1 . Acesso em: 20 jul. 2020.

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