A França do fim do século XIX foi quando a confiança no progressismo tecnológico, na chauvinismo colonialista e na audácia da vanguarda artística contrastava com estética realistas na literatura e música. Nesse época, chamada fin-de-siècle, o poeta Paul Verlaine (1844-1896) e o compositor Claude Debussy (1862-1918) combinaram uma perspectiva sentimental deslocada. No entanto, nada piegas. De suas mãos e mentes surgiram duas obras-primas que, embora distintas, ecoam uma a outra. O poema Clair de lune, parte da coleção Fêtes Galantes de Verlaine, musicada na peça homônima de Debussy, a terceira suíte de sua Suite Bergamasque, capturam a mesma luz prateada e a mesma melancolia suave, cada qual à sua maneira.
A peça para piano de Debussy, uma das mais famosas da música clássica, nasceu como parte de uma suíte maior, composta entre 1890 e 1905. Apesar da fama, o próprio compositor a considerava algo da juventude (como se ser jovem significasse imaturidade). A música de Debussy não conta uma história, mas pinta um quadro. Ela epitomiza o impressionismo musical, um movimento que ele próprio ajudou a definir. Assim como Monet usava pinceladas soltas para capturar a luz, Debussy usa harmonias fluidas e arpejos delicados para evocar uma atmosfera. É a música de uma tranquilidade que parece suspensa no tempo.
Debussy traduziu a poesia de Verlaine não em notas, mas em sentimentos. As harmonias sutis e o ritmo lento e ondulante da peça criam uma sensação de contemplação e nostalgia. Ela exige um toque extremamente delicado e um controle dinâmico preciso. A melodia principal, que surge após um início suave e etéreo, é ao mesmo tempo singela e profundamente tocante. O compositor constrói a peça com uma série de contrastes: o pianissimo inicial, os arpejos que fluem como água, e o clímax momentâneo que se dissolve novamente na calma, como se a nuvem passasse diante da lua. O pedal de sustentação não serve apenas para “ligar” as notas, mas para misturar harmonias, criar ressonâncias e dar uma sensação de fluidez e eteridade. Essa constante dança entre a luminosidade e a sombra transmite a Clair de lune sua beleza efêmera.
O poema de Verlaine, por sua vez, é um convite a um mundo de disfarces e melancolia. Os personagens são máscaras, “berceaux” (berços) e “guirlandas” que dançam sob o luar, mas a alegria aparente esconde uma tristeza profunda. Há um contraste entre a celebração e a solidão, entre a luz da festa e a lágrima que escorre sem que ninguém veja. O tom de Verlaine é ao mesmo tempo delicado e agridoce, um eco da tradição das festas galantes do século XVIII, mas com um toque de tristeza que é puramente moderno. Essa breve obra-prima do simbolismo, retrata a tristeza bela, sobre a ironia de uma felicidade que não se sente e a profundidade de um choro que é êxtase.
A canção de Debussy (sim, ele também musicou o poema), mostra uma conexão ainda mais direta. Embora a versão mais conhecida seja a instrumental para piano, a canção, composta em 1891, dá a voz direta aos versos. É uma interpretação mais íntima, quase confidencial. Se a peça para piano é a lua, vasta e distante no céu, a canção é a pequena luz do piano na sala, iluminando a melancolia de um rosto.
Ao se unirem, o poema e a música reforçam-se mutuamente. O poema dá a Debussy a melancolia e a beleza visual, enquanto a música de Debussy dá ao poema uma voz, um som para a tristeza bela que Verlaine descreveu. Ambos são monumentos à arte de evocar emoções sutis e complexas, sem jamais precisar dizer o que sentem.

Poema de Paul Verlaine
Votre âme est un paysage choisi
Que vont charmant masques et bergamasques
Jouant du luth et dansant et quasi
Tristes sous leurs déguisements fantasques.
Tout en chantant sur le mode mineur
L’amour vainqueur et la vie opportune,
Ils n’ont pas l’air de croire à leur bonheur
Et leur chanson se mêle au clair de lune,
Au calme clair de lune triste et beau,
Qui fait rêver les oiseaux dans les arbres
Et sangloter d’extase les fontaines,
Les grandes fontaines, sveltes parmi les marbres.
Uma tradução livre:
Sua alma é uma paisagem de eleição
Que vão mascarados e bergamascos encantando,
Tocando alaúdes e dançando e quase
Tristes sob seus disfarces fantásticos.
Enquanto cantam em modo menor
O amor vitorioso e a vida oportuna,
Eles não parecem acreditar em sua felicidade
E sua canção se mistura ao luar,
Ao calmo luar triste e belo,
Que faz os pássaros sonharem nas árvores
E as fontes soluçarem de êxtase,
As grandes fontes, esbeltas entre os mármores.

Deixe um comentário