Uma mulher apaixonante, disposta a correr riscos e romper com as normas. Meio heroína, meio vilã, a protagonista Carmen é um ícone feminista ao mesmo tempo que foi construída como um conto admonitório.
Insipirada na novela homônima de Prosper Mérimée (1803-1870), a ópera cômica Carmen, de Georges Bizet (1840-1875), debutou em 1875. Na época a opéra-comique de Paris atraía as classes médias em contraste à grand opéra voltada às classes mais esnobes. Mas a derradeira ópera de Bizet (que morreria naquele ano) conquistou todos os públicos. O conto de amor trágico da cigana ainda continua uma peça popular, uma boa introdução aos não iniciados na ópera, além de suas adaptações com o flamenco.
A novela de Mérimée (1845) é um registro erudito de sua viagem pela Espanha, mesclando observações etnográficas (com destaque sobre os ciganos), com o conto realista de amor trágico. Como em uma piscadela marota, a novela começa com uma misógena epígrafe em grego, do pouco conhecido filósofo alexandrino Paladas (séc. IV a.C): Pasa gyne cholos estin; echei d’agathas dyo horas, Ten mian enthalamo, ten mian enthanato, “Toda mulher é como o fel; mas tem duas horas boas: uma no leito, outra por ocasião da sua morte”. E termina com outro ditado clássico, en retudi panda abela macha, “em boca fechada não entra mosquito”. Em português temos a notável tradução de Mário Quintana, republicada recentemente pela Zahar.
A ópera reteve os motivos realistas da novela. Os personagens não idealizam o romantismo, nem são planos, mas humanos: um misto de vícios e sinceridade. Retrata soldados de baixa patente, ciganos, operários de fábrica e contrabandistas. Era a ralé da época em contraste com a família burguesa ou aristocrática que protagonizavam o romantismo. Também o papel da mulher, bem representado por Carmen, possui uma postura ativa, contrária aos folhetins água-com-açúcar da época. Ela seduz, conquista e dispensa seus amores. Ama, vive e morre livre.
DUAS ÁRIAS MEMORÁVEIS
Habanera, longo no início quando Carmen ameaça com seu amor fatal.
Que nul ne peut apprivoiser,
Et c’est bien in vain qu’on l’appelle
S’il lui convient de refuser.
L’un parle bien, l’autre se tait.
Et c’est l’autre que je préfère.
Il n’a rien dit mais il me plait.
Il n’a jamais jamais connu de loi.
Si tou ne m’aimes pas, je t’aime.
Si je t’aime, prends garde à toi!
Mais si je t’aime, si je t’aime, prends garde à toi!
Battit d’aile et s’envola.
L’amour est loin, tu peux l’attendre.
Tu ne l’attends pas, il est là.
Il vient, s’en va, puis il revient.
Tu crois…
Um fala bem, o outro se cala.
E esse é o outro que prefiro.
Não diz nada, mas gosto dele.
O amor! O amor! O amor!
O amor é um filho da boemia,
Ele nunca conheceu a lei.
Se você não me ama, eu te amo.
Se eu te amo, cuide-se!
Se você não me ama,
Mas se eu te amo, se eu te amo, cuide-se!
O pássaro que você achou surpreendente
bateus as asas e voou para longe.
O amor está longe, pode esperar.
Não espere por ele, ele está lá.
Tudo ao seu redor, rapidamente
Ele vem, vai e volta.
Você pensa …
El toreador introduz o orgulhoso Escamillo no Ato II.
Votre toast, je peux vous le rendre,
Señors, señors car avec les soldats
oui, les toréros, peuvent s’entendre;
Pour plaisirs, pour plaisirs,
ils ont les combats!
Le cirque est plein, c’est jour de fête!
Le cirque est plein du haut en bas;
Les spectateurs, perdant la tête,
Les spectateurs s’interpellent
À grand fracas!
Apostrophes, cris et tapage
Poussés jusques à la fureur!
Car c’est la fête du courage!
C’est la fête des gens de cœur!
Allons! en garde!
Allons! allons! Ah!
(Refrain ×2)
Toréador, en garde! Toréador!
Toréador!
Et songe bien, oui,
songe en combattant
Qu’un œil noir te regarde,
Et que l’amour t’attend,
Toréador, l’amour, l’amour t’attend!
Tout d’un coup, on fait silence,
On fait silence… ah! que se passe-t-il?
Plus de cris, c’est l’instant!
Plus de cris, c’est l’instant!
Le taureau s’élance
en bondissant hors du toril!
Il s’élance! Il entre, il frappe!…
un cheval roule,
entraînant un picador,
“Ah! Bravo! Toro!” hurle la foule,
le taureau va… il vient…
il vient et frappe encore!
En secouant ses banderilles,
plein de fureur, il court!
Le cirque est plein de sang!
On se sauve… on franchit les grilles!
C’est ton tour maintenant!
Allons! en garde! allons! allons! Ah!
(Refrain ×2)
Toréador, en garde! Toréador!
Toréador!
Et songe bien, oui, songe en combattant
Qu’un œil noir te regarde,
Et que l’amour t’attend,
Toréador, l’amour, l’amour t’attend!
L’amour! L’amour! L’amour!
Toréador, Toréador, Toreador!
O seu brinde, retorno a vocês,
Señores, Señores, pois com soldados
sim, toreros se dão bem;
pelos prazes, pelos prazes,
eles lutam.
O circo está cheio, é um dia de festa!
O circo está cheio, de cima ao piso;
A multidão fica louca,
A multidão disputa
com grande fervor.
Apóstrofe, gritos e barulhos
pressionam até o limite!
Porque se celebra a coragem!
É a celebração dos corações bravos!
Vamos! Em guarda! Vamos!
e braves of heart!
Vamos! Vamos! Ah!
CORO, bis
Toreador, em guarda! Toreador!
Toreador!
E veja bem, sim veja
como você luta
que um olho escuro lhe observa,
e que o amor lhe espera,
Toreador, amor, amor lhe espera!
Em um instante, todos estamos calados
estamos calados…Oh, o que está acontecendo?
Sem mais gritos, e é isso!
Sem mais gritos, e é isso!
O touro está correndo
pulando de seu cercado
Ele está aproximando! Está entrando, batendo!
Um cavalo está caindo
puxando um picador.
“Ah! Bravo! Toro!” grita a multidão.
O touro continua…ele vem…
ele vem, atacando uma vez mais!
Tremulando sua banderilla,
cheio de ira, ele corre!
o circo está cheio de sangue!
Fugimos…vamos passar os portões!
Agora é sua vez!
Vamos! Em guarda! Vamos! Vamos! Ah!
CORO, bis
Toreador, em guarda! Toreador!
Toreador!
E veja bem, sim veja
como você luta
que um olho escuro lhe observa,
e que o amor lhe espera,
Toreador, amor, amor lhe espera!
Amor! Amor! Amor!
Toreador, Toreador, Toreador!
SINOPSE
ATO I: Em Sevilha, no sul da Espanha, a jovem Micaela indaga entre os soldados sobre seu amor, Don José. Logo, um grupo de enroladoras de cigarros saem da fábrica, dentre elas a sedutora Carmen. Don José promete seu amor a Micaela enquanto sente tentado por Carmen. A passional cigana fere uma colega da fábrica e Don José recebe a ordem de prendê-la, mas cede aos seus encantos e a deixa escapar.
ATO II: Carmen e suas amigas Frasquita e Mercedes se entretém com alguns soldados em uma estalagem enquanto espera Don José. Insinuante, Carmen provoca o soldado Zuniga e o toureiro Escamillo. Quando Don José chega, ela dança com ele e o incita a abandonar a farda e juntar-se aos contrabandistas.
ATO III: No covil dos contrabandistas, Don José teme que sua deserção desaponte sua mãe, a qual o imagina um homem honrado. Nas cartas do baralho, Carmen recebe o vaticínio: um final trágico para ela e Don José. Quando os ciganos saem a contrabandear, Micaela sobe à montanha do esconderijo atrás de Don José. Ela se esconde mas não está sozinha. Escamillo também vai à montanha em busca de Carmen e enfrenta Don José. Micaela convence o soldado a voltar com ela.
ATO IV: Na tourada Carmen chega acompanhada de Escamillo. Apesar das advertências de Mercedes e Frasquita, Carmen se encontra com Don José. O ex-amante desesperado pede-lhe que fuja com ele. Ele o desdenha lançando fora o anel. Enquanto a multidão vibra com a tourada, Don José mata Carmen.
SAIBA MAIS
Libretto em francês por Henri Meilhac e Ludovic Halévy. @opera.stanford
MERIMÉE, Prosper. Carmen e outras histórias. Edição comentada. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. Versão em inglês.
Gostaria que comentasse também o fascínio que Nietzsche teve pela ópera Carmen, em rejeição às obras do seu antigo mestre Richard Wagner.
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