O que caracteriza as sociedades pastoralistas é a dependência de seus rebanhos para nutrição, transporte, abrigo e vestuário, além de matéria-primas. A domesticação de animais começou paralelamente com o desenvolvimento da agricultura e horticultura entre 15.000 e 5.000 a.C. em várias partes do mundo.
Com a capacidade de os animais consumirem plantas impróprias ao consumo humano, os povos pastoralistas conseguem se adaptar em diversos ambientes. Assim, vivem em ambientes desérticos, como os beduínos, pastos como os gaúchos dos pampas platinos, vegetações de montanha como os agotes dos pirineus, florestas árticas como os criadores de rena sami ou florestas tropicais como os criadores de porcos da Papua e Melanésia. Com a capacidade de conservação de laticínio e embutidos, o consumo (e trocas) de produtos alimentícios é postergado, permitindo o acúmulo de bens e a estratificação social.
Organização social dos povos pastoris
Similar às sociedades de bando, as sociedades pastoralistas tendem a serem numericamente pequenas — entre 50 a 200 indivíduos por comunidade — e a adotar um nomadismo ou seminomadismo em busca de recursos. Porém, como as sociedades agrárias, são socialmente diferenciadas, com hierarquias ou linhagem determinando o status do indivíduo e a qualidade e quantidade do rebanho servindo como medida de afluência. Tecnologicamente são mais complexas e mais próximas às sociedades agrárias que às de coletoras-caçadoras.
A propriedade pessoal ocorre quanto aos animais. Ainda que revele elementos de uma propriedade privada, a propriedade do rebanho enquanto uso e usofruto pertence a todos de uma unidade familiar. Todavia, há o direito de dispor dos animais pelo indivíduo, embora mediado por estritas regras de trocas e reciprocidade. Como dificilmente os animais são mortos para o consumo individual, os laços de reciprocidade são intensos, com trocas entre unidades familiares ou redistribuição por meio de festividades. Com a possibilidade de acúmulo e transporte, os artefatos físicos também são considerados propriedades pessoais. Os direitos de passagem, de servidão, principalmente para o acesso às fontes vegetais e à água para alimentação animal são instituições importantes, mais mesmo que a posse sobre um dado território.
Tipicamente são organizadas como sociedades tribais. Nelas, os líderes tendem a serem os mais velhos, exercendo o poder por tradição e persuasão. Os membros mais influentes — idosos, patriarcas e matriarcas, donos de maiores rebanhos — formam concílios informais representando as unidades familiares nucleares e extensas. Como há herança e legado de bens, os povos pastoralistas tendem a ser linhageiros, ou seja, a genealogia ou clãs contam muito no ordenamento das relações sociais, havendo a tendência de organização em linhagem patrilinear. Quem não tem filiação social com uma linhagem ou clã, é um destituto marginalizado, especialmente se não possuir gado. Em razão disso, as escolhas para o casamento são bem ponderadas. Raramente as mulheres possuem gado e, consequentemente, a mesma participação social, econômica e política que o homem, ocorrendo poliginia. Normalmente há o “preço da noiva” ou o serviço-do-noivo pago pela família do noivo à família da noiva.
Trocas sociais e de gado ocorrem em feiras e centros festivos. O guérewol do povo wodaabe no Sahel central e rodeios são exemplos dessas feiras, as quais servem para flerte e arranjar casamento, negociar animais e produtos derivativos. Com esses intercâmbios e alta mobilidade, as sociedades pastoris foram responsáveis por uma rápida dispersão humana. Supõe-se que os antigos povos indoeuropeus ao adotar o pastoralismo migraram rapidamente, ocupando desde a planície do Ganges e Indus até a península Ibérica. Similarmente, os povos bantu expandiram formando estados pastoris desde o Lago Vitória até a nação Zulu na África do Sul. Como o gado pode ser em si uma moeda (moeda em latim, pecunia, tem raiz no indoeuropeu, *péḱu, gado), o pastoralismo serviu para organizar incipientes mercados e o comércio. Não é de se admirar que os impérios das estepes da Ásia Central ocuparam importante papel na Rota da Seda.
As normas sociais seguem dois pesos e duas medidas. Embora haja respeito pelo forasteiro de passagem, as normas de cooperação e cortesia são reservadas para seus semlhantes, com agressividade em relação ao estranho. Geralmente, conflitos (ou roubos) dentro das comunidades são resolvidas de modo conciliatório, mas os conflitos e roubos com agentes externos resultam em atividades de guerra na qual todos os membros de uma linhagem ou clã teriam de participar. A atividade de guerreiro são alternativas aos homens jovens que ainda não possuem gados próprios.
Pastoralistas e as sociedades de estado e as sendetárias
Nem todos os pastoralistas estão organizados em tribos. Algumas sociedades pastoralistas, como os tuaregues do Sahara estão organizadas em chefaturas, enquanto poucas, como os kanatos turcos e mongóis desenvolveram estruturas de estado nas estepes da Ásia Central. Outras sociedades se tornaram pastoralistas com o contato com sociedades de estado, como ocorreram na introdução do cavalo entre os nativos da planície norte-americana no século XVII e a domesticação de renas pelos sami no século XV na Fenoescandinávia. Dentro de socidedades de estado também ocorre a existência de sociedades pastoralistas, como a chamada “civilização do couro” descrita por Capistrano de Abreu e Darcy Ribeiro na expansão dos criadores de bovinos e caprinos sertões do Brasil central e Nordeste.
A tensão entre as sociedades sedentárias e as pastoris é epitomizada na narrativa de Caim (agricultor) e Abel (pastor). A disputa por recursos comuns, a concepção diferente de posse e propriedade de territorialidade levam a constante tensões entre povos agricultores e pastoris. Foi assim entre os cowboys de Fort Worth e os algodoeiros de Dallas, entre os hicsos e os egípcios, entre os acadianos e os sumérios. No geral, as sociedades sedentárias tendem a prevalecer, embora os povos pastoris tendem a dominar técnicas e organizações bélicas. Com o surgimento de cercas e da privatização da terra, as tensões entre pastores e agricultores tendem a aumentar.
Variações do pastoralismo
O pastoralismo nômade ou nomadismo contínuo aproveita com efiência os recursos. Tipícos de estepes, desertos, campinas e pradarias, os pastores vivem em função dos rebanhos, acompanhando-os em busca de pastagens e água. Há vários grupos étnicos na Mongólia, Niger, Chad, Sudão, Etiópia, Somália, Quênia e Tanzania que vivem nesse sistema.
Menos sendentárias, uma forma mais comum de pastoralismo é o seminomadismo cíclico ou a transumância. É praticada por diversos povos, desde os navajos até os vaqueiros de alzada na Espanha. Nesse sistema, há estações permanentes e os pastores acompanham os rebanhos conforme as estações do ano. Geralmente desenvolvem-se a partir de rotas cíclicas dos próprios animais de rebanhos nômades.

Algumas sociedades agricultoras e horticulturas possuem um componente pastoralista. Nesse caso, desenvolvem um agropastoralismo ou silvopastoralismo. É o caso dos mapuche e dos povos criadores de lhamas dos Andes, dos faxinais da Floresta de Araucária do Brasil. Nesse sistema, os animais pastam entre árvores ou campos comunais. Essas sociedades tendem a serem mais sendentárias, mudando-se somente quando a pressão demográfica, pressão de outros grupos ou exaustão de recursos forçam seus deslocamento.
Por fim, há o pastoralismo sedentário. É realizado na forma de fazendas ou campesinato, seja na criação extensiva quer na intensiva, de uma só espécie animal e voltada para abstecer sociedades urbanas. Assim, não se trata de um modo de subsistência com dependência do pastoralismo, mas de diferentes graus de integração com o mercado. Ocorre hoje em boa parte do mundo, em sociedades de estado, com a privatização da terra, embora em várias sociedades, como no Brasil, os corpos de água correntes são tidos como comuns.
Filme Grass: A Nation’s Battle for Life (1925), um dos clássicos do documentário etnográfico. Feito por Merian C. Cooper, Ernest Schoedsack e Marguerite Harrison registra a migração sanzonal dos bakhtiari nos montes Zagros, região fronteiriça entre a Anatólia, Mesopotâmia e Irã.
OUTROS MODOS DE SUBSISTÊNCIA
- Caça e Coleta
- Horticultura
- Agricultura
- Industrialismo
SAIBA MAIS
SALZMAN, Philip C. (1967) “Political Organization among Nomadic Peoples”
Proceedings of the American Philosophical Society 111:115-131.
Em “Uma história da Guerra” o historiador militar Keegan considera que algumas tradições guerreiras importantes, como a do império Mongol, e o próprio uso da cavalaria surgiram de povos pastores. Segundo ele, a habilidade de manobrar manadas foi útil no desenvolvimento de habilidades táticas e as práticas de abate na intimidade com armas e violência. O que oferecia uma vantagem frente aos povos agricultores. Qual a sua opinião sobre a idéia?
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Faz muito sentido. Exceto os Ladakhi do Himalaia ocidental e alguns grupos de criadores de llama e alpaca do sul dos Andes, praticamente todas as sociedades pastoralistas são guerreiras.
A capacidade de coordenação, o sentimento de posse, o interesse na defesa de um bem facilmente dispersível, a mobilidade são elementos táticos que se traduzem em uma mentalidade bélica.
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Interessante, supondo que as comunidades que vc citou são muito isoladas, elas são as exceções que confirmam a regra.
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