Nisbet: A tradição sociológica

Nisbet

NISBET, Robert. The Sociological Tradition: Durkheim, Marx, Weber, Rousseau, Hegel, Austin, Comte, Simmel de Toqueville, le Play. New York: Basic Books, 1966.

A obra do sociólogo e historiador das teorias sociais Robert Nisbet (1913 —1996) combina a capacidade de síntese, ainda que com pouca originalidade, com a capacidade de análise, expondo conceitos de modo inteligente. Esse estudo, junto ao Quatro Tradições Sociológicas de Randall Collins e As etapas do pensamento sociológico de Raymond Aron, é um panorama básico das ciências sociais. Nela, Nisbet esboça um apanhado crítico das principais ideias sociológicas, seus autores e o contexto nas quais emergiram.

Evitando o foco biográfico ou a redução das ideias sociais a um catálogo de teorias, Nisbet se dispõe a escrever uma história das ideias em The Sociological Tradition, sem ainda uma edição em português. Distinguindo entre história das ideias e história da filosofia, o autor emprega instrumentos conceituais próprios para explicar os sistemas de ideias elementares que fundaram a incipiente sociologia entre 1830 e 1900. Ao invés de delimitar conceitos, o autor apresenta cinco dessas ideias em contraste, a saber:

  1. Comunidade x Sociedade
  2. Autoridade x Poder
  3. Status x Pertença de classe
  4. Sagrado x Profano
  5. Alienação x Progresso

O autor restringiu essas ideias elementares que perfazem o núcleo da tradição sociológica. Com os critérios de generalidade, durabilidade, características e consistência as ideias elementares da sociologia seriam temas comuns discutidos em contraste por pensadores como Alexis de Tocqueville (1805—1859),  John Austin (1790—1859), Auguste Comte (1798—1857), Émile Durkheim (1858—1917), Max Weber (1864—1923), Georg Simmel (1858—1918), Karl Marx (1818 — 1883), Frédéric  Le Play (1806-1882) e Ferdinand Tönnies (1855 —1936).

Para situar as posições políticas desses pensadores do século XIX, Nisbet propôs uma análise tripartite entre o liberalismo, o radicalismo e o conservadorismo. Esse subproduto de sua análise das ideias sociológicas provou ser um espectro simples, porém elegante, que foge do reducionismo entre esquerda x direta. Conforme o autor:

  • Liberalismo: ideologia centrada no indivíduo, na livre iniciativa e na afirmação dos direitos políticos (e mais tarde, nos direitos sociais). Veio a calhar com a urbanização e revolução industrial. Moderado, aceitava reformar as instituições até o ponto que permitissem o maior gozo da liberdade individual. J.S. Mill foi o expoente máximo dessa linha de pensamento social no século XIX.
  • Radicalismo: conjunto de ideologias que desde Rousseau e Marx visam transformar drasticamente as instituições, reabilitando o homem. Tanto movimentos messiânicos-milenaristas quanto utopias laicas caracterizaram-se por esse radicalismo.
  • Conservadorismo: ideologia centrada na tradição, no pacto burkeano “entre os mortos e os vivos”, valorizando a comunidade, a família patriarcal, a hierarquia e a religião institucionalizada.

Ainda que destinada a analisar pensadores do século XIX, essa tríade ainda tem um valor descritivo para os dias atuais. Interessante notar que Nisbet situou os radicais próximos aos conservadores, visto o desdém compartilhado contra os avanços da Revolução Industrial. Por outro lado, radicais e liberais não se conformavam com as desigualdades sociais, embora os primeiros buscassem uma isonomia material enquanto os últimos uma isonomia formal. Por fim, liberais e conservadores se aproximavam para defender principalmente os benefícios da propriedade privada.

A emergência das ideias elementares e da própria sociologia fundamenta-se no pensamento contra-revolucionário e anti-iluminista (exceto pelos radicais, obviamente) em revolta ao individualismo da época. O individualismo utilitarista negava a relevância do social, reforçando os valores forjados em consequência da revolução industrial. As transformações políticas, econômicas, tecnológicas e urbanas demandaram explicações coerentes tanto como meio de entendimento quanto como ideologia.

Embora haja radicais, liberais e conservadores que reclamem o legado de Nisbet, ele próprio evitava a direita e a esquerda (NISBET, 2007, p.11). Sendo um intelectual fruto de Berkeley e de Columbia, ainda que com um ideal de um pluralismo conservador seletivo, Nisbet mantém-se como uma espécime rara de se classificar. Por essa razão, o conjunto de teorias políticas comunitárias pareça descrevê-lo melhor.

Para Nisbet, o Estado seria responsável pela fragmentação social. Com essa super-instituição tomando o papel das comunidades locais, enfraqueceram-se as organizações de base. O individualismo esposado pelo Estado —centrado em direitos e liberdades — isolaria a pessoa, alienando-a de uma tradição. Com essas ideias, o pensamento político de Nisbet integra-se ao comunitarismo, um movimento político-filosófico difuso que reúne autores (majoritariamente norte-americanos) como Alasdair MacIntyre, Michael Sandel, Charles Taylor, Michael Walzer, Amitai Etzioni, Robert Bellah e Phillip Blond, dentre outros.

Com sua escrita que soma conceitos elementares da sociologia e seus expoentes postos em contexto, Nisbet consagrou-se como um “meta-sociólogo”.

SAIBA MAIS

NISBET, Robert.  The Quest for Community: A Study in the Ethics of Order and Freedom. 1953.  Mais tarde renomeado Community and Power, esse ensaio de Nisbet foi apreciado por radicais, liberais e conservadores, pela oposição ao crescimento alienante do Estado durante e após as guerras. Baseado em Tocqueville, o autor defende o fortalecimento da vida comunitária diante do Estado. Inspirou muitos intelectuais de diversas posições políticas nas campanhas pelos direitos civis, fim do serviço militar obrigatório durante a Guerra do Vietnã.

NISBET, Robert. Os filósofos Sociais. Brasília: UnB, 1982 [1973]. Nisbet atribui como principal razão para o “milagre grego” — o excepcionalismo ateniense — às reformas de Clístenes (séc.IV a.C.) que diluiu o poder patriarcal em benefício da polis. Com essa mudança, os gregos foram capazes de não só expandirem, mas também enfrentarem os persas.

NISBET, Robert. História da Idéia de Progresso. BrasíliaUnB, 1983  [1980].

NISBET, Robert. O conservadorismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1987. Obra centrada principalmente em Burke como o ideal do pensamento conservador.

NISBET, Robert A. The social bond: An introduction to the study of society. Knopf, 1970. Livro-texto de sociologia para graduação e pouco citado como modelo teórico, mas seu conceito de entropia social — processos comportamentais com uma qualidade negativa emergindo em oposição às normas, papéis e autoridade constitui uma ordem social — representa uma rara aplicação da teoria da termodinâmica à fenômenos sociais.

NISBET, Robert. A mudança social. Tradução de Eugenia Flavian. Londrina: UEL/Instituto de Humanidades, 2007 [1969]. Contém notas autobiográficas.

 

4 comentários em “Nisbet: A tradição sociológica

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  1. Boa nota introdutória. Escrita de forma didática. Colabora muito para o esclarecimento do momento atual, onde a falta de clareza nas ideias leva à intolerância e obscurantismo. Abre uma alternativa para o debate das formas politicas e sociológicas que podemos almejar.

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