Dois romances lisboetas: Tabucchi e Mercier

TABUCCHI, Antonio. Afirma Pereira. Lisboa: Quetzal, 1998.

MERCIER, Pascal. Trem noturno para Lisboa. Rio de Janeiro: Record, 2009. Publicado originalmente em alemão em 2004.

Dois romances paralelos. Ambientadas no Portugal salazarista, as obras mostram o lado humano da resistência diante do autoritarismo. Viraram sucessos instantâneos: foram escritas por estrangeiros lusófilos, ganharam as telas, retratam reconciliações com o passado e com os mortos…wp-1482344515743.jpg

O alienado Sr. Pereira é um jornalista a envelhecer-se sem grandes emoções. Escreve a seção cultural de seu jornal vespertino. Sua vida sem graça resume-se em morar sozinho, falar com o retrato da esposa morta, a tomar limonada e comer omelete no Café Orquídea.

Não era de se esperar alguma atitude heroica desse corpulento e passivo literato na Lisboa de 1938. Escrito como um extenso depoimento policial, a locução discendiafirma Pereira” povoa o texto. O relato de Pereira é sobre o jovem militante Monteiro Rossi a quem oferece emprego escrevendo obituários antecipados de escritores célebres. O recém-formado filósofo Rossi escreve em um tom demasiadamente perigoso em tempos de censura. Pereira se surpreende envolvendo-se ainda mais com a causa antifascista.

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Outro protagonista de meia-idade, o filólogo e professor secundarista Raimund “Mundus” Gregorius também leva sua vida pacata na Suíça. Como Pereira, não tem esposa (divorciado) nem filhos. O marasmo é interrompido quando salva uma misteriosa mulher de pular de uma ponte. Decide encontrá-la, tendo como referência um livro de poesia escrito pelo médico Amadeu de Prado (um amante da liberdade como o dr. Cardoso da obra de Tabucchi) durante o regime de Salazar. Gregorius deixa a escola, para espanto de todos que o conhecem pela sua vida rotineira, e parte no Trem noturno para Lisboa. Na cidade descobre que Amadeu de Prado havia participado da resistência antes de morrer. Começa a investigar as circunstâncias e revela um triângulo amoroso. Porém, o foco do livro é o ato de coragem diante da opressão.

Ambas as obras político-existenciais tiveram sucesso. Viraram filmes, um estrelado por Marcello Mastroianni e outro por Jeremy Irons. Receberam críticas elogiosas. Foram traduzidas para múltiplas línguas. Tabucchi ganhou prêmios. Sua obra irritou a populistas e reacionários quando publicada, bem no auge da aventura política de Berlusconi.

Apesar das similaridades, não dá para dizer que um romance se inspirou noutro. Exceto que as vidas dos autores parecem que foram reciprocamente plagiadas. Como Gregorius, Antonio Tabucchi (1943-2012) era um filólogo, trabalhou de tradutor e professor que rumou para Portugal. Como Pereira, o filósofo acadêmico Peter Bieri (n.1944) cultiva uma paralela vida de literato, só que com o pseudônimo de Pascal Mercier.

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