Porque estudar as religiões continua relevante

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Na década de 1960 muitos sociólogos previam que a religião diminuiria sua importância na sociedade ocidental, dando lugar ao secularismo e à indiferença. O tempo provou o contrário: a diversidade religiosa cresceu, as implicações políticas de conotações religiosas também; a presença religiosa nas expressões culturais ganharam peso, além do ativismo religioso agindo em mudanças sociais e individuais. Enclaves religiosos de antes hoje são pluralistas e não respeitam fronteiras: há uma grande comunidade Sikh em Londres enquanto a região de maior concentração batista do mundo está em Mizoran no nordeste da Índia. Consequentemente, o estudo das religiões — seja por abordagens internas como a teologia ou externas como a antropologia da religião — tornam-se vitais para a compreensão desses fenômenos que incluem uma miríade de fatos sociais.

A complexidade religiosa está cada vez mais plural. Nos metrôs das grandes cidades sentam juntos monges budistas, adeptos da Nova Era, crentes pentecostais, agnósticos, noviços com hábitos de novas ordens religiosas católicas, imigrantes muçulmanos e convertidos ao hassidismo lubavitcher. E nessas cosmópolis, seja Nova Iorque, Shangai ou Cidade do México, todos coexistem diariamente sem maiores conflitos. Novas formas de religião surgiram, cultos de UFOs, igrejas em portas comerciais e na TV, indivíduos religiosos sem pertencer a qualquer instituição formal, todos aumentaram a diversidade. Até quem quer se ver livre da religião precisa estudá-la.

Não se pode ignorar a desconhecida religião que afeta indiretamente nas vidas pessoais, mesmo daqueles que não a segue. A direita evangélica ajudou a eleger Reagan e talvez teve peso decisivo na eleição de George W. Bush. Militantes de uma expressão tão marginal quanto radical do Islã chocou o mundo com o atentado de 11 de setembro de 2001. A queda do regime ditatorial comunista da Romênia iniciou e foi coordenada por um bispo protestante. Conflitos como na Irlanda do Norte teve origem em facções etnorreligiosas e delas também partiram as iniciativas de paz nos anos 1990. Na América Latina, teólogos da libertação tornaram-se vozes para desnudar as injustiças contra a Terra e o povo. Voz  essa que pesa nas posturas políticas, desde protestar quanto a transposição do Rio São Francisco quanto o bispo Lugo ser eleito presidente paraguaio. As eleições do Brasil de 2014 teve dois candidatos a presidência vinculados a denominações pentecostais.

A internet é o grande meio difusor, inovador e local de discussão para a religião. Enquanto alguns grupos como os Irmãos Exclusivos (Raven-Taylor) rejeitam o uso dessa tecnologia, outros empregam-na para comunhão entre membros, pesquisar sobre sua própria religião ou propagar sua fé. Goste ou não, a relação entre religião e internet será permanente. Em uma estimativa, dois terços dos internautas americanos usam a rede para propósitos religiosos.

A ciência não pode avançar sem um diálogo com a religião. Há desde questões bioéticas quanto debates calorosos como o ensino da criação e evolução nas escolas. Temas que não se jogam debaixo do tapete, mas carecem de ser refletidos e trazidos à discussão pública.

Nos meios mais tradicionais, como literatura e cinema, a religião mostra sua vitalidade: os best-sellers e os blockbusters atuais tem temas religiosos: O Código da Vinci e A Paixão de Cristo venderam bem mundialmente. Obras de sutis veios religiosos como O Senhor dos Anéis tornaram sucessos populares. Há ainda o mercado especializado para um segmento particular, que difunde livros espíritas de Chico Xavier, séries fundamentalistas do estilo Deixados para Trás, além de neo-mágicos e Wiccans que encontraram inspiração na série Harry Potter.

Escolas fundadas e mantidas por instituições religiosas contam-se ainda entre as melhores. Faz alguns séculos desde que os congregacionais fundaram Harvard e Yale e os jesuítas a Universidade Gregoriana de Roma, mas vemos no Brasil a expansão das instituições confessionais, as PUCs, a Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Universidade Metodista, a Universidade Luterana do Brasil, sem contar vários colégios religiosos formam profissionais de proeminência.

Apesar do avanço dos serviços sociais, da medicina, da terapia psicológica, a religião ainda atua como agente transformador. Obras sociais religiosas atendem o pobre, devotos apelam às suas divindades por curas, muitos ministros são as únicas formas de aconselhamento tanto acessíveis quanto confiáveis.

Há também escândalos financeiros e sexuais no meio religioso, como há discriminação e violência oriunda e difundida por religiosos. Fenômenos que requer especialistas em religião para compreender. Jornalistas, estrategistas militares, diplomatas, analistas políticos são alguns exemplos de especialistas cujo conhecimento sobre a religião é crucial no desempenho de suas atividades. Da mesma forma, não se pode conduzir negócios sem conhecer e respeitar seguidores de uma religião. Qualquer exportador de carne suína ou álcool para países islâmicos sabe disso.

Admiro muito as ciências da religião (parte do meu mestrado foi feito em um departamento de ciências de religião), pois trabalha com assuntos que inflamam ânimos. Cientistas da religião tem de negociar constantemente com os sujeitos tanto para produzir o conhecimento quanto para não os ofendê-los de modo que fecha o campo de pesquisa. Por isso, considero primordial compreender os fenômenos religiosos para compreender o presente.

Estudar as religiões é aprender a ser empático com os outros. Mesmo quem seja indiferente à religião estará envolto com colegas de trabalho, família, amigos, clientes e outras pessoas que se comportam, expressam ou se orientam por elementos religiosos.

A espiritualidade contemporânea pode ter mudado de cara, mas continua viva, sempre presente. Por essas razões é necessário o estudo sistemático, mesmo científico, do fenômeno religioso, seja em seu aspecto conceptual (como a teologia no cristianismo), comparativo (comparação entre religiões; discussão entre ciência e religião), político e cultural (sociologia e antropologia da religião) e fenomenológico (espiritualidade, crença e experiência numinosa). A antropologia há tempos descobriu que não existe sociedade que viva sem religião, pelo visto continuamos assim.

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