A hipótese Sapir-Whorf associa-se às ideias de Edward Sapir (1884–1939) e Benjamin Lee Whorf (1897–1941) acerca do condicionamento recíproco entre a percepção e a linguagem e, consequentemente, com efeitos na cultura. O irônico é que essa hipótese não fora formulada pelos dois.
Sapir estudava antropologia sob Franz Boas na Universidade Colúmbia em Nova Iorque enquanto adquiria domínio em quantas línguas possíveis. Investigava como fatores externos configurava a cultura, moldando a percepção e comportamento individuais. Mais tarde, Sapir dedicaria-se à antropologia linguística e à docência quando o engenheiro químico Benjamin L. Whorf veio a estudar linguística com ele em Yale.
Whorf, um especialista em segurança do trabalho, notou alguns operários fumando perto de uns barris inflamáveis. Tais operários racionalizavam e negavam o perigo chamando os barris de ‘vazios’. Tal atitude levou a Whorf a ponderar que a linguagem determina o pensamento.
A hipótese que levam o nome deles tornou-se conhecida pela análise de seus escritos publicados postumamente: Language, Culture and Personality (Sapir, 1949) e Language, Thought, and Reality (Whorf, 1956). (Por esse motivo, parece-me ser mais acurado categorizar a hipótese com o nome dos dois que lhes atribuir a autoria sob a designação “hipótese de Sapir-Whorf”). O curioso é que Whorf tinha inicialmente publicado sua ideia no artigo Science and Linguistics (1940) em uma revista que na época era inexpressiva, o M.I.T.’s Technology Review.
Já se era sabido das diferenças semânticas entre línguas e culturas. Essa relação entre semântica e cultura é mais visível com os vocabulários focais. A lenda que os esquimós-Inuit têm milhares de palavras para neve e nenhuma para gelo, embora não seja verdade, revelava a existência de vocabulários focais ou ultra-especializados próprios das comunidades linguísticas. Em um trabalho de campo entre sertanejos no Paraná, maravilhei-me como as pessoas do campo diferenciam abelhas e madeiras por nominalização. Às vezes a mesma espécie de abelha ou madeira recebe nomes diferentes de acordo com suas características ou funções sendo categorizadas como distintas. O vocabulário focal refletiria uma percepção especializada de uma comunidade linguística particular.
Porém, uma coleção de elementos em um campo semântico por si só não prova a relação de linguagem e pensamento.
Baseados nos trabalhos de Sapir e Whorf, vários estudos demonstraram sistematicamente as diferenças semânticas entre as línguas. Categorias como espaço, tempo, quantidade e cores não são uniformes através das culturas. Tais estudos tentam provar que a percepção diferencia de cultura para cultura filtrada pela linguagem. Um método comum era comparar o espectro de cores através de grupos linguísticos distintos. A exemplo, para os italianos há o azzurro e o blu, cores distintas para o que em português chamamos de ‘azul’.

Já há povos contemporâneos e na Antiguidade a quem sequer o azul é reconhecido como cor. O linguista Guy Deutscher, em sua obra Through the Language Glass: Why the World Looks Different in Other Languages (2010), oferece vários exemplos em suporte à hipótese de Sapir e Whorf. O autor nota que o azul não aparece em várias obras clássicas. O político e classicista britânico William Gladstone notou que Homero chama o mar de cor de vinho. O indo-europeanista Lazarus Geiger (1829–1870) argumentava que as raízes etimológicas do termo azul para as línguas contemporâneas da Europa derivavam do preto e do verde. Geiger expandiu as pesquisas de Gladstone e não encontrou alusões à cor nas línguas originais da Bíblia, no Corão, nem nos clássicos indianos e chineses.
Faltam ainda explicações para essa ausência de menções à cor. O oftalmologista alemão Hugo Magnus (1842 – 1907) especulou que originalmente os povos da antiguidade eram daltônicos ou cegos para várias cores do espectro, mas que desenvolveram essa distinção evolutivamente. O próprio pioneiro da antropologia Franz Boas era um físico interessado pela percepção das cores quando foi investigar entre os inuit como ocorriam as corres no Ártico. Outro pioneiro, W.H. R. Rivers na célebre expedição ao Estreito de Torres documenta os nativos referindo-se ao céu como escuro.
Vale, todavia, separar mito da realidade. A ausência de várias cores em muitas línguas não implica necessariamente na inexistência delas ou na impossibilidade de percepção. Simplesmente faltam palavras para nomeá-las. Contrariando a lenda “inexistência” do azul na Antiguidade, os egípcios tinham termos para a cor (irtiu e khesbedj) e era um tanto popular.
Logo surgiram estudos que constestavam a Hipótese Sapir-Whorf, além de críticas que também aproveitavam elementos dessa hipótese como nos trabalhos de Noam Chomsky e Steven Pinker.
Como exemplo de variação cognitiva entre as línguas, é interessante a distinção epistemológica dos conceitos de ‘saber’ e ‘conhecer’. Em uma tabela de significações aproximadas temos:
INGLÊS |
PORTUGUÊS |
SUECO |
data |
dados |
uppgifter |
information |
informação |
information |
knowledge |
conhecimento |
vetande |
veteskap |
||
kännedom |
||
kunskap |
||
o saber |
||
understanding |
compreensão |
förståelse |
insight |
insikt |
|
expertize |
perícia |
kompetens |
wit, cunning |
esperteza, perspicácia |
vett |
wisdom |
sabedoria, sapiência |
visdom, vishet |
Por essa tabela, vê-se que modelos cognitivos e heurísticos desenvolvido por falantes do inglês como o DIKW (Data, Information, Knowledge, Wisdom) é incompleto em português e não faz sentido para os suecos.
Os significados na tabela são os mais correntes, o que não exclui a existência de termos técnicos. A filosofia em inglês distingue knowledge of acquaintance e knowledge by acquaintance que equivaleria à dicotomia conhecer/saber. Em um jargão mais acurado em português, introspecção seria o mais próximo de insight.
Em sueco é interessante a distinção entre att veta — saber e conhecer algum assunto; e att känna — sentir algo ou conhecer alguém de forma relacional. Para complicar, o verbo kan pode também ser usado para o conhecimento hábil: jag kan svenska (falo/sei sueco), jag kan koka (sei cozinhar).
As distinções discretas continuam: para o português habilidade e capacidade há no inglês skills, capability, ability, capacity — todos com nuances e significações distintas sem correspondência direta no português.
Outro exemplo são as nuances de poder em alemão — Kraft, Macht, Stärke, Herrschaft, Entwicklungsmöglichkeit — são distintas das noções de habilidade, potência, força, autoridade, domínio, senhorio — com potenciais significados presentes em português.
Também há elementos semânticos quase únicos a cada línguas. São os famosos idiomatismos tidos como exclusivos de cada língua: saudade para o português, Schadenfreude em alemão, lagom em sueco, ilunga na língua bantu tshiluba e jayus em bahasa.
A hipótese Sapir-Whorf ainda está sob discussão, mas dela se dá para tirar um aproveito. Pela sua demonstração das variedades cognitivas das línguas, no aprendizado de novos idiomas ela é útil a quem queira aumentar uma percepção diferente, desenvolver um raciocíonio acurado e se expressar de forma precisa.
Amei o resumo
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Muito obrigado por compartilhar tantas informações tão importantes.
Conheci o blog hoje e já sou fã.
Vai para os meus “Must Read” do Feedly.
Gratidão enorme.
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Agradeço as gentis palavras. Fico contente que essas postagens sejam-lhe úteis. 😉
Leonardo
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Estou estudando um texto do FIORIN, J. L. (Línguas, identidades e fronteiras) e fui obrigado a dar uma pausa e ler esse resumo MARAVILHOSO.
Grato por compartilha-lo.
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Qual é a importancia da hipotese de Sapir e whorf para o desenvolvimento da linguagem?
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